domingo, 19 de junho de 2022
IDE a caminho não são só boas notícias
sábado, 18 de junho de 2022
Deem uma oportunidade à paz
Nao tendo esta sondagem sido aplicada em todos os Estados membros, a população dos países inquiridos representa, contudo, 79% do total da UE28. Pelo que, ponderando os resultados pela população de cada país, se verifica que cerca de 38% concordam que o mais importante para resolver o conflito seria «parar a guerra o mais rapidamente possível, mesmo que isso implique a cedência de território da Ucrânia à Rússia», situando-se em 21% os que subscrevem que o importante é continuar a «punir a Rússia pela agressão à Ucrânia, mesmo que isso implique que mais ucranianos morram e sejam deslocados».
Por sua vez, os inquiridos que não se reveem em nenhuma das duas proposições (indecisos) representam apenas 19% do total, sendo 23% os que revelam não saber responder (ver nota metodológica no final do estudo). A Itália, Alemanha, Roménia e França destacam-se pelos valores mais elevados de preferência pela «paz» (acima de 40%) e a Polónia pelo facto de ser o único país, nos dez considerados, em que a preferência pela punição e pela «justiça» supera a opção pelo diálogo e a «paz». Verifica-se também, por último, uma tendência para que o peso relativo dos indecisos seja superior nos países onde a opção pela «justiça» é mais relevante.
Ao dar nota deste estudo, o Expresso assinala que o mesmo evidencia «divisões na Europa», com Portugal a integrar o «grupo de países que prefere a paz à justiça na Ucrânia». Mas para lá desta divisão no seio das opiniões públicas, deve assinalar-se uma outra, bem mais relevante: a dissonância entre o que pensam as pessoas, inclinadas a optar pelo caminho do diálogo e da paz, e o que decide a larga maioria dos governos europeus, que optaram pela via da punição e da justiça, sobretudo depois da afirmação de que a Rússia não podia vencer a guerra, pondo assim fim a uma fase em que havia pelo menos alguns sinais de se estar a apostar no diálogo e nas negociações.
sexta-feira, 17 de junho de 2022
A dignidade escasseia
Há sectores do patronato, do turismo à agricultura intensiva, que querem uma força de trabalho barata e descartável, temporariamente importada se necessário for. Fazem de tudo para não ter de aumentar salários e melhorar as condições de trabalho. E têm cada vez mais poder.
Ao aprovar um visto de trabalho temporário para imigrantes, o Governo, pela voz de Ana Catarina Mendes, fala de “combate à escassez de mão-de-obra”. Até parece que estamos numa situação de pleno emprego. E mais parece gestora de uma empresa de trabalho temporário.
A social-democracia é isto? E o trabalho digno?
A Escola Pública contra o fatalismo dos contextos
«A Escola Pública norteia-se pela universalidade do acesso e do direito de todos a uma educação de qualidade, na ideia de sistema que assenta na cooperação e que serve toda a comunidade. O seu objetivo é mitigar as desigualdades de partida e quebrar ciclos de insucesso.»
O resto da crónica pode ser lido no Setenta e Quatro.
quarta-feira, 15 de junho de 2022
O BCE não pode deixar de comprar dívida. Para sempre?
Os mercados financeiros andam agitados desde que o BCE anunciou que vai também subir a taxa de juro para (supostamente) combater uma inflação do lado da oferta (aumento dos custos de transporte, escassez de contentores, problemas diversos causados pela pandemia, tudo isso agravado com as sanções aplicadas à Rússia, ou apenas anunciadas, no que toca a petróleo, gás e carvão).
Esta política monetária é um erro e só se explica pela subserviência dos bancos centrais dos EUA e da Zona Euro ao lobby da finança. Para este poder que manobra nos bastidores, juros mais altos são lucros maiores. É só isto que lhes interessa. Os pobres e a classe média que aguentem a inflação (que não será enfrentada nas suas causas, nem mitigada nos seus efeitos) e o arrefecimento da economia, talvez mesmo uma recessão, provocado pelo maior juro, com o consequente desemprego, redução do investimento público, emigração dos mais qualificados. Porquê? Teoria económica errada e convertida em política económica desastrosa por economistas que cuidam, sobretudo, da sua carreira; captura dos governos pela finança e pelas grandes empresas através do aliciamento dos decisores com promessas discretas de empregos muitíssimo bem remunerados.
Acontece que, se o BCE voltar a deixar os mercados financeiros em roda livre, estaremos de volta à (erradamente) chamada “crise da dívida pública”. Na verdade, o BCE tem todo o poder para manter as taxas de juro da periferia da ZE a um nível muito baixo, desde que ignore a pressão dos fundos de pensões da Alemanha e restantes operadores especulativos. Tem de comprar continuadamente a dívida pública da periferia, como fez para acabar com a crise da ZE a partir de 2012 e mais recentemente com a pandemia.
