sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

A economia política que diz chega


O ideólogo e autor do programa do Chega não é aparentemente André Ventura, vindo do Partido Social Democrata (PSD), mas sim o seu vice-presidente, Diogo Pacheco Amorim: antes de ter passado pelo CDS – Partido Popular, foi membro da «rede armada de extrema-direita» logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. Esta é a designação complacente do Expresso para um mortífero terrorismo com objectivos antidemocráticos, num perfil onde se dá a palavra a Manuel Monteiro, que descreve Amorim, autor do programa da extinta Nova Democracia, como «um liberal puro, liberal total no plano económico e conservador nos costumes». Na página do Chega, este liberal puro e duro, alinhado com o racismo que marcou uma parte deste feixe de ideias, defende o programa do Chega de «apertado controlo dos movimentos migratórios»: «Bem vindos os de todas as raças desde que respeitem a nossa raça (…) Não queremos os qualquer-coisa-Khan que um dia perto do nosso Natal puxam de uma faca e desatam a assassinar pacíficos transeuntes». Por cá, a historiadora Maria de Fátima Bonifácio, que não enjeitaria a caracterização de Monteiro, concordaria, pelo que já escreveu, com esta forma racista de enquadrar a questão.

Contrariamente a uma certa visão elitista, segundo a qual o racismo seria atributo quase natural das classes populares, a verdade é que ele é deliberadamente cultivado por uma certa intelectualidade das direitas.

Trata-se no fundo de procurar enraizar o autoritarismo neoliberal, através de um estilo populista dito triádico. Este alimenta uma clivagem, sobretudo cultural, entre povo e certa elite, sendo que esta última é acusada de proteger um terceiro grupo, minoritário, que serve então de bode expiatório para problemas reais. A imigração em crescimento, num país causticado pela desigualdade e pela austeridade, vem mesmo a calhar.

Excerto do meu artigo, com referências omitidas, publicado no Le Monde diplomatique - edição portuguesa que esta semana chegou às bancas.

7 comentários:

João Pimentel Ferreira disse...

Liberais xenófobos é uma contradição ideológia. Para o liberalismo o indivíduo é definido pelas suas acções, motivações e capacidades, não por quaisquer traços genéticos ou fenotípicos.

João Ramos de Almeida disse...

Caro João,
Pois é, mas na prática a teoria é outra.

Geringonço disse...

O liberal Milton Friedman partilhava cartas com (o seu amigo) Pinochet.

Liberais, que anjinhos, tão puros, nenhuma porcaria lhes gruda...

Jaime Santos disse...

Will Hutton dizia recentemente no Guardian que chamar neoliberal a qualquer coisa é uma excelente maneira de matar o debate. E se procurarmos meter o liberalismo no mesmo saco do Fascismo como o João Rodrigues fez recentemente, ainda melhor.

O racismo está longe de ser um atributo exclusivo das classes populares, mas revesti-las de uma dimensão quase angelical é meter a cabeça na areia. E convém que a Esquerda não se engane na mensagem que quer fazer passar a essas classes populares porque de outro modo, deixará de ser Esquerda. E para isso, as pessoas preferem o original à cópia.

Quanto à diferença entre a teoria e a prática, João Ramos de Almeida, tem toda a razão. A Esquerda é supostamente anti-autoritária. Mas, na prática, a teoria é frequentemente outra (veja-se o exemplo soviético).

A Hipocrisia não é exclusivo de ninguém, sabe?

Jose disse...

Depois de 48 anos de pluricontinentalidade e multirracialidade vem a esquerdalhada colar rótulos de racismo a tudo que lhe pareça ser de direita lusa, como se o 25A tivesse dado fim ao nazismo.

É tentativa tosca e caricata e que define os autores como coladores de rótulos à medida de um oportunismo irresponsável e idiota.

Mais dia menos dia temos o Marcelino da Mata vítima de racistas de direita.

Jose disse...

« A Esquerda é supostamente anti-autoritária»

Desde quando as verdades únicas são anti-autoritárias?

Rão Arques disse...

Melhor está Marcelo que manda recados a Ventura mas não diz de onde vem.