terça-feira, 7 de junho de 2022

A demagogia de António Costa é económica

Segundo António Costa, “as empresas têm de ter consciência que deve haver “maior justiça nas políticas remuneratórias que praticam”, sublinhando que, na União Europeia, o peso dos salários no conjunto da riqueza nacional é de 48% e em Portugal é de 45%. “Isso significa o quê? Que nós temos de nos próximos quatro anos conseguir fazer todos em conjunto, a sociedade, o Estado, as empresas, o esforço para que o peso do nosso salário, dos salários dos portugueses, no conjunto do Produto Interno Bruto, seja pelo menos idêntico àquele que existe na média europeia, ou seja, subir dos 45 para os 48%, o que implica um aumento de 20% no salário médio do nosso país”, sublinhou

Ora, como dizemos aqui, uma política de rendimentos destinada a assegurar que o peso dos salários na riqueza produzida se mantém, pelo menos, constante tem de garantir uma variação dos salários igual à variação do PIB.

Dito de outro modo, se o peso dos salários no PIB é um rácio em que o numerador é igual às remunerações por trabalhador e o denominador igual ao PIB por trabalhador, então, para assegurar que este rácio se mantém constante, a variação da remuneração tem de ser igual à variação do PIB. 

Como o PIB varia em termos de quantidades (produtividade) mas também em função dos preços (inflação), uma variação equivalente dos salários obriga a que estes também variem de acordo com quantidades (produtividade) e com preços (inflação). Ou seja, medir o peso da retribuição do trabalho no PIB implica dividir remunerações nominais por trabalhador por PIB nominal por trabalhador ou, o que produz iguais resultados, dividir remunerações reais por trabalhador (remuneração nominal desinflacionada) por PIB real por trabalhador (produtividade). 

Tendo estes conceitos em mente, em termos de rendimentos, o que prevê o OE para 2022? Prevê inflação de 4%, salários nominais no conjunto da economia a crescer 3,2% e, por isso, salários reais a recuar 0,8% e isto apesar de antecipar um crescimento da produtividade de 3,5%. 


Assim, parece-me ser possível concluir que: 

- Comparativamente com 2021, o poder aquisitivo dos salários vai recuar 0,8%, 

- Para que a remuneração do trabalho mantivesse o peso de 2021 na riqueza nacional, um peso já então inferior ao da zona euro, os salários teriam de crescer mais 4,3% do que o governo prevê. Valor que resulta da diferença entre -0,8 (salário real por trabalhador) e 3,5% (produtividade), ou, o que é igual, da diferença entre 3,2% (salário nominal por trabalhador) e 7,5% (PIB nominal por trabalhador), 

- Se este cenário que o governo aponta como provável se verificar, a diferença de 4,3% entre crescimento de remunerações do trabalho e crescimento da riqueza que o país produz é a maior a que assistimos, pelo menos, desde o virar do século, 

- O cenário do governo é altamente improvável. Primeiro, não é expectável que a inflação não ultrapasse os 4% e, segundo, não é credível que os salários nominais no conjunto da economia aumentem 3,5%, com o desemprego oficial ainda na ordem dos 6%, com as leis subordinantes do trabalho impostas pela troika ainda em vigor e com o governo a aumentar os salários nominais da função pública em 0,9%, 

- Assim sendo, o que é provável é que esta redistribuição da riqueza a favor do Capital às expensas do Trabalho, constituindo, no cenário do governo, a mais regressiva do século XXI, acabe, na prática, a ser ainda mais expressiva. 

Para finalizar, recordemos que o governo é sustentado politicamente por um partido que ostenta a palavra socialista na sua designação oficial. 

A meu ver, se a ideia é abrir caminho às direitas extremas, seria difícil fazer melhor.

5 comentários:

José Cruz disse...

Ou,em alternativa,a iliteraçía económica que mostra não pode ser descartada,a menos que a estratégia seja a mesma de sempre,desde o inicio do século,ou seja,manter alguma competitividade através da contenção salarial,como alternativa à ausência de mecanismos de desvalorização da moeda.Assim sendo,o apelo de Costa à "boa consciência" dos empregadores é uma iniciativa simbólica e uma proclamação de impotência total.

Anónimo disse...

É olhar para o gráfico e confrontar as declarações do porta-voz dos patrões...

Jose disse...

Falem-me da produtividade dos serviços públicos.

Margarida disse...

A maior parte dos serviços públicos com os recursos que tem faz muito mais do que imagina...

Paulo Coimbra disse...

O que o José diz não pode ser o melhor que sobre esta questão a direita tem a para dizer.