Na origem, pensava Locke, o acto de lavrar e cultivar a terra, tornando-a deste modo em propriedade vedada ao acesso de outros, não prejudicava aqueles a quem o acesso passava a estar vedado e não dependia, portanto, do consentimento da comunidade. Como assim? No princípio, apesar da apropriação, haveria sempre terra bastante e de boa qualidade para os outros. Quem objecta a que alguém retire alguma água de uma fonte que não cessa de jorrar?
Na origem, portanto, a propriedade não era causa de desarmonia e conflito e, pensava Locke, continuaria ainda a não o ser, não tivesse ocorrido «a invenção do dinheiro e o acordo tácito dos homens em a ele atribuir valor». Sem dinheiro, explica Locke, é difícil acumular o excedente agrícola. Nessas condições o que não é usado transforma-se em desperdício. Mas com dinheiro torna-se possível vender o excedente e acumular o seu valor numa forma monetária que por sua vez permite aceder a outros bens, inclusive a mais terra. Conclusão:
«… no princípio todo o mundo era América, ainda mais do que é agora; porque em nenhum lugar nada que se assemelhasse a dinheiro era conhecido. Encontre-se algo que tenha o uso e o valor do dinheiro entre vizinhos e veremos o mesmo homem agora a começar a alargar as suas possessões».A propriedade não limitada pelas capacidades de trabalho e de uso seria então uma consequência do dinheiro. A escassez de terra livre e o conflito em torno da posse do bem escasso, também. Aqui Locke é prudente, dando lugar para diversas interpretações, mas mesmo assim não é fácil levar Locke a legitimar a propriedade individual sem limites – este tipo de propriedade resultaria do dinheiro, de uma instituição humana, e não de uma «lei natural».
Como é fácil de imaginar Locke não podia adivinhar que em vez de encerrar o debate sobre a legitimidade da propriedade privada, estava, por assim dizer, a inflamá-lo. No entanto, foi isso precisamente o que acabou por acontecer. Se o corpo é sagrado e ninguém pode cedê-lo em contrato para uso ou posse de outrem e se, por extensão, os frutos do trabalho legitimamente pertencem a quem os produziu, como justificar que parte dos frutos do trabalho de quem lavra a terra ou trabalha na oficina que um outro diz ser sua, passem a pertencer a quem se diz proprietário e não a quem os produziu?
5 comentários:
Tanto a teoria política de Rousseau como a de Locke tem por base a afirmação da liberdade do homem. Há, contudo diferenças nas noções de liberdade e igualdade entre Locke e Rousseau. Para Locke a sociedade civil é um novo meio dos homens se regularem de forma a proteger a sua propriedade - naturalmente adquirida- do estado de guerra, possível na natureza (já que cada indivíduo poderia tomar a lei nas suas próprias mãos). Quer dizer, para Locke o direito de propriedade é a base da liberdade humana e o governo deve existir para proteger esse direito. O Homem entrega as liberdades naturais para obter se¬gurança colectiva para a propriedade e para a vida. Assim, o bem público deve servir às realizações individuais e não a fins colectivos indefiníveis. Locke viu a posse da propriedade como a base de uma sociedade civil justa e equitativa. Por seu turno, Rousseau considerou que isso foi a origem do mal e da desigualdade : o homem é corrompido não pela natureza, mas pela posse da propriedade; é a sociedade civil que é cor¬rupta.
Em Locke a criação do Estado resulta de uma vontade contratual de todos os cidadãos, que se traduz em atribuir a alguns o poder de governar a sociedade. Sendo que a transferência dos poderes individuais a favor do poder político não deve ser ilimitada. Essa delegação de poderes deve-se restringir apenas ao bem publico nunca invadindo a vida privada. Este governo, assim limitado, será garantido através de uma divisão de poderes dentro do Estado (legislativo, executivo e federativo). È que, para Locke a maioria nem sempre tem razão, por isso é necessário limitá-la.
Rousseau questionou essa postura, argumentando que os indivíduos que fazem a maioria exprimem sempre o bem comum, por isso quem está em minoria nunca tem razão. Desde que uma maioria se exprima tem-se a garantia de que ela representa a vontade geral. A vontade geral é para assegurar a liberdade, a igualdade, e a justiça dentro do Estado, e no contrato social a soberania individual é cedida integralmente ao Estado no sentido de que esses objectivos possam ser atingidos. Por isso a vontade geral dota o Estado de força para que ele actue em favor das teses fundamentais que traduzem o interesse colectivo. O contrato social, é um pacto em que o homem abdica sua liberdade, mas sendo ele próprio parte integrante e activa do todo social, ao obedecer à lei, obedece a si mesmo e, portanto é livre. Obedecer a todos é obedecer a ninguém, e é o mesmo que obedecer-se a si mesmo. Neste sentido, para Rousseau o povo tem que ser soberano, isto é o corpo colectivo que expressa através da lei a vontade geral.
Todos os bens podem ser encarados sob dois aspectos: o seu valor de uso e o do seu valor de troca. O valor do uso refere-se às necessidades que podem ser satisfeitas pelas características do bem. O valor de troca refere-se ao valor que o produto tem para a troca com outros produto. Tem, portanto, associado uma quantidade de tempo de trabalho necessário que corresponde ao valor da força do trabalhador. Tudo aquilo que o trabalhador produz para além de um valor equivalente ao seu próprio valor é mais valia. Se por exemplo o trabalhador em quatro horas produzir o equivalente ao seu valor, mas trabalhar sete horas, significa que tudo aquilo que produz nas três horas restantes é mais valia. Sucede, que o resultado da produção, é repartido de forma diferenciada entre os que detém a propriedade, e aqueles que vendem o seu trabalho. É que, a mais valia (no fundo trata-se do lucro) reverte exclusivamente para os detentores dos meios de produção. Quer dizer, os trabalhadores tem pouco acesso à riqueza produzida pelo seu trabalho.
Nem proprietário
nem propriedade
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