sábado, 6 de novembro de 2010

Exercitar as liberdades contra a “democracia austeritária”

A Sandra Monteiro ofereceu-nos no último número do Le Monde Diplomatique uma palavra que estava a fazer falta – “austeritário” – e que daqui para a frente passarei a usar sem aspas para manifestar o meu apoio à sua inclusão em nova edição do Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências.

O regime austeritário, “representa uma séria ameaça para o contrato político, económico e social em que se fundamenta a democracia” - escreve Sandra Monteiro – é um estado de emergência económica (e portanto social e política) permanente em que são restringidos ou suspensos os direitos e liberdades – sugiro eu que se acrescente.

O austeritarismo não é um produto da imaginação da Sandra, nem uma qualquer abstracção fantasiosa de um filósofo político. O austeritarismo anda por aí e manifesta-se de modos previsíveis: o Presidente da China vem a Portugal prometer patacas em troca de dívida soberana; para não prejudicar a transacção o Governo Civil procura impedir a Amnistia Internacional de se manifestar no espaço público em defesa dos direitos humanos que lhe compete defender.

Mas o austeritarismo também é um feitiço que se pode voltar contra os feiticeiros. O dirigente da oposição de direita manifesta resistência em apoiar o orçamento recessivo do governo, os juros das dívidas aumentam nesse dia: cala-te Passos Coelho que estás a ficar caro ao país.

O austeritarismo está aí a instalar-se - mais cedo do que tarde farão contas às manifestações e greves, como já fizeram em França, para concluir que o país não pode pagar esses luxos. Como se combate o austeritarismo? Exercitando as liberdades, se necessário for contra todas as interdições que agora são ilegais mas podem vir a tornar-se legais (apesar de ilegítimas).

1 comentário:

Anónimo disse...

Quando fui educado, lembro-me bem como me ensinaram a lutar por aquilo que queria e a compreender que nada caía do céu e tudo levava tempo.


Os pais treinavam os filhos a saber esperar, a saber persistir, a aguardar diligentemente a compensação do seu esforço.



Hoje, são poucos os pais que educam segundo este modelo. O critério do ter imprime um ritmo frenético à vida.



Antes, havia tempo para o ritual do tempo, a vontade era formada na resistência.



Hoje, o tempo tem o ritual de cada momento, a vontade é formada no frenesim de cada satisfação.



Antes, o tempo era uma escola, hoje é um embaraço. Antes, a disciplina interior sabia a libertação, pela firmeza que conferia à nossa atitude, hoje, a disciplina interior sabe a escravidão, pelo custo que confere a realização imediata daquilo que queremos.



Nos nossos dias, os pais desmesuram-se em ajudas aos filhos, em apoios, em cursos, em oportunidades, como antes não sucedia.



Mas negligenciam, nesta mímica social estranha de correr para todo o lado, os mais simples valores da correcta formação humana.



Quantos pais hoje falam aos filhos em disciplina? Quantos pais hoje ensinam os filhos a saber esperar?



Resmungamos generalizadamente que há um desencontro entre o que todos querem e o que é possível a todos dar.


Resmungamos, mas não vamos ao fundo da questão.



Como podem os pais de hoje transmitir aos filhos os valores mais preciosos, se eles próprios os abandonaram?



Como podem os pais educar os filhos a saber esperar, se eles próprios abraçaram a lógica imediatista da vida moderna?



Como podem os pais transmitir disciplina aos filhos, se eles próprios perderam os critérios em que a disciplina se funda?



A disciplina, no entanto, é a ferramenta decisiva da vida, como o saber esperar é a atitude própria das grandes realizações.



Como diz M. Scott Park, com alguma disciplina, resolvemos alguns problemas da vida, com total disciplina resolvemos todos os problemas da vida.



Na vida afectiva, não há grandes amores, nem grandes amizades sem disciplina.


Na vida em geral, em todos os aspectos da vida, não há destinos significativos à espera de quem não tem disciplina.


A disciplina olha os problemas de frente e resolve-os.


A disciplina cuida da força de vontade, dispõe-se ao essencial, sabe esperar.


A disciplina aceita a renúncia, o sacrifício, a abdicação — palavras hoje interditas.


A solução dos problemas de Portugal passa por aquilo que cada um de nós souber fazer a este respeito.