terça-feira, 26 de março de 2019

Há bancos e bancos


João Salgueiro foi durante décadas um dos rostos da banca nacional, quer como banqueiro público, do já extinto Banco de Fomento Nacional à Caixa Geral de Depósitos (CGD), quer como ministro das Finanças na década de oitenta, quer sobretudo como presidente, entre 1994 e 2009, da todo-poderosa Associação Portuguesa de Bancos, um sector fundamentalmente controlado por privados desde a liberalização e privatização dos anos oitenta e noventa e onde pontificava o Banco Espírito Santo – um sector por isso cada vez menos nacional a prazo, ou seja, destinado a ser cada vez mais controlado pelo capital estrangeiro. Em entrevista recente, este apoiante de sempre da europeização liberal da economia política nacional, incluindo o euro, denuncia agora o corolário deste processo: a opacidade do comando central europeu, que culminou na entrega, forçosamente apressada e prejudicial, do Novo Banco à norte-americana Lone Star, com garantias públicas do Estado português ainda por quantificar. Conclui João Salgueiro: «A União Europeia gostava de acabar com todos os bancos portugueses, penso eu, quanto muito ficava a Caixa. E tudo o que é aparente mostra isso. Já no Banif foi assim». De facto, no Banif tinha ficado visível a lógica da União Europeia, que, como Salgueiro reconhece, «dificulta a vida» à banca nacional que resta, a CGD, enquanto facilita a vida ao capital estrangeiro, do Santander à Lone Star.

Salgueiro tem experiência suficiente para saber que o Estado pode e deve ser o «senhor do tempo», para usar a expressão de um livro sobre alguns dos seus papéis económicos incontornáveis. Na realidade, é na banca que este papel assume uma importância particularmente crucial. Só o Estado, através da liquidez do seu Banco Central, o prestamista de último recurso, e das suas finanças públicas, injectando capital, está em condições de dispor de um horizonte temporal mais amplo para garantir a recuperação necessária dos bancos, que é ajudada pela, e ajuda na, recuperação da economia. Salgueiro faz uma comparação, na mesma entrevista, entre o Novo Banco, em Portugal, e o Lloyds Bank, no Reino Unido: «É possível viabilizar um banco em semanas? O doutor Horta Osório viabilizou o Lloyds em oito anos». Onde está «doutor Horta Osório» leia-se o Estado britânico, que assumiu o controlo do banco nos seus tempos e nos seus termos.

O plano de recuperação do Lloyds Bank só foi possível através de uma estratégia articulada entre o Tesouro britânico e o seu Banco Central, disponível para injectar a liquidez necessária para manter este banco operacional até recuperar a sua solvabilidade. Esta defesa da estabilidade de um sistema bancário nacional, cujo modelo de intervenção tem, ainda assim, muito de criticável, só foi possível com um Banco Central nacional.

Excertos de um artigo, em co-autoria com Nuno Teles, com quase dois anos, publicado no Le Monde diplomatique - edição portuguesa e agora disponibilizado na íntegra no sítio do jornal. No fundo, a falta que nos faz um Novo Banco, mas de Portugal...

7 comentários:

Jaime Santos disse...

A comparação não é muito honesta, João Rodrigues, por trás do Banco de Inglaterra só está o Estado Britânico, uma das maiores economias mundiais, apesar de tudo, com uma dívida pública bem inferior à nossa e um rating bem superior.

Todas estas elocubrações derivam no fundo do sonho da Economia Portuguesa enquanto autarcia, coisa que ela nunca foi, com todos os defeitos que a UEM pode ter.

E como os críticos da Moeda Única não são capazes de 'bite the bullet' e explicar a seguir como é que uma Economia pequena e aberta como a Portuguesa se vai financiar e defender de ataques especulativos num cenário de saída do Euro, esta espécie de artigos a denunciar as contradições de figuras gradas do nosso sistema financeiro mais não fazem do que limitar-se a seguir a lógica pobre dessas mesmas figuras e a esquecerem-se de que Salgueiro apenas diz o que diz porque quem está a vender o NB à Lone Star é o PS.

Ou seja, trata-se de pura chicana política. Mas isso é, afinal de contas, algo que a Esquerda também faz todos os dias...

Jose disse...

Credibilidade e o capital em falta.

Não o têm os políticos e os seus partidos - logo não u tem o Estado.

Lowlander disse...

Jose, curiosamente concordo contigo.

Anónimo disse...

Bom post!

estevesayres disse...

Uma vez mais o saudoso jurista Arnaldo Matos fez um artigo e foi enviada para toda a imprensa, nenhum deles o publicou, como sempre a comunicação social, só se limitava a dizer mal, ainda hoje estou por saber porque o odiavam tanto. Este artigo e bastante extenso é 10-08-2014, mas vou só retirar um pequeno enxerto do artigo de 7 páginas A4, e porque sei que o não vão ler todas as páginas:"1. O Império da família Espírito Santo, capitaneado por Ricardo Espírito Santo Silva Salgado, acaba de ruir como um castelo de cartas. Faliu e desabou, se assim se pode dizer, do topo à base e da base ao topo, e por essa ordem ziguezagueante. Constituído por cerca de quatrocentas empresas, entre si ligadas por uma complexa rede de participações financeiras, o Grupo Espírito Santo (GES) – tal era o nome do império – empregava mais de 28.000 trabalhadores em três continentes: Europa (só em Portugal, 20.000), América Latina e África, não contando com umas quantas adjacências na América do Norte, nas Caraíbas e em alguns Estados do Golfo Arábico.

