segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Das tentações de recontar a história a partir do fim

1. Nas últimas semanas, observa-se uma certa tendência para interpretar a grave situação pandémica em Portugal como o resultado da não adoção de medidas de confinamento nos meses de outubro e novembro, quando o número de casos e de óbitos voltou gradualmente a subir, depois da acalmia do Verão. Alega-se, nomeadamente, ter sido um erro não fechar as escolas nessa altura durante um certo período, o que - entre outras medidas supostamente em falta (que importaria identificar) - teria conduzido ao atual descontrolo da pandemia.

2. A favor desta tese argumenta-se, aliás, que a melhoria da situação ocorrida em dezembro comprova a eficácia do fecho das escolas, associando-se o seu encerramento nas pontes de 1 e 8 de dezembro à descida do número de novos casos. Sucede, porém, como demonstra o gráfico seguinte, que esse período de descida se iniciou bem mais cedo, a 19 de novembro, não podendo portanto resultar dos confinamentos com ponte escolar no início do mês seguinte.


3. Analisando com detalhe a «fita do tempo», verifica-se de facto que o número de novos casos se manteve reduzido desde meados de julho até final de agosto, continuando com valores ainda baixos desde então, apesar da progressiva reabertura da economia e quase regresso à normalidade. E se é verdade que o recomeço da subida da curva, a 6 de outubro, é compatível com a ideia de que o início do ano letivo (entre 14 e 17 de setembro) veio agravar a situação, a descida do número de novos casos a partir de meados de novembro desfaz essa hipótese, uma vez que as escolas continuaram a funcionar exatamente nos mesmos moldes.

4. Segundo a DGS, as escolas revelaram-se de facto «locais relativamente seguros», dada a baixa capacidade de as crianças «se infetarem e infetarem os outros». O próprio Manuel Carmo Gomes, inicialmente cético com a plena abertura das escolas em setembro, viria a reconhecer que a percentagem de surtos fora «relativamente baixa», revendo assim a ideia que tinha, segundo a qual «as crianças [transmitiam] o vírus como os adultos». Citando um artigo recente, Paulo Oom evoca ainda um estudo realizado com 90 mil crianças nos EUA, que mostrou que em «96% dos casos, a criança apanhou a doença em casa e não na escola».

5. Voltando à «fita do tempo», e à ideia de que se deveriam ter adotado medidas mais severas para evitar a situação atual, vale a pena assinalar que é nos últimos meses de 2020 que Portugal melhor se posiciona face aos outros países da UE28, tanto em termos de novos casos como de óbitos (ver tabela seguinte). E relembrar, com os olhos fixos no contexto de então - e não no atual - que a segunda fase da pandemia foi durante algum tempo interpretada como comportando níveis de transmissão mais elevados, mas sem que os mesmos se traduzissem num idêntico acréscimo em termos de óbitos. O que torna compreensível, nessa medida, que não se tenham adotado restrições mais severas.


6. Com os novos casos a descer até 27 de dezembro evoluiu-se então, vertiginosamente, para a situação atual. Mais do que um «prolongamento» da segunda fase da pandemia - dada a inversão positiva, de quase mês e meio - fará por isso mais sentido interpretar a sua ressurgência como o resultado combinado de pelo menos três fatores: a imprudência da «flexibilidade» no Natal (hoje reconhecidamente um erro), o efeito das baixas temperaturas nas últimas semanas e o surgimento de novas estirpes, nomeadamente da estirpe britânica, com níveis de transmissibilidade muito mais elevados e cujos sinais objetivos de presença no nosso país foram conhecidos já em janeiro. Sendo de admitir, ainda, que a particular exposição do país ao exterior, no final do ano, tenha igualmente contribuído para a dramática situação que hoje vivemos, obrigando ao fecho das escolas (esperemos que por pouco tempo).

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Nuno Serra,

Desafio-o a complementar a sua análise com os seguintes dados (setembro 2020 a janeiro 2021):
- Nº de alunos com teste positivo Covid;
- Nº de alunos em confinamento;
- Nº de turmas em confinamento;
- Nº de professores em confinamento, ou em baixa médica;
- Nº de aulas por realizar (com e sem substituição).

Não deve ser difícil de obter estes dados porque certamente o o sistema de ensino é monitorizado.

Anónimo disse...

As escolas fecharam a 22 de janeiro.