Na semana passada, Lagarde anunciou o fim da compra de nova dívida pública e aumentos prudentes nas taxas de juro. Mas, apesar de saber que os mercados financeiros não dão o mesmo valor à dívida alemã e às dívidas da Itália, Espanha, Portugal e Grécia, absteve-se de explicar como iria enfrentar uma evolução divergente nas taxas de juro da ZE. Daí que muitos especuladores tenham começado a vender dívida destes países, o que significa que, para aqueles que agora compram os títulos a um preço inferior, o seu rendimento implícito subiu (além de, mais tarde, poderem vendê-los com mais-valias). É este rendimento (‘yield’ no jargão) – mais elevado quando há fuga da dívida e o seu preço baixa – que marca o juro a que as novas emissões de dívida terão comprador:
(Juro fixo do título)/(Preço do título) = Rendimento (‘yield’)
Exemplo: 2/100 = 2% (com fuga deste título) => 2/65 = 3%
Hoje, apenas pelo facto de o BCE ter convocado uma reunião extraordinária para discutir o assunto, o rendimento da dívida destes países da periferia baixou imediatamente (com mais procura, o preço dos títulos sobe, o rendimento baixa).
Conclusão:
os juros (variáveis) do crédito à habitação podem subir alguma coisa mas não vão subir muito porque isso significaria que o BCE não iria intervir nos mercados para fixar a taxa de juro das obrigações num nível sustentável, como fez até aqui.
Portanto, tenham calma. Tendo aprendido com a anterior crise, quando a sobrevivência da ZE estiver em causa o BCE fará o que for preciso.
E, como se vê, o discurso das “contas certas” para cair nas boas graças dos especuladores é uma treta que nos tem custado muito caro, embora talvez melhore o curriculum de António Costa. Tomem nota: para o bem e para o mal, quem fixa a taxa de juro da dívida pública portuguesa é o BCE e não os mercados financeiros.
terça-feira, 14 de junho de 2022
Má política
O lider da extrema-direita verbalizou hoje a consequência lógica do continuado e nunca assumido subfinanciamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS)
- O que é podemos fazer já? Garantir que estas pessoas que chegam a uma maternidade que está fechada ou a uma urgência, podem ir a uma urgência privada e o Estado comparticipa estes custos.Ora, sublinhe-se que esta política de subfinanciamento crónico do SNS, verificada durante décadas, por governos PS (como é o caso do actual desde 2015) e de direita, não é um acaso. Ela tem um racional que, supostamente, é o da suposta boa gestão orçamental. Face a uma conjuntura incerta ou sendo incapaz de influenciar a política monetário-orçamental a nível europeu, o Governo poupa nos custos públicos, como forma de conter o défice orçamental e, com ele, as necessidades de financiamento público que terão - por imposição ideológica liberal europeia - de ser preenchidas através dos mercados financeiros, aumentando ainda mais a dívida pública e, com ela, a dependência do Estado a quem manda nos mercados.
Para impedir que se avolumem os custos fixos com os profissionais de saúde - como seriam os decorrentes da sua contratação à dimensão das necessidades e uma reformulação das carreiras que impeça a emigração para o sector privado ou para o estrangeiro - o Governo aprova reforços de financiamento, mas depois adia a sua realização. Desde 2015, foi assim, com os ministro das Finanças, primeiro Mário Centeno (hoje à frente da sucursal em Lisboa do BCE) e depois João Leão, a borregarem investimentos, alardeando-se depois da sua boa gestão orçamental nominal.
Mas esta política de gestão de curto prazo tem consequências... a prazo: primeiro, prejudica a provisão pública de saúde e os cuidados dos cidadãos, como estipula a Constituição; depois, cansa, desmotiva e desvaloriza os profissionais da saúde; terceiro, sai mais cara porque obriga a trabalho extraordinário ou à contratação temporária de profissionais através de empresas privadas fornecedoras de mão-de-obra, pagas a preço de ouro e criando injustiças remuneratórias, afectando a constituição de equipas e o bom desempenho dos serviços; finalmente, reduz o poder de negociação do sector público junto do sector privado que se tornará cada vez mais necessário para complementar os cuidados de saúde prestados pelo sector público.
Sublinhe-se que esta política de contas certas é a que foi precisamente levada a cabo - embora de forma mais acentuada - pelos governos de direita, como aconteceu com os governos Cavaco Silva ou de Passos Coelho/Portas/Moedas, marcadamente interessados em subsidiar o sector privado da Saúde.
