sexta-feira, 20 de setembro de 2024

No plural


Para quem fala tanto dos usos e abusos do passado, o historiador Rui Bebiano, agora militante do Livre, revela ter uma visão particularmente ahistórica e estreita do nacionalismo. É como se este se declinasse no singular. Isto permite-lhe então inventar um “demónio nacionalista que tantos de nós transportamos na alma”, formulação de resto representativa do seu modo habitual de pensar, com abundantes generalizações moralistas. 

Na realidade, sabemos, da melhor historiografia, sociologia histórica e teoria política, que nacionalismos há muitos, sendo estes uma “poderosa bateria”, que serve para “alimentar os mais variados projetos políticos”, como disse uma teórica liberal nada dada a diabolizações ideológicas equivocadas, useiras e vezeiras em alguns intelectuais daquele agrupamento político, na prática à direita do atual PS. 

Repito as vezes que forem necessárias, porque se trata de uma questão crucial nesta semicolónia, que bem precisa de um nacionalismo progressista, de um projeto de nação corajoso, como se diz no Brasil. Nacionalismos houve e há muitos, então – liberais e antiliberais, progressistas e reacionários, revolucionários e conservadores, das esquerdas e das direitas, de cima e de baixo, fascistas e antifascistas, imperialistas e anti-imperialistas, racistas e antirracistas. 

O meu nacionalismo é o dos camaradas galegos ou palestinianos, o de Cabral ou o de Cunhal, o de todos os que gritaram de forma emancipadora “pátria ou morte, venceremos” –, o nacionalismo internacionalista de que fala detalhadamente um historiador que não perde o fio materialista à meada chamado Vijay Prashad, na sua história do Terceiro Mundo. 

Não, não há contradição necessária entre nacionalismo e internacionalismo, pode haver a mais produtiva complementaridade: a autodeterminação dos povos é passível de reconhecimento recíproco universal, promovendo as formas mais genuínas de cooperação. 

Não me esqueço de uma aposta política ululante, arduamente aprendida no breve século XX e que, se dependesse de historiadores euroliberais, seria esquecida: nenhuma palavra potente, muito menos a que está associada à melhor bateria política, deve ser deixada aos fascistas. 

E, antes que me esqueça, Olivença é espanhola, digam os tratados o que disserem. A história conta, o “plebiscito diário” também.

2 comentários:

Anónimo disse...

Claro que Olivença é, de facto, espanhola. Ao contrário de gerações longínquas que já ficaram muito lá para trás no século passado – quando ainda se ouvia responder ambiguamente a vários habitantes, quando inquiridos se eram portugueses ou espanhóis, «sou de Olivença» – hoje todos se consideram espanhóis, falam em castelhano, pensam em castelhano, são culturalmente espanhóis, as leis que vigoram são as espanholas, é o Estado espanhol que lhes providencia os serviços públicos e administrativos, trabalham ou têm atividades económicas inseridas na economia de Espanha. Se houver, salvo sejam, por exemplo, um terramoto ou um incêndio que destrua parte da terra quem lhes paga a reconstrução? Portugal ou Espanha? Pois é. Deixemo-nos de fantasias.

Não obstante, como sabe quem conheça bem a terra e as suas gentes, os habitantes manifestam geralmente apreço e carinho pelas suas raízes históricas entrelaçadas com Portugal. Muitos deles têm obtido a dupla nacionalidade, que lhes é, a meu ver bem, facilitada. Mas, novamente, não haja ilusões nem saudosismos serôdios, mesmo estes, quando agora inquiridos, se consideram primordialmente, espanhóis. Assim seja.

Anónimo disse...

"E, antes que me esqueça, Olivença é espanhola, digam os tratados o que disserem. A história conta, o “plebiscito diário” também."

Caro Joao Rodrigues,
Uma quase nota de rodape. E no entanto, uma bela pedrada no charco! Muito bem.

PS parece-me que, como habitual, este tipo de verdades obvias quando sao percepcionadas por certas fraccoes da direita lunatica, encravam-lhes a maquina pensate.
Consequentemente, a reacao/resposta, sera vitriolica.