domingo, 3 de março de 2019

Velho banco, novo aviso


Ninguém se deverá admirar com o pedido, que vai ser feito pelo Novo Banco, de mais 1,149 mil milhões de euros ao fundo de resolução, a entidade criada para disfarçar um princípio bancário europeu - os cidadãos nacionais pagam os desmandos dos bancos, mas não mandam numa banca cada vez mais comandada a partir do estrangeiro. Admirar, não, revoltar, sim. O nesta área complacente governo da troika, mas também o incensado Centeno e o seu governo, têm pesadas responsabilidades. A auditoria agora é só para desviar as atenções. A verdade é que não houve e não haverá a prazo qualquer estabilização do sistema financeiro sem mudar a sua lógica de funcionamento e de controlo. Infelizmente, este governo foi de absoluta evolução na continuidade nesta e noutras áreas fundamentais, dada a sua submissão à economia política da integração europeia realmente existente. Entretanto, aproveito para relembrar o que o Nuno Teles e eu escrevemos, no Le Monde diplomatique de Junho de 2017, sobre O caso do Novo Banco: nacionalizar ou internacionalizar? (referências omitidas):

A submissão a esta lógica faz agora com que o Novo Banco, ou seja, cerca de 15% do sector bancário português, esteja a ser entregue de graça a um fundo «abutre», conhecido pelos negócios ruinosos feitos no sector bancário sul-coreano. O Lone Star consegue, assim, ter acesso a informação, por exemplo, sobre o mercado imobiliário nacional, onde já estava fortemente envolvido, e adquirir activos a preço de saldo que serão vendidos mais tarde, na esperança não só da sua valorização, mas também de uma mudança de «apetite» da banca europeia fornecida pela mudanças regulatórias em curso e, concomitantemente, pelo aumento da rendibilidade e solvabilidade financeiras. O fundo público de resolução, depois de ter canalizado 4,9 mil milhões de euros, fica reduzido a 25% de um banco onde não tem capacidade de decisão e onde a norte-americana Lone Star pontifica com 75%, tendo de investir aí apenas mil milhões de euros. Num negócio ruinoso para o país, o fundo público fica com o essencial do risco de desvalorização de uma carteira de activos do Novo Banco, que, se afectar os seus rácios de capital, implica a injecção nos próximos oito anos de até 3,89 mil milhões de euros. Entretanto, é claro, pelos juros baixos e pelos prazos cada vez mais prolongados de reembolso, que a responsabilidade da banca pelos empréstimos do Estado ao tal fundo público é mais nominal do que real.

Em artigo [no Público] recente, o ministro das Finanças Mário Centeno faz um balanço de tudo isto: «A mais relevante alteração das condições de funcionamento da economia portuguesa prende-se com a estabilidade financeira, hoje, finalmente, uma realidade. Os bancos foram capitalizados e provaram a sua capacidade para atrair capital de todo o mundo, refletindo a confiança dos investidores internacionais na solidez da economia e numa estabilidade política, tantas vezes questionada, mas que, hoje, é invejada em muitas partes da Europa. Portugal não deve ter vergonha de ser um exemplo». O governo português tem, na realidade, fortes motivos para ter vergonha por ter consentido com um padrão de acentuado reforço do controlo estrangeiro na banca que a deixa mais vulnerável numa próxima crise internacional. É sob as periferias que as instituições financeiras internacionais privadas fazem recair os primeiros custos do ajustamento, através de retiradas de capitais e de contracções de crédito mais súbitas. Pior do que a banca privada nacional, que resultou das privatizações e que tão eficaz se revelou na destruição de capital e na geração de endividamento externo, será a banca privada estrangeira. A experiência das periferias da economia mundial nas últimas décadas mostra como, nos casos em que o sector bancário é dominado por capital estrangeiro, qualquer crise é exacerbada por este regime de propriedade. Exemplos como os do Sudoeste Asiático, em 1998, da Argentina, em 2001, ou da Europa de Leste, em 2009, mostram como a banca estrangeira esvazia rapidamente a suas sucursais de recursos na ânsia de limitar as perdas em mercados não estratégicos.  

A alternativa a este estado de coisas passa por reconhecer as especificidades de um sector estratégico com amplos poderes: o poder de criar e de destruir moeda através do crédito; o poder de lidar com o futuro, ou seja, com a incerteza, concentrando muita da melhor informação disponível sobre a actividade económica geral, cujo andamento passa pelas decisões tomadas nos bancos; e o poder de não poder verdadeiramente falir, dado o caos que tal gera num sector que lida com a confiança, porque lida com a moeda e com o futuro. Entre a Segunda Guerra Mundial e os anos oitenta, quando as crises bancárias eram bem menos frequentes, devido à chamada repressão financeira, estes poderes foram institucionalmente reconhecidos através de muitos bancos públicos com lógica públicas, de controlos de capitais generalizados e de regulamentação que desconfiava de uma concorrência geradora de aventureirismo neste sector. Hoje, quem quiser gerir o crédito com uma lógica pública, ao serviço das necessidades do tecido produtivo nacional, tem de começar por recusar a lógica política de um euro onde não há futuro decente para a economia portuguesa. Sem esta recusa, não voltará a haver estabilidade financeira duradoura, assente numa mudança do regime de propriedade: nacionalizar é preciso, para impor lógicas de defesa do interesse público. Neste, como noutros sectores, internacionalizar é colocar em risco também a democracia e o desenvolvimento.

4 comentários:

Anónimo disse...

Ainda assim, não é muito fácil imaginar uma espécie de UE alternativa ao modelo da concorrência… Como é que esse modelo seria estável e sustentável? Qual o âmbito de intervenção dos estados dos vários países?

estevesayres disse...

A História da Acta do Golpe-de-Estado"

Publicado em 13.08.2014

"No meu estudo Espírito Santo:

"Uma Quadrilha de Bandidos à Solta, aqui publicado no passado dia 10 de Agosto, denunciei o golpe-de-estado legislativo perpetrado entre Belém, São Bento e o Banco de Portugal, nos dias 31.07 a 03.08.2014, pelo qual foi substituído, por ordem de Draghi e do Banco Central Europeu, o sistema de recapitalização bancária em vigor, aprovado com a Lei n.º 1/2014, de 16 de Janeiro, pelo Regime Central das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que aplica a Portugal, na sua qualidade de cobaia, o Mecanismo Único de Resolução dos Bancos e Instituições de Resgate Interno, aprovado no Parlamento Europeu no passado dia 14 de Abril de 2014 e ainda não em vigor na União Europeia.
Na noite de 3 de Agosto ficámos a saber, pela alocução televisiva do supervisor Carlos Costa, que o BES tinha sido dividido em dois bancos: o banco bom, com o nome de Novo Banco, e o banco mau, com o nome de BES. Mas, verdadeiramente, não foram dadas nenhumas explicações concretas sobre a constituição dos dois bancos.
Acontece que um advogado lisboeta, que em tempos já fora jornalista, Dr. Miguel Reis, advogado de pequenos investidores do BES, conseguiu, através do acesso electrónico a uma certidão do Novo Banco obtida no Portal da Empresa, conhecer a acta da noite das facas longas, com o relatório completo do processo terrorista que, com o apoio do governo de traição nacional Coelho/Portas, do paspalho do presidente da República e do ignorante do supervisor Carlos Costa, tudo às ordens de Draghi e do Banco Central Europeu, conduziu à decisão de resolução do BES e à criação do Novo Banco e dos respectivos estatutos.
Miguel Reis pôs imediatamente a acta ao alcance do público, no seu site de advogado.
Parabéns! E um abraço do"
Espártaco

Artigo do meu saudoso jurista e camarada Arnaldo Matos

Jose disse...

A memória é curta!
As alternativas do passado nunca são lembradas.
Sempre a sua renovação leva a actos de fé - agora é que se faria bem.

Entretanto dá-se fim à austeridade; em termos tais que a banca se vê mais uma vez reconfortada pela procura de crédito por parte de entusiasmados cidadãos.

DS disse...

Seja bem vindo Jose. Também eu como o nosso caro João gostaríamos de viver numa República em que o estado tivesse mais poderes e mecanismos de controlo da actividade de concessão de crédito. Não o sabia tão socialista mas folgo em saber que as suas visitas diárias ao "ladrões" o estão a converter.