Eis, pois, a consequência prática da opção por uma política monetário-orçamental delineada centralmente na Europa, que incapacita as autoridades nacionais de financiar a sua actividade: todos os governos, sejam de esquerda ou de direita, acabam por aplicar a mesma política de direita. Quer queiram, quer não.
E, como sublinha o post anterior do Jorge Bateira, esta política está errada e a esquerda, na sua pluralidade, precisa de ir mais longe nos seus argumentos por uma política de esquerda.
A economia política da penúria
Face às notícias sobre o colapso nos serviços hospitalares de obstetrícia, é inevitável a pergunta: um governo socialista não tem dinheiro para fazer do Serviço Nacional de Saúde um sólido pilar do Estado social, como está consagrado na nossa Constituição?
A resposta é simples: não quer ter dinheiro. O SNS está subordinado à prioridade máxima inscrita no Orçamento, o controlo do défice através da penúria. Uma opção que não só é errada, do ponto de vista de uma teoria económica bem fundamentada, mas também é contraproducente. Alternativa, precisa-se
A esquerda tem de cooperar na apresentação de uma alternativa política que defina outras prioridades, no quadro de uma outra visão do Orçamento do Estado. Não deve discutir as migalhas que vão prometer à Saúde e que terão de ser retiradas de outro sector; não se deve perder em discussões de mercearia da despesa. Deve apresentar uma nova política orçamental para o desenvolvimento do país.
BE e PCP têm de dizer na AR e nos media que aumentar a despesa pública (estrategicamente orientada) significa aumentar a procura na economia, o que tem um efeito multiplicador sobre o produto, cria emprego, faz aumentar a receita dos impostos e reduz a despesa com apoios sociais (subsídio de desemprego, etc.). Ou seja, numa economia com capacidade produtiva subutilizada, mais despesa pública melhora o défice e a dívida (d=% do Produto), bem ao contrário do que nos dizem na televisão.
Precisamos de alguém na AR que diga ao Governo (e a todo o país) que o Orçamento do Estado não deve ser tratado como se fosse o orçamento de uma família. E se o ministro das finanças e o governador do Banco (que já não é) de Portugal não sabem isto, não só mostram uma enorme ignorância como promovem uma política orçamental danosa para o bem comum. Não foi esta "U"E que prometeram ao povo.
Espiral invisível
Nos últimos meses, tornou-se frequente ouvir a ideia de que nos encontramos perante o risco de uma "espiral inflacionista" causada pelo aumento dos salários num contexto em que o preço de algumas matérias-primas, como a energia, tem subido consideravelmente. Foi esse o argumento utilizado pelo governo português para recusar aumentos salariais na função pública - que servem de referencial para o setor privado - em linha com a inflação esperada para este ano, tendo contado com o apoio da Iniciativa Liberal.
A ideia subjacente à restrição salarial é a de que, no contexto atual, não se pode sobrecarregar as empresas, que já se encontram pressionadas pelo aumento de outros custos. É uma história apelativa, não fosse o facto de os dados apontarem precisamente no sentido contrário. Uma análise publicada em maio pelo Bank of International Settlements mostra que, nos EUA e em alguns países da UE (incluindo Portugal), a experiência das últimas décadas tem sido outra: com as taxas de sindicalização em mínimos históricos e a erosão do poder negocial dos trabalhadores, o que tem aumentado verdadeiramente é a margem média das empresas.
Não há evidência empírica que suporte a ideia de que uma espiral salários-preços está ao virar da esquina. Com a restrição salarial imposta pelo governo, o que teremos é uma quebra acentuada do poder de compra da maioria das pessoas.
segunda-feira, 13 de junho de 2022
Combustíveis: os culpados são só os impostos e a guerra?
Até quando a narrativa de que são apenas os impostos e a guerra as fontes do aumento do preço dos combustíveis? Sim, a guerra foi a detonadora do preço dos combustíveis. Mas parte substancial da subida é fruto do poder de mercado desproporcional das petrolíferas e de governos neoliberais que não ousam intervir.
Entre o início de março e o início de junho, o referencial das margens de refinação das petrolíferas no mercado europeu aumentou cerca de 242%. É indecente que as petrolíferas aproveitem o poder de mercado que detêm aliado ao ensejo da guerra para aumentar as suas margens de refinação.
É fundamental que haja um esforço concertado dos governos para intervirem no mercado. Desde logo, pelo efeito que tem no orçamento das famílias. Mas também pelo seu efeito na inflação. Sendo um bem que incorpora a estrutura de custos de quase todas as empresas na economia, baixar o custo dos combustíveis é vital para conter o aumento global de preços.
Governos que agitam o receio da valorização salarial devido à inflação e são silenciosos quanto a esta evolução refletem uma triste imagem do seu posicionamento de classe.
Fonte aqui.
domingo, 12 de junho de 2022
A política da política monetária
O BCE confirmou esta semana a primeira subida das taxas de juro de referência em julho, outra em setembro e antecipou que com base na sua avaliação atual “uma trajetória gradual, mas sustentada de aumentos adicionais será apropriada”. Quando questionada sobre o impacto destas medidas num cenário em que a inflação é sobretudo importada, Lagarde, depois de basicamente concordar com a descrição, acrescenta: “Também estamos muito atentos aos salários, às negociações salariais e ao risco de efeitos de segunda ordem e uma potencial espiral. Não estamos a ver o risco de uma espiral, mas estamos a ver aumentos salariais que recuperaram particularmente desde março e que, como indicamos na declaração de política monetária, não seria totalmente surpreendente se fosse por efeitos de recuperação de rendimentos ou por meio de aumento salarial geral. Também estamos cientes de que a Alemanha, por exemplo, implementará o salário mínimo [mais alto] a partir de 1º de outubro.”
Em março, questionado sobre o mecanismo através do qual uma subida dos juros desceria a inflação que não pelo aumento do desemprego, Jeremy Powell também apontou para o mercado de trabalho e para as negociações salariais: “Os nossos instrumentos funcionam como descreveu… se diminuirmos as ofertas de emprego, teremos menos pressões para aumentar os salários, menos falta de mão de obra.”
Um artigo bastante interessante (mais pela sua origem que pelo conteúdo) publicado recentemente permite-nos dar algum enquadramento teórico e ideológico a estas declarações. Neste artigo, inspiradamente intitulado “Who killed the Phillps curve? A murder mistery”, dois economistas do Fed (Banco Central Americano) tentam perceber quem matou a curva de Phillips, uma peça fundamental na teoria dominante da inflação, que, na sua versão mais simples, estabelece uma relação inversa entre desemprego e inflação (a original não era bem assim). Para este efeito, os autores confrontam a teoria dominante que afirma que a política monetária controla a inflação e que portanto terá sido uma política monetária robusta nas últimas décadas a manter níveis de inflação reduzidos face a níveis de desemprego também bastante diminutos, com a teoria dos conflitos, que vê a inflação resultar sobretudo da luta de classes entre trabalhadores e capitalistas e portanto será na correlação de forças entre estas partes que estará a explicação da morte desta curva. Os autores concluem que os dados apoiam substancialmente a hipótese que a redução da inflação observada nas últimas décadas se deve sobretudo à redução do poder negocial dos trabalhadores através do desmantelamento das estruturas sindicais e não a qualquer política monetária seguida pelo Fed (claro que a política monetária do início dos anos 80 contribuiu significativamente para o enfraquecimento destas estruturas sindicais, sendo este um dos seus objetivos como reconhecido pelo próprio Volcker, mas isso é outra história que os autores não abordam).
A conclusão do artigo não é novidade para (quase) ninguém, o que surpreende, como já referi, é a sua origem. No entanto quero destacar dois pontos deste artigo que ilustram por um lado o enviesamento teórico da teoria dominante da inflação e por outro a forma imparcial e técnica como esta se vê e apresenta. O primeiro ponto é a centralidade da relação entre desemprego, salários e inflação na teorização da inflação, sendo toda a complexidade do processo inflacionário praticamente reduzida a este nexo de causalidade (esta pobreza teórica é disfarçada com um papel significativo das expectativas) que analogamente resulta num afunilamento e simplificação do leque de possíveis respostas onde a política monetária é sobrecarregada com uma responsabilidade para a qual não possui capacidade de resposta. O segundo é a ausência de conflitos, de relações de forças na conceptualização da teoria convencional que é contrastada no artigo com uma teoria que reconhece a existência destes conflitos. Aqui existe apenas um determinado nível de desemprego (ou de procura), a partir do qual, forças inflacionárias começam a fazer-se sentir e, portanto, é necessário esfriar a economia para reduzir a inflação. Não há interesses, nem disputas, há ciência e, portanto, por muito que custe aos executores, não há alternativa.
