quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

O que o ministro da Economia não disse sobre a inovação

 

O ministro da Economia foi esta semana ao parlamento falar de inovação. Infelizmente, ficou-se por alguns chavões com pouca substância, como a ideia de que "os Estados normalmente não são bons acionistas" ou a de que "são as tecnologias que transformam o mundo", sem grandes explicações. No entanto, a economia da inovação é um ótimo tema de conversa. Começando pelo início: as grandes inovações são, e sempre foram, promovidas fundamentalmente pelo Estado.

A maioria das inovações tecnológicas disruptivas tiveram na sua base a investigação financiada e realizada por empresas públicas ou os resultados que estas alcançaram. O caso dos componentes do Iphone, popularizado num dos livros da economista Mariana Mazzucato, é um bom exemplo desse processo. O investimento em investigação inovadora é arriscado e os resultados estão envoltos em enorme incerteza, o que tende a afastar o investimento privado. O Estado é quem tem capacidade para privilegiar a potencial utilidade da investigação para a sociedade, em detrimento do lucro imediato.

Outro exemplo útil para este debate é o das vacinas contra o COVID-19: apesar de terem garantido enormes lucros às grandes farmacêuticas que estiveram envolvidas no processo, a investigação inicial, na fase em que era mais arriscada e incerta, foi maioritariamente financiada pelos governos. O financiamento público foi mobilizado de forma massiva para evitar a experiência de outros surtos, como o da Ébola, em que a iniciativa privada investiu muito pouco por não considerar os projetos rentáveis. A rapidez no desenvolvimento e produção de vacinas contra o COVID, um passo essencial para o combate à pandemia, só aconteceu porque o processo não foi deixado entregue ao mercado.

Um outro aspeto da economia da inovação é que tem uma relação importante com os modelos de regulação laboral. Os estudos que têm sido feitos sobre o desempenho das empresas nos países da Zona Euro apontam para que a capacidade de inovar seja menor em empresas com mais contratos a prazo. Olhando para o desempenho das economias industrializadas, um estudo dos economistas Servaas Storm e Ro Naastepad concluiu que, entre 1984 e 2004, o crescimento da produtividade do trabalho foi superior nos países da OCDE com regulação laboral relativamente mais robusta.

Há boas pistas para o explicar: por um lado, trabalhadores com vínculos estáveis têm mais capacidade de adquirir e aplicar conhecimento específico sobre o processo produtivo, além de se sentirem mais integrados no contexto laboral, o que promove a cooperação. Por outro lado, a proteção laboral incentiva as empresas a investir na formação dos trabalhadores, promovendo as qualificações e a produtividade. A tendência de estagnação da produtividade nos últimos anos não é alheia ao aumento da precariedade.


O que isto significa é que o Estado desempenha um papel central nos processos de inovação. Pode desenvolver e fomentar projetos de investigação e reforçar a legislação laboral para promover melhores relações de trabalho e garantir que haja uma distribuição mais justa dos ganhos. Ou então pode apostar em benefícios fiscais de duvidosa eficácia para as empresas. O governo português tem preferido apostar na isenção de IRC para receitas de patentes, que tem dado muito poucos resultados na Europa, enquanto restringe o investimento público na investigação, deixando o país na cauda da Europa neste indicador. É esse o debate que interessava fazer e ao qual o ministro fugiu.

5 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem!

Anónimo disse...

Em sentido contrário há a história de Reagan a mostrar uma esferográfica a Mitterrand, ferramenta em que ninguém teria pensado, ou a legislação americana na área do medicamento que favorece a investigação; já os preços são de arrepiar e muitos americanos até compram no Canadá.

Jose disse...

A pergunta é: quem reuniu, manteve e disponibilizou os meios de gestão, as competências, os equipamentos, e o demais que pode fazer o investimento do Estado ter resultados rápidos?

Guilherme Rodrigues disse...

E a inovacao atraves do estado tem exemplos de sucesso em paises pequenos como a finlandia

https://www.paulogala.com.br/o-papel-do-estado-no-sistema-nacional-de-inovacao-da-finlandia/

ou em paises emergentes como o brasil, com a embraer (uma das mais importantes empresas de aviavao), petrobras (primeira empresa a explorar petroleo a 5 mil metros de profundidade) e ate uma empresa chips (CEITEC)

https://jornalggn.com.br/crise/producao-de-chips-no-brasil-e-a-superacao-do-complexo-de-vira-lata/

Vicente Ferreira disse...

Sobre a indústria farmacêutica norte-americana, esta fonte é útil: https://www.ineteconomics.org/perspectives/blog/sick-with-shareholder-value-us-pharmas-financialized-business-model-during-the-pandemic. O sistema americano está desenhado para favorecer muito mais os lucros das grandes farmacêuticas do que a produção de medicamentos propriamente dita.