sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Costa na Europa: façam o que eu digo, não façam o que eu faço


As negociações do próximo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) da União Europeia, para o período de 2021-2027, chegaram a um impasse. Depois de uma proposta inicial da Comissão Europeia que previa cortes significativos face ao orçamento anterior, pedindo a cada Estado que contribuísse com 1,11% do Rendimento Nacional Bruto (a proposta do Parlamento, que mantém o atual nível de financiamento, exigia transferências de 1,3% do RNB), o que o Conselho propõe prevê cortes ainda maiores: 12% nos fundos de coesão e 14% nos destinados à agricultura. No plano elaborado por Charles Michel, os Estados passariam a contribuir com 1,074% da riqueza nacional.

As posições nesta negociação são um espelho das divisões vincadas na UE. De um lado, os países mais ricos, nos quais se incluem a Alemanha e os chamados “quatro frugais” (Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia), que querem cortes no orçamento e consideram que até a proposta do Conselho é demasiado exigente; de outro, os “amigos da coesão”, de que fazem parte Portugal, Espanha, Itália, Grécia e vários países do leste europeu, que defendem os fundos de coesão e agricultura e se alinham com a posição do Parlamento. O impasse levou mesmo a que se marcasse uma reunião extraordinária do Conselho na semana passada, que terminou sem acordo.

António Costa tem-se destacado neste debate - o Politico chamou-lhe “campeão da coesão” e destacou o seu papel como líder dos chefes de Estado que se opõem aos cortes nos fundos comunitários. Costa disse recentemente que “a defesa da política de coesão não é do interesse exclusivo de Portugal, é o que é melhor para a Europa”, elogiando a posição construtiva do Parlamento e da Comissão e lembrando que mesmo no Conselho “temos uma esmagadora maioria de países que defendem que não pode haver cortes nas políticas de coesão e agrícola comum, ao mesmo tempo que dizem que temos de ter capacidade para investir nas novas ambições” da União Europeia. O primeiro-ministro deixou ainda a garantia: “estamos aqui para nos bater pelo que acreditamos”. Não há dúvida de que a mensagem é forte, mas a história tem sido outra.

O resto do artigo, de acesso livre, pode ser lido aqui.

13 comentários:

Jose disse...

Andam há anos a desbundar fundos e querem continuar.
Não deve haver neste país vilarejo que não tenha um ou mais parque de merendas e um conjunto de equipamentos de 'pedalar' ao ar livre; somem-lhe os pavilhões desportivos desactivados e os caminhos alargados para que se cruzem dois carros por dia.

E é para investimentos produtivos dessa e de outras qualidades comparáveis que temos um campeão no terreno!

Geringonço disse...

Não querem "mais Europa"?

Jaime Santos disse...

Lamentavelmente, o Vicente Ferreira passa por cima da razão para esta escolha de Costa e de Centeno, a saber, os elevados níveis de dívida pública. A opção parece ser a de trazer a dívida rapidamente para níveis mais sustentáveis, abaixo dos 100%.

Logo, o que é recomendável a outros Países talvez não seja recomendável a Portugal. Talvez um bocadinho de sacrifício permita salvaguardar-nos de choques no futuro.

Claro, já sei que a resposta é que o País precisa de renegociar a sua dívida. Só que esta resposta ignora o facto simples de que as renegociações se fazem sempre nas condições dos credores, o que quer dizer com muita austeridade à mistura.

É isso mesmo que a Esquerda pretende? É que declarar um default unilateral também teria consequências e não seriam pequenas, a começar pela subida da taxa de juro... Olhe para o que a Blackrock fez em face da decisão de Carlos Costa de deslocar os seus créditos para o BES mau e tem aí um aperitivo...

Em termos simples, Costa pede aos mais ricos que abram os cordões à bolsa, o que é bom para nós, como reconhece, aliás, até porque ele pura e simplesmente não o pode fazer... Não vejo contradição alguma nesta posição, apenas realismo...

Anónimo disse...

Por vezes confunde-se União Europeia com Europa Geográfica o que não são a mesma coisa.Desde que Jacques Delores deixou a presidencia da comissão , e a quem o jornal francês LE MONDE chamou de um "intelectual na política" a UE tem vindo a entrar em declínio profundo, podendo-se considerar que em breve poderá ser uma verdadeira utopia
Em Portugal as marcas são bem visíveis: desindustrialização, aparelho produtivo muito débil, fuga de capitais e de cérebros,etc. etc .

Geringonço disse...

Anónimo, 29 de fevereiro de 2020 às 16:14,

O declínio da União Europeia, desde Jacques Delors, é perfeitamente natural...
Delors é um dos grandes responsáveis pela criação da União Europeia neoliberal!