O Grupo Espírito Santo era dominado e controlado a partir de uma sociedade gestora de participações sociais – uma holding, vocábulo anglo-saxónico que já faz parte da linguagem jurídica portuguesa – denominada Espírito Santo Control, ao comando da qual se posicionava um conselho superior, formado pela quadrilha de burlões da família Espírito Santo, assim constituído: Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo, com 19,37% da holding, José Manuel Espírito Santo, com 18,53%, Comandante António Ricciardi, com 17,84%, Ricardo Espírito Santo Silva Salgado, com 17,05% e Pedro Mosqueira do Amaral, com 15,57%.

Ora, fazendo as contas (como aconselharia o Eng.º Guterres em tempos idos…) a família Espírito Santo detém, naquela sociedade gestora de participações sociais, 88,36% do Grupo Espírito Santo, isto é do GES. Por seu turno, a sociedade Espírito Santo Control distribui o capital da família Espírito Santo por duas outras holdings, a saber, a Espírito Santo Internacional (ESI) e a Rioforte.

Através da Rioforte, detêm a holding financeira do GES, denominada Espírito Santo Financial Group (ESFG), que, por sua vez, detinha 20,1% do Banco Espírito Santo (BES).

Acontece que as três últimas holdings mencionadas – ESI, Rioforte e ESFG – têm sede no Luxemburgo, o que significa que as sociedades que controlam todo o Grupo Espírito Santo têm sede fora da área de jurisdição de Portugal, ou, dito de outra maneira, todo o Grupo Espírito Santo é controlado por sociedades que têm jurisdição no Grão-Ducado do Luxemburgo. Ou ainda, para tornar mais acessível a simplificação da coisa, o Grupo Espírito Santo não é português!...

A realidade porém é que a quadrilha de bandidos da família Espírito Santo desenvolveu um esquema de financiamento fraudulento entre as empresas do GES. Por um lado, servia-se dos depósitos bancários do BES para, muitas vezes sem conhecimento e sem autorização dos depositantes, levar os dinheiros depositados ao financiamento das empresas do grupo; e, por outro lado, quando se apercebia que a fraude não podia mais continuar a ser escondida, Salgado e os seus homens punham o banco a comprar as carteiras dos clientes com créditos sobre as empresas do GES. Algum tempo depois, alegando que a empresa devedora falhara o pagamento do crédito, deixava o cliente bancário com o calote da empresa devedora e embolsava o dinheiro do depositante.

Este esquema fraudulento, conhecido pelo nome de Pirâmide de Ponzi, é mais velho do que a Sé de Braga, mas os nossos supervisores nunca o detectaram a tempo!... Este, porém, é apenas um dos múltiplos esquemas criminosos com os quais enriqueciam os donos do império Espírito Santo"

S.T. disse...

Eu só chamaria a vossa atenção para a forma completamente diferente como os problemas dos bancos são resolvidos no centro do império da "U"E.

Alguém disse muito justamente do projectado negócio: "two turkeys don't make an eagle", isto é, "dois perùs juntos nunca farão uma águia".

ttps://braveneweurope.com/yanis-varoufakis-why-the-deutsche-bank-merger-with-commerzbank-must-be-stopped

Agora vem Yanis Varoufakis alertar para o golpe que se prepara.

Sem menosprezo para a análise de Varoufakis eu acrescentaria ainda uma motivação adicional para tão desconchavado negócio: Quanto maior fôr o banco mais "too-big-to-fail" é. E implícitamente a garantia de que não cai é endossada pelo povo alemão em primeira linha e em segunda linha pelo ECB e por todos os cidadãos dos países da zona euro.

S.T.

Anónimo disse...

" ... E como os críticos da Moeda Única não são capazes de 'bite the bullet' e explicar a seguir como é que uma Economia pequena e aberta como a Portuguesa se vai financiar e defender de ataques especulativos num cenário de saída do Euro, ...".

É verdade. O facto da despesa pública ser "paga" numa Moeda Única forte, que não tem nenhuma relação com a produtividade nacional, não ajuda.

Se houvesse (também) um escudo (moeda fraca) para as despesas (investimento como se diz na gíria partidária) do Estado, haveria um crescente incentivo à actividade privada e um desencorajamento progressivo da desmesurada esfera pública, hoje em dia supérfula.

Eventualmente será esse um dos caminhos.
Outro será uma "EFTA" de países equiparáveis, com uma moeda comum (quiçá já existente) mas não Única.
Entretanto o domínio chinês irá crescendo.