quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

A insustentável leveza do «crowdfunding sindical»


«Jerónimo de Sousa disse por estes dias que “um trabalhador nunca vai com um sorriso nos lábios para uma greve”, mas esses tempos épicos e sisudos das grandes lutas operárias morreram a golpes de crowdfunding. (...) Financiar greves com donativos não é apenas uma “subversão do direito à greve” e do que está “na génese desse direito”, como notou Jerónimo de Sousa. É a mercantilização dos direitos laborais que abre portas desconhecidas. Um dia, arriscamo-nos a ver hospitais privados a financiarem via crowdfunding greves nos hospitais públicos, portos galegos a pagar por paralisações em Aveiro ou Leixões, a têxtil da rua de cima a dar dinheiro a grevistas da têxtil da rua de baixo. Não está em causa a legalidade do processo e, no caso em questão, qualquer juízo de valor sobre a justeza da luta dos enfermeiros – sem dúvida mal pagos para as suas competências, decerto maltratados pelo esquecimento do poder político. Está em causa sim a quebra na proporcionalidade entre os esforços nulos dos grevistas e as perdas imensas de todos nós.»

Manuel Carvalho, A greve indolor, pérfida e perigosa.

«Dois pequenos sindicatos, capitaneados pela bastonária e representados por um movimento inorgânico sem uma liderança responsável, encontraram o que julgam ser o ovo de Colombo: uma greve que, não tendo qualquer custo relevante para quem a faz, pode prolongar