Delors é apenas mais um "socialista" seduzido pelo canto da sereia neoliberal, tal como os "socialistas" António Costa, Soares, Sócrates, Guterres, Centeno...

Anónimo disse...

O SR. Primeiro Ministro tem sérias razões para andar preocupado , pois a alta turbulencia existente no Mundo com uma crise grave na UE ,é justificável.
Portugal pode vir a ser um contribuinte liquido para a UE.E o que pode vir a resultar
desse facto ?

Anónimo disse...

Jaime Santos continua aqui a destilar as suas tretas apesar de repetidamente se ter demonstrado como falsas as premissas em que assentam.

O ponto essencial é que o caminho seguido de "virtude orçamental" nunca poderá ter sucesso. Ao mínimo solavanco retomará a espiral de depressão. No mínimo assegurará que o país continue prisioneiro de uma dívida que se eternizará, o que parece ser o objectivo político dos estados do centro da EU.

Mas será que as opiniões públicas do centro da EU suportarão a má-consciência de fazerem parte de uma instituição de contornos neocoloniais que impede o crescimento dos países da periferia enquanto simultâneamente restringe a prosperidade dos seus próprios cidadãos?

Num contexto neocolonial nem são livres os países sujeitos a constrangimentos fiscais e monetários nem os povos dos países opressores. A história demonstra que os prejuízos económicos e humanos apesar de serem assimétricos e atingirem mais os povos dominados, não poupam os povos iludidos num sonho de supremacia. A degradação das condições de vida na Alemanha e em França deveria ser um aviso eloquente de que não há impunidade para os estúpidos.

Estamos precisamente num momento charneira da História. O cisne negro do COVID-19 veio acelerar a desintegração do globalismo expondo as fragilidades de um sistema em que as cadeias de aprovisionamento demasiado extensas e a falta de redundâncias vão provocar a curto prazo rupturas e os consequentes prejuízos.

O ponto essencial em termos dos mercados tão idolatrados por Jaime Santos é que a sub-avaliação dos riscos e o exacerbar da competição impediu que construissem estruturas económicas resilientes.

Os mercados, que Jaime Santos tanto incensa, estão a dar os sinais daquilo que já era óbvio para alguns mas permanece um mistério para quem se recusa a perceber, como o dito Jaime Santos, que a festa neoliberal de que foram arautos acabou.

Ao contrário de alguns neste blogue, acredito que o capitalismo irá reinventar-se, adaptando-se aos constrangimentos que a derrocada do globalismo provoca. Lamento, mas neste aspecto o realismo é um artigo de primeira necessidade. Cumpre a quem tem consciência do que está em jogo trabalhar para que as soluções encontradas sejam para beneficio da maioria dos cidadãos e para os que mais precisam.

No caso português é dolorosamente evidente que o ciclo de dependência do turismo como motor de sustentação precária está a chegar ao fim. Por outro lado os países do centro vão também ser atingidos pela sua sobre-dependência nos negócios da China. A ruptura das cadeias de aprovionamento baseadas na mão de obra barata chinesa podem vir a beneficiar Portugal se houver um redireccionamento do investimento em unidades de produção mais próximas dos centros de consumo no centro da EU. Mas como é óbvio ainda é cedo para perceber se tal redireccionamento terá de facto lugar. Uma coisa é já uma certeza: Os sectores dependentes do turismo vão ser duramente atingidos.

Faz-me uma certa impressão, para não dizer mete nojo, que Jaime Santos assuma sempre a posição de defender os interesses de uma certa classe de estrangeiros, ignorando todo um corpo de estudos de economia que garante que o caminho seguido será ruinoso para toda a EU. As miseráveis taxas de crescimento desde a adopção do euro são bem prova disso. O choque do COVID-19 proporcionará o ponto de inflexão, precipitando uma crise que já existia de forma larvar.

Até posso compreender que Jaime Santos venha aqui despejar a cassete contra uma certa esquerda. É um tique ideológico como qualquer outro. Agora que ainda tente vender o peixe podre da austeridade como solução para a situação do país é algo de inadmissível perante o esmagador corpo de evidências e as opiniões de tantos economistas de relevo mundial.

Anónimo disse...

O post e artigo de Vicente Ferreira é mais que oportuno para clarificar o que está em jogo em negociações de que muito vai depender o futuro deste país e vem reforçar a armadilha do "bom aluno" de que ainda não se libertou. A eleição de Centeno para o Eurogrupo foi uma brilhante estratégia de neutralização de uma perspectiva que poderia fazer evoluir o sistema mas que ao invés o manieta num colete de forças "presidencial". Amargas ironias...

Vicente Ferreira disse...

Caro Jaime Santos, uma resposta por pontos:

1. O argumento da dívida pública é útil, sim, mas para explicar o erro da estratégia do governo. Não é com excedentes de pequenas décimas do PIB que se reduz a dívida pública; é precisamente com o crescimento da economia que o rácio dívida/PIB diminui. A contenção do investimento neste período é contraproducente, tal como argumento no texto. Consegue dizer-nos um - basta um- bom motivo para não aproveitar as baixas taxas de juro para promover o investimento e o crescimento da economia?

2. A retórica do "sacrifício" é de bastante má memória no país. Foi usada no tempo da troika para justificar opções ideológicas que afundaram o país numa recessão profunda com cortes de salários e pensões, desinvestimento nos serviços públicos e privatização de empresas importantes, enquanto o desemprego disparava e se empurrava uma geração qualificada para a emigração. Não me parece que devamos voltar a esses tempos.

3. Ao contrário do que afirma categoricamente no seu comentário, não há nenhuma fatalidade na renegociação da dívida e esta não tem de ser apenas feita nos termos do credor. Qualquer negociação vai depender da necessidade dos credores de receber o dinheiro, da credibilidade da ameaça de não pagamento e, acima de tudo, da relação de forças política entre os Estados.

Vicente

Anónimo disse...

Doctor Doom falou ao Der Spiegel.

Extracto:
"Roubini: Everyone thinks that policymakers will react swiftly but that’s also wrong. The markets are completely delusional. Look at fiscal policy: You can do fiscal stuff only in some countries like Germany, because others like Italy don’t have any leeway. But even if you do something, the political process requires a great deal of talking and negotiating. It takes six to nine months, which is way too long. The truth is: Europe would have needed fiscal stimulus even without the corona crisis. Italy was already on the verge of a recession, as was Germany. But German politicians aren’t even thinking about stimulus, despite the country being so exposed to China. The political response is a joke - politicians are often behind the curve. This crisis will spill over and result in a disaster."

"Roubini: Todos pensa que os decisores políticos reagirão rapidamente, mas isso também está errado. Os mercados estão completamente iludidos. Veja a política fiscal: você pode tomar medidas fiscais apenas em alguns países como a Alemanha, porque outros como a Itália não têm margem de manobra. Mas, mesmo que se faça algo, o processo político exige muitas conversações e negociação. Leva seis a nove meses, o que é muito longo. A verdade é: a Europa precisaria de estímulo fiscal mesmo sem a crise do coronavirus. A Itália já estava à beira de uma recessão, assim como a Alemanha. Mas os políticos alemães nem sequer estão a pensar em estímulo, apesar de o país estar tão exposto à China. A resposta política é uma anedota - os políticos estão frequentemente atrasados (na compreensão do problema, NdT). Essa crise transbordará e resultará num desastre.

https://www.zerohedge.com/markets/crisis-will-spill-over-disaster-drdoom-sees-40-collapse-delusional-stock-market

Eu acrescentaria apenas mais duas ou três ideias.

Primeiro o processo político na Alemanha está paralizado por uma chacelarina que está de saída, uma CDU que afunda nas votações, e o crescimento do AfD que torna cada vez mais difícil criar soluções que o excluam.
Segundo, a classe política alemã blindou o chamado "schwarze null" incluindo-o na constituição para dificultar a sua alteração.
Terceiro, a rigidez parece-nos muito sólida até ser atngido o ponto de ruptura.

Anónimo disse...

O deficit publico positivo ou negativo é sempre um valor percentual em relação ao PIB ,pelo que se o PIB não crescer , trata-se deuma variável de pouco interesse.
O deficit nulo é uma teoria dos monetaristas para não provocar inflação.
Os resultados dessa teoria estão à vista.Vejam o que se está apassar na UE, uma crise grave.

Jose disse...

A grande descoberta da Nova Economia é erigir o rácio Dívida/PIB como o indicador da excelência de uma política económica.

Produtividade, contas externas, competitividade, estabilidade económica, tudo são minudências para justificar uma progressão do endividamento e do consumo.
Tudo naturalmente enquadrado por fortes políticas de protecção ambiental!

Anónimo disse...

Vale a pena talvez dar um seguimento a este post através de um artigo de Bill Mitchell entretanto publicado no seu blog:

http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=44422

Ressalta mais uma vez a irracionalidade dos austeritários do centro que com a sua insistência em economias de tio patinhas comprometem todas as hipóteses de coesão política europeia.
Bom artigo, leiam.