À luz destes dois pontos creio que se percebe melhor a lógica e ao mesmo tempo a tragédia das declarações com que iniciei este texto. Perante uma inflação de causas complexas, a única resposta concebida pelo aparato institucional desenvolvido com o respaldo de uma teoria que reduz o fenómeno da inflação a um excesso de procura tem como principal mecanismo esmagar qualquer pretensão salarial dos trabalhadores numa disputa que ao mesmo tempo nega existir. Como é isto possível? Parte da resposta poderá estar numa das mais incríveis notas de rodapé que já li, escrita por outro economista do Fed, Jeremy B. Rudd, num artigo onde põe em causa de forma bastante convincente o papel das expectativas na determinação da inflação: “deixo de lado uma preocupação mais profunda, a de que o papel principal da teoria económica convencional na nossa sociedade é fornecer uma apologética para uma ordem social criminalmente opressiva, insustentável e injusta.”
sexta-feira, 10 de junho de 2022
Guerra, política monetária e coisas em geral. E também em particular
De facto, as notícias já davam conta desde o fim do ano passado, da intenção do BCE de conceber a tal ferramenta anti-fragmentação. Ou talvez não. Com sorte, talvez baste anunciá-la, como fez Draghi com o whatever it takes. De facto, não sabemos. O que sabemos é que, numa decisão desta importância para a estabilidade da dívida pública, para a estabilidade económica, política de social da periferia sul da zona euro, o BCE se recusa a comentar publicamente os planos de contingência da instituição para lidar com o assunto. Compreende-se. Calhando, credores alemães e holandeses, e os governos que os servem, eram capazes de não gostar da ideia.
quinta-feira, 9 de junho de 2022
Force, task, player
Toda a conversa sobre “start-ups” esconde mal a complacência em relação aos grandes grupos económicos e aos seus lucros caídos do céu: “preocupações com pessoas e empresas são máximas nesta altura”, o que não é lá muito concreto em termos de política económica nas periclitantes circunstâncias que são as nossas. A verdade é que o país não tem instrumentos decentes de política e na sua ausência floresce esta conversa.
Entretanto, no capitalismo português realmente existente, os patrões do turismo querem via verde para importar força de trabalho vulnerável e descartável. Fazem de tudo para não aumentar salários e melhorar as condições de trabalho dos que cá estão, a mesma tendência de sempre num sector que não gera aumentos de produtividade. São wild players…
quarta-feira, 8 de junho de 2022
Hoje
Organizado no âmbito do projeto REVAL, realiza-se hoje no ISCTE, em Lisboa, a partir das 14h30, o Seminário «Da Deflação à Inflação - Que entraves à valorização salarial?».
A abertura dos trabalhos estará a cargo de Manuel Carvalho da Silva (CoLABOR), seguindo-se as intervenções, numa primeira sessão, de Torsten Müller (European Trade Union Institute), José Maria Castro Caldas (Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra) e Diogo Martins (University of Massachusetts at Amherst), com moderação de Ana Costa (ISCTE e DINÂMIA’CET). Seguem-se, numa segunda sessão, as intervenções de Fátima Suleman (ISCTE e DINÂMIA’CET), Maria da Paz Campos Lima (DINÂMIA’CET) e Nuno Teles (Universidade Federal da Bahia), com moderação de Paulo Marques (ISCTE e DINÂMIA’CET).
A entrada é livre e o seminário será gravado e posteriormente disponibilizado.
terça-feira, 7 de junho de 2022
A demagogia de António Costa é económica
Afinal, de que se queixa a direita em Portugal?
Temos de conceder que os últimos anos da evolução institucional da direita portuguesa vieram acompanhados de substantivas melhorias de propaganda política e de moldagem da perceção pública. Evolução que não nos deve ser estranha se pensarmos que parte dessa direita emerge e se reproduz a partir da tão eficaz quanto oca estratégia dos departamentos de marketing que dominam os discursos das marcas e, de forma crescente, de todas as instituições, mesmo as públicas.
Uma das conquistas dessa estratégia foi conseguir criar a perceção de que somos governados por um grande polvo socialista, que se estende do PS ao Bloco, passando pelo PCP. Esse "socialismo" é definido como extremista, intervencionista e contrário aos valores da liberdade. Os empresários são as grandes vítimas deste sistema. O "socialismo" é também o espaço da permissividade, onde o crime e a delinquência são tolerados e a ordem desprezada.
O problema desta narrativa é o seu contraste com a realidade. Alguns exemplos recentes da governação do Partido Socialista são uma ilustração perfeita do fosse entre a perceção pública e a sua efetiva tradução.
i) O Governo quer uma trajetória de crescimento de 20% nos salários no setor privado mas porfia em ter aumentos abaixo de 1% no público, omitindo o quão incoerente é este gesto e o quanto agudiza o problema de incapacidade de retenção de quadros qualificados no setor público.
ii) O Governo diz-se pela igualdade, mas rejeita taxas sobre os lucros excessivos num contexto inflacionário, quando até o partido conservador britânico está na linha da frente da sua aplicação.