A 12 de janeiro:
https://eco.sapo.pt/2021/01/12/fechar-escolas-ajuda-a-reduzir-contagio-garante-o-epidemiologista-baltazar-nunes/

10 dias à espera de quê, quando já era claríssimo que, mais tarde ou mais cedo, as escolas teriam de fechar, com o nº de casos a subir continuamente (e exponencialmente) a partir de 27 de dezembro, e com o SNS já em desespero? Quanto mais não fosse para diminuir drasticamente o movimento de pessoas e os seus contactos.

Adiou-se a decisão à espera de consensos de peritos (curiosamente não me lembro de ter lido peritos a defender escolas abertas para maiores de 12 anos entre 12 e 21 de janeiro), sempre apoiados no mantra "não há provas" e sem ligar à situação de desespero do SNS em crescendo nem ao princípio da precaução.

Só mais uma questão. Se é verdade que o efeito nos alunos não-universitários é bastante adverso, o que justifica manter o ensino universitário aberto depois de 12 de janeiro quando os seus alunos são adultos? E o que justifica não ter havido suspensão do programa ERASMUS no ano letivo 2020/2021?

Jorge Leitão disse...

Ó pá, as turmas começaram a confinar nas escolas a partir dos finais de novembro, porque os infetados entre os alunos e suas famílias começaram a subir desde os inícios de setembro, com umas oscilações naturais, e galoparam a partir de novembro. Isto, descontando os números que as escolas e as entidades de saúde iam escondendo.

Lowlander disse...

Caro Nuno Serra,

"E relembrar, com os olhos fixos no contexto de então - e não no atual - que a segunda fase da pandemia foi durante algum tempo interpretada como comportando níveis de transmissão mais elevados, mas sem que os mesmos se traduzissem num idêntico acréscimo em termos de óbitos. O que torna compreensível, nessa medida, que não se tenham adotado restrições mais severas."

Insiste neste analise erronea. Fica-lhe mal. Muito mal.
Relembro-lhe o que escrevi nestas caixas de comentarios em tempo quando andava a tentar vender este peixe (podre). Nao me repetirei.

Acrescento so uma ultima nota.
A chamada "estirpe britanica" e o seu excepcionalismo com efeitos tao severos no trajecto da epidemia este Inverno e uma fabula, inventada aqui no Reino Unido para justificar uma inflexao nas medidas de combate a epidemia - uma inflexao que foi um verdadeiro golpe de rins olimpico - uma fabula que se revela util em multiplos contextos e portanto mantem-se viva.
Se quiser explico porque.

Anónimo disse...

É grave que insista em não aprender com os erros. Esta farsa já tinha sido representada na Alemanha o ano passado, com estudos a mostrar que sim o vírus se espalhava nas escolas. As criancinhas não são imunes e as escolas são locais de contágio. Foi grave mentirem dizendo que não havia provas, é ainda mais grave continuarem a mentir para se evadirem a responsabilidades. Grave porque preparam o terreno para repetir a azelhice numa quarta onda.
São dados de 2020, ainda a desculpa da variante inglesa não tinha sido inventada. Consultem o trabalho e as publicações do virologista Christian Drosten, para um de muitos exemplos de especialistas que avisaram.

Anónimo disse...

Mas uma coisa, antes das pressões para reabrir as escolas. Lembram-se da conversa de salvar a economia, não ter quarentenas nas fronteiras porque turismo e negócios? Onde está o turismo salvo? Nem o turismo interno se aguenta! Nem os serviços para quem cá vive.
A economia salva-se eliminando o vírus. Não é neste continente de avestruzes que estão os casos de sucesso a lidar com a pandemia, comparem e aprendam!
E as criancinhas não se salvam obrigando-as a viver mascaradas e sem vida social entre ondas e mais ondas da pandemia. Salva-se eliminando o vírus, fazendo o esforço de uma vez para isso. Covid zero e controlo estrito nas fronteiras é a única solução provada para uma vida semi-normal. Isso a Europa recusa e por isso sofremos todos. Atrapalhava as idas à Bruxelas?

Anónimo disse...

Quem parece que mentiu muito foi aquele negacionista da coisa, um tipo que andou e anda por aí, com a Holanda debaixo do braço e a história da simples gripe.
Escreveu mais de uma centena de posts sobre o assunto. Uma espécie de Bolsonaro holandês, acho eu

Paulo Marques disse...

O anónimo sabe mais que todos e que este é um vírus que não sofre mutações, por obra e graça da entidade divina adequada. Se alguém acertou no totobola, é porque é verdade, como se não houvesse muita gente a dizer tudo e mais alguma coisa e alguém tivesse que acertar.
No entanto, que ele se espalha mais, espalha, mas devem ser os outros testes que são censurados.
Já a UE, é o que é, e só muda para pior.