segunda-feira, 8 de julho de 2019

Um caderno de encargos


Foi aprovada a Lei de Bases da Habitação. O direito à habitação, consagrado na Constituição, ganha uma nova robustez, dado o reforço das obrigações do Estado nesta área fundamental.

É indiscutivelmente um momento histórico, quarenta e cinco anos depois de abril. É inegável que a Lei de Bases da Habitação é um legado da maioria parlamentar que tem dado suporte ao Governo socialista. Não se teria ido tão longe na afirmação do direito à habitação sem a participação do BE e do PCP, sendo que a mudança de tutela da pasta para o atual Ministro das Infraestruturas e Habitação foi relevante para este desfecho.

Helena Roseta, uma das responsáveis por pôr em marcha o processo legislativo, define bem o que está em causa: “um caderno de encargos para o futuro”. Com efeito, para que se avance na garantia do direito à habitação será necessário legislar e implementar as medidas que porão em prática o exercício efetivo deste direito. Será necessário definir o Plano Nacional de Habitação, que apresenta uma estratégia para a habitação e consagra a dotação orçamental para executar o programa respetivo. Será necessário regular a proteção às famílias em situação de despejo ou em risco de despejo e sem alternativa habitacional. Como será necessária legislação específica para regulamentar a dação de imóveis em cumprimento do crédito à habitação para que esta não fique dependente do arbítrio das instituições bancárias. Ou seja, a efetivação da garantia do direito à habitação dependerá de medidas legislativas e de políticas.

É relevante que na mesma semana em que a Lei de Bases é aprovada, o Ministro das Infraestruturas e Habitação tenha anunciado a disponibilização de imóveis públicos devolutos para o arrendamento acessível. É uma boa medida. Mas mais relevante é a assunção de que a política de habitação terá de ir para lá da atribuição de benefícios fiscais e complexas engenharias financeiras. Exige-se um maior compromisso financeiro por parte do Estado para que de fato as rendas assumam valores comportáveis para os jovens e para as classes trabalhadoras.

A avaliação das medidas, designadamente dos benefícios fiscais, é também um elemento importante. Um estudo recentemente divulgado aponta para a possibilidade de a maioria de proprietários e inquilinos poder beneficiar do Programa de Renda Acessível. Os primeiros por via da isenção de IRS, apesar da redução da renda, e os segundos, por via da redução da renda em 20% relativamente ao valor mercado. Mas o mesmo estudo sugere que dificilmente estes benefícios terão impacto nas zonas mais pressionadas pelo turismo.

Numa área da política social marcada por profundas desigualdades sociais e territoriais no acesso à habitação, importa saber quem beneficiará e onde com estas medidas. O risco de se estar a abdicar receita fiscal para beneficiar quem não precisa e onde não é necessário é demasiado alto e ignorá-lo é inaceitável.

1 comentário:

Jose disse...

Nada como leis sem regulamentos para que se adivinhe o paraíso.

No regulamento vai o dinheiro ou a extorsão.

Aposto na segunda, por mais progressista.