iii) O Governo agita a Agenda do Trabalho Digno e a centralidade do balanço entre vida profissional e familiar, mas deixou cair a valorização do trabalho extraordinário dessa Agenda, à mais leve reticência das entidades patronais. Já para não referir a forma intransigente como sempre se posicionou contra a valorização do trabalho por turnos, nomeadamente durante a negociação do anterior Orçamento de Estado.
iv) o Governo é um indefetível defensor do SNS, mas assiste impávido enquanto cada vez mais portugueses ficam sem médico de família e o setor de privado se expande sem que o governo aumente a competitividade dos salários no SNS para garantir um serviço verdadeiramente universal.
v) O Governo é a favor da escola pública, mas continua a consentir que as universidades públicas cobrem propinas de mais de 10.000€/ano por mestrados, tornando-se um contribuinte ativo para a reprodução da desigualdade através da restrição à educação por recursos económicos.
vi) O Governo define como essencial o direito á habitação, mas continua a ter medidas que, não só não restringem, como favorecem a financeirização da habitação em Portugal, com a habitação a ser cada vez mais um ativo vendido como qualquer outro em portefólios de investimento internacional. O que se traduz num crescente fosso entre os preços da habitação e os rendimentos dos cidadãos, com efeitos catastróficos no acesso à habitação por parte das classes baixa e média, sobretudo entre os mais jovens.
vii) O Governo, pela voz de José Luís Carneiro, promete um grupo especial de combate à delinquência juvenil, com um linguajar de fazer corar André Ventura ou o Paulo Portas dos velhos tempos.
E a lista continuaria. Não sei de que se queixa a direita radical em Portugal. Nestas, como noutras questões, não vejo o que fariam de diferente. O "socialismo" que combatem é, em boa parte, o seu próprio programa. Mesmo que o discurso seja de sentido oposto.
segunda-feira, 6 de junho de 2022
Davos é uma iniciativa liberal e o Governo português também
O Fórum Económico Mundial, que se reuniu uma vez mais em Davos, na Suíça, é um ponto de encontro da oligarquia internacional. Foi aí que a Oxfam decidiu apresentar um breve diagnóstico do capitalismo realmente existente – “lucrar com o sofrimento” –, acompanhado de algumas recomendações políticas.
A caixa de pandora que não se abriu
De facto, se em 2011 foram registadas quase 20 mil IVG a pedido da mulher, dez anos depois esse valor cai para quase metade (cerca de 11,6 mil em 2021), ficando novamente demonstrado que não tinham razão os que achavam - posicionando-se contra a despenalização da IVG - que iria ser um regabofe de facilitismo e irresponsabilidade. Deve recordar-se, aliás, que a estimativa do número de abortos realizados clandestinamente antes de 2007, ou seja, antes da despenalização, rondaria os 20 mil por ano.
Mas não é só o número absoluto de IVG a pedido da mulher que tem vindo a diminuir. É também a sua incidência em jovens adolescentes, passando-se de um rácio de 4,3 em cada mil em 2011 para 1,9 em 2021. E mesmo quando se compara a percentagem de IVG no total de nascimentos, a tendência é também de queda (de cerca de 175 para 133 por cada mil nascimentos, entre 2011 e 2021).
Os progressos são de facto notáveis e devem-se a distintos fatores. Entre eles consta, seguramente, o trabalho desenvolvido pelos profissionais e pelas unidades de saúde em termos de melhorias ao nível do planeamento familiar, o que torna ainda mais absurda a proposta, que surgiu recentemente no âmbito de um grupo de trabalho, de considerar o número de IVG na avaliação de desempenho dos médicos.
domingo, 5 de junho de 2022
Neoliberalismo: teoria e história
Começa na próxima segunda-feira a segunda edição do seminário «Neoliberalismo: teoria e história», organizado por Rahul Kumar e Rúben Pérez Trujillano.
O seminário procura debater a génese, as transformações e os limites da forma neoliberal. Considerando o neoliberalismo como categoria analítica e categoria política, enquanto quadro ideacional e um conjunto de práticas económicas e culturais, pretende-se neste seminário discutir a relevância teórica e o poder heurístico deste conceito.
O ciclo de comunicações decorre em modo inteiramente online, dividido em quatro sessões com uma sessão a cada quinze dias. O link com os dados de acesso e o programa completo está disponível aqui.
sábado, 4 de junho de 2022
A direita não muda
Post Scriptum ao post "Querido Diário - Eles queriam baixar os salários por força do desemprego":
Nem por coincidência. No Telejornal deste sábado, Luís Poiares Maduro, ex-ministro adjunto do XIX governo Passos Coelho/Portas/Moedas, veio propor a António Costa que reduza a "pressão fiscal" para impedir que os necessários aumentos saláriais façam subir a inflação...
Esta preocupação com a inflação não é por acaso. Por isso, a direita está, pois, toda de acordo: ponham o Estado a financiar os aumentos salariais. Isto é, não os aumentos do salários nominais, (que trariam maiores encargos para as empresas), mas dos rendimentos salariais disponíveis (com maiores encargos para o Estado). No final, os lucros das empresas manteriam a sua parcela actual no rendimento criado, mas os trabalhadores ficariam com mais rendimento disponível.
Esta proposta merece, contudo, duas notas:
1) Quem a defende diz ter em conta que há muitas empresas, de fracas estruturas, a actuar em sectores de baixa produtividade e que, por isso, pagam baixos salários, o que inviabiliza aumentos salariais nominais. Nalguns casos, isso é verdade. Mas a direita nunca explica como foi que as reformas estruturais de Cavaco Silva, depois de tantas privatizações, liberalização dos movimentos de capitais, abertura ao exterior, integração europeia e assunção de um ideário que impede a intervenção pública, tudo isso nos deixou depauperados sectorialmente, a ponto de aumentos salariais inviabilizarem o nosso modelo de especialização;
2) A direita concorda que os salários têm de aumentar, porque estão muito baixos. E é verdade. Mas a direita nunca explica como foi que duas décadas de reformas estruturais laborais - a começar em 2003 com Durão Barroso, com a desarticulação das convenções colectivas e movimento sindical, dos horários de trabalho e retribuição salarial; e passando em 2012 com as alterações de Passos Coelho, Portas, Moedas e Maduro, com o torpedeamento à segurança no emprego e no desemprego - tudo isso não criou condições às empresas para pagar bons salários. Pior: criaram condições - sim! - para a oceanização dos baixos salários, da exploração, da precariedade e da desigualdade na distribuição do rendimento;
Pode passar o tempo, mas a direita não evolui. Escamoteia que o objectivo sempre foi - e é - os salários baixos. Omite as suas responsabilidades e arranja subterfúgios para impedir o debate sobre as graves responsabilidades das leis laborais que promovem estruturalmente uma desvalorização salarial e acentuam as políticas seguidas que canalizaram o investimento para sectores pouco produtivos.
E sobre isso, Cavaco Silva népias!
Situação contraditória
Em contraste com a tóxica corrida armamentista, em que participa sob tutela dos EUA, o Governo alemão acabou de adoptar uma medida perigosamente ecossocialista, ajudando a alterar o perfil da procura: um passe universal quase gratuito (9 euros por mês) para a generalidade dos transportes públicos. É com medidas destas que se trava a eventual pressão inflacionária, não é com escaladas sancionatórias.
Por sua vez, a subida das taxas de juro é, insistimos, uma forma ineficiente e injusta para resolver os eventuais problemas inflacionários. A quebra da procura e o aumento do desemprego são os mecanismos recessivos que daí resultariam, em especial nas periferias europeias endividadas. Mas na Alemanha predominam politicamente os credores…
sexta-feira, 3 de junho de 2022
Querido diário - Eles quiseram baixar salários pela força do desemprego
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Público, 2/6/2012 |
Há dez anos, os dados do desemprego começaram a sair fora do Excel oficial.
Os efeitos da austeridade - desejados como teoria económica, como ideologia, como terapia para o equilíbrio das contas externas de um país que "vivia acima das suas possibilidades" (!!) e não porque o Governo Passos Coelho/Portas/Moedas/Montenegro fosse obrigado a querê-los - começaram a ficar fora do controlo.
A ideia era mesmo criar uma bela recessão, fazer aumentar o desemprego - sim, dando cabo da vida de centenas de milhares de pessoas! - como forma de reduzir a procura interna e quebrar a resistência dos trabalhadores à descida dos salários nominais. Claro que apenas os puros ideólogos defendiam a dura tese pura. Enquanto Passos Coelho se esquivava escolhendo as palavras para não ser apanhado a mentir (ver citação acima); o consultor do Governo António Borges assumia tudo o que havia a assumir, seguindo o economista chefe do FMI (ver a secção 5 deste estudo): baixar os salários era "uma urgência, uma emergência", porque só baixando salários é que se ganhava competitividade no quadro de uma moeda única e forte.
Nunca é demais frisar aquilo que escreveu, em 2006, Olivier Blanchard:
Os trabalhadores podem ser induzidos a aceitar uma redução nos salários nominais? A resposta pode muito bem ser não. Os sindicatos podem discordar do diagnóstico e, assim, discordar da necessidade de restabelecer a competitividade. Eles podem esperar um crescimento mais rápido da produtividade. Muitos anos de alto desemprego podem ser necessários para convencer os trabalhadores da necessidade do ajuste.
E, com delay, a comunicação social exerceu, a partir de 2010 (governo Sócrates), o seu papel de rolo compressor da corrente dominante liberal. Diziam:
“A certeza de que é preciso fazer ao País o que se faz às árvores: cortar para crescer melhor” (Pedro Santos Guerreiro, 27/1/2010). “Está na hora de os liberais saírem da toca. Em Portugal, já concluímos que o Estado é caro, insustentável e ineficiente. Não podemos pagar tantos salários, pensões, riscos a privados, filigranas partidárias, subsídios, incentivos, apoios, enlatados sob o chapéu-de-chuva da protecção estatal. Não é uma ideologia, é viabilidade” (PSG, 3/2/2010). “Até porque, se não o fizermos, outros nos obrigarão a fazer. Por isso, o anúncio do congelamento dos salários nas empresas públicas é um bom sinal. Que outros se sigam” (Nicolau Santos, 27/2/2010). “O Estado só consegue reduzir a sua dívida vendendo activos públicos” (Camilo Lourenço, 9/3/2010). “A boa noticia do PEC é que ele é mau. Mau para funcionários públicos, para alguns pensionistas, para muitas famílias da classe média, para utentes de serviços do Estado, para desempregados, para dependentes de rendimentos sociais, para investidores. Não é sadismo. É porque tinha de ser” (PSG, 11/3/2010). “E o congelamento dos apoios sociais, como o RSI, reclama de todos nós o regresso a atitudes mais solidárias e menos dependentes do Estado no combate à pobreza” (HG, 22/3/2010). “O melhor que poderia acontecer a Portugal era um plano à FMI imposto pela União. Em vez desta morte lenta, teríamos uma violenta, boa e rápida recessão. Para voltarmos de novo a crescer com saúde” (HG, 22/4/2010). O plano de austeridade que ontem foi anunciado peca por tardio, pela ausência de medidas de política económica e por estar a ser concretizado por um Governo que já não é governo. A recessão de que precisávamos vem aí. Falta chegar a governação que oriente o país para o regresso da prosperidade (HG, 15/5/2010). “Moral da história: a recessão é como uma dieta que se tomou inevitável para equilibrar o organismo” (CL, 16/5/2011).“Do Estado às famílias, todos vamos ter de enfrentar a realidade de sermos mais pobres do que pensávamos. E sairemos dela menos saloios, menos deslumbrados com palácios inúteis a que chamaram investimento público” (HG, 22/9/2010).
E passados dez anos, é óbvio que saímos disto de tudo isto muito pior, bem mais pobres - outros bem mais ricos! - com uma economia cada vez mais assente em sectores de trabalho extensivo, de fraca produtividade, em que é possível ver crescer o emprego, sem que subam os salários. E em que a exploração se reproduz na fragilidade do poder reivindicativo dos trabalhadores presos e obedientes na engrenagem da precariedade, que impede uma vida independente e civicamente participativa, mas que transforma silêncio em votos na extrema-direita ruidosa. A desigualdade social não trouxe prosperidade colectiva.
Já passaram dez anos, mas a teoria - mesmo sem que alguém o diga ou assuma - continua a ser a mesma. Todo o edifício legal erguido sobretudo desde 2003 - que visou dar "flexibilidade" às empresas - colocou os salários e as organizações dos trabalhadores como variável de ajustamento do que era "necessário" fazer. Todas as medidas do âmbito das relações laborais visaram uma descida dos salários e uma transferência de rendimento dos trabalhadores para os donos das empresas e, neste capítulo, sobretudo para as grandes empresas (que é onde há grandes concentrações de trabalhadores).
E agora?
Iniciativa
quinta-feira, 2 de junho de 2022
Ordoliberalismo armado
Os alemães decidiram reforçar o seu complexo militar-industrial, através da criação de um fundo especial de cem mil milhões de euros, cerca de metade do PIB português. Naturalmente, este fundo não conta para efeitos das regras ordoliberais que a Alemanha impõe a si própria e, sobretudo, aos outros, os da periferia. Soberano é aquele que define o estado de excepção, já dizia um jurista alemão...
quarta-feira, 1 de junho de 2022
Lançamento
Todos os Estados Sociais modernos dispõem de mecanismos de proteção social que cabem na categoria de "mínimos sociais", ou seja, o conjunto dos recursos que o poder político considera suficientes para assegurar um padrão de vida minimamente aceitável nessa sociedade. Falamos do RSI, do CSI ou do Abono de Família. Este livro reúne várias contribuições de autores para traçar a génese e o processo de construção deste regime de mínimos sociais (RMS) e as suas transformações desde 1974 até à atualidade.