segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Fraca ambição?

Fonte: Contas Nacionais,  INE
Há dias, o primeiro-ministro (PM) anunciou a intenção de forçar uma subida do salário médio acima do seu valor "anterior à crise".

Disse António Costa:

Tem de haver um aumento geral do conjunto dos salários, de forma que o peso do conjunto dos salários no PIB se aproxime daquele que existia antes da crise, ou seja, que haja um maior equilíbrio na riqueza produzida entre aquilo que são os ganhos das empresas e aquilo que é a remuneração do Trabalho, de quem permite às empresas ganhar aquilo que estão a ganhar. (...) É verdade que, na última legislatura, o SMN subiu 20% e que, segundo o INE ontem divulgou, nos últimos anos, o conjunto dos salários médios subiu 11,3% em Portugal. Foi importante. Mas a verdade é que o rendimento médio ainda está abaixo daquilo que era o valor anterior à crise. 

É de louvar a preocupação do Governo para com uma mais equilibrada repartição do valor criado e pela recuperação do seu peso "antes da crise". Na verdade, tem sido uma longa travessia no deserto, em que, desde a criação do euro, se verifica um continuado "ataque" ao peso dos salários no PIB - nomeadamente com a criação do Código do Trabalho de 2003 e versões posteriores. As medidas adoptadas desde 2010, sobretudo em 2012, aprofundaram essa queda. E afinal sem os resultados estruturais anunciados.

Mas as declarações do PM merecem umas notas críticas.

Fonte: INE, Quadros de Pessoal, actualizados com valores INE
Primeiro que tudo, podem representar pouco. Quando se entra em consideração com os valores salariais passados, mas actualizados a preços de 2018 (ver gráfico ao lado), verifica-se que a recuperação até 2018 foi - apesar de todos os esforços - muito lenta. Tanto ao nível da remuneração base média, como nos ganhos médios (conjunto das remunerações incluindo a remuneração base e todas as outras formas de retribuição salarial).

A remuneração base subiu de 2007 a 2018 apenas ao redor dos 2,6% e o ganho médio ao redor de 5,2%. Ou seja, números que dão uma imagem bem mais negra do que a dos números citados pelo primeiro-ministro, que - mesmo com base nos números do INE citados - não se entende de onde vêm. Nessas estatísticas, de Setembro de 2015 a Setembro de 2019, a remuneração bruta total teria subido apenas 6,9% e a remuneração regular 7,4%. Mas caso se conte com a inflação, essas subidas seriam respectivamente inferiores a 3,8% e 4,3%. 

Apesar de, entre Setembro de 2015 e de 2017, se ter conseguido empregar mais cerca de 300 mil pessoas, o peso das remunerações salariais no PIB subiu apenas 0,3 pontos percentuais!

Depois, quando se tenta observar qual foi o valor "antes da crise" fica-se com dúvidas. A crise iniciou-se em 2007/2008 e, em Portugal, acabou por se reflectir numa subida do desemprego em 2009. As notícias saídas na comunicação social sobre as declarações do PM referiam-se a 2010 como sendo o momento de "antes da crise", porque seguiram a noticia da Lusa que incluiu - não se sabe porquê - um parêntesis recto dentro da citação de António Costa. Errado ou não, mesmo que não fosse o inicio da crise, o ano de 2010 foi aquele que registou o mais elevado valor salarial médio e que pode ser tomado como referência máxima. Sim, porque depois desse ano, aquilo que os comentadores neoliberais agora denominam de "ajustamento", representou um corte salarial significativo, que apenas se inverteu em 2016 (ver gráfico abaixo).

De tal forma que - mesmo que se considere 2010 como ponto máximo - a meta traçada por Costa para a futura subida dos salários revela-se bastante magra.


De 2007 a 2018, a remuneração base subiu apenas 24 euros e o ganho médio 57 euros. Mas isso quer dizer que os valores de "antes da crise" já foram atingidos em 2018 e até ultrapassados. 

Caso se tome 2010 como referência de "antes da crise", a remuneração base teria de crescer - face a 2018 - apenas 55 euros. E os ganhos médios cerca de 35 euros. Como em 2019, segundo o INE, a remuneração regular (conceito próximo dos ganhos médios) subiu - de Setembro de 2018 a Setembro de 2019 - cerca de 28 euros, então faltarão apenas uns magros 7 euros para que se atinja o valor de "antes de crise". 

Fica claro que, se a realidade é ainda desequilibrada quanto à repartição do rendimento, então muito mais se terá de fazer do que tentar atingir o seu valor de "antes da crise". Porque depois dessa altura se perdeu uma década, na qual os trabalhadores foram a variável de "ajustamento" da política errada levada a cabo pela direita no poder e cujas traves mestras ainda se continuam a fazer sentir na formação da retribuição do Trabalho. Nomeadamente no bloqueio da contratação colectiva.

E quando se ouve os dirigentes patronais mencionar que querem ser compensados pelo aumento do Salário Mínimo Nacional, através dos recursos dos fundos criados para pagar parte das indemnizações por despedimento, fica-se com os cabelos em pé. Porque seria colocar os recursos disponibilizados pelas empresas aos trabalhadores a financiar os aumentos salariais dos trabalhadores mais pobres.

Veremos o que nos diz a nova ministra do Trabalho sobre isto tudo. E já agora se repete as estatísticas enganadas usadas pelo PM...

Nota de rodapé: para estimar os valores de 2018, para os quais não há ainda informação dos Quadros de Pessoal, considerou-se o aumento salarial apurado pelo INE no seu Inquérito aos Ganhos (INE).  

Sem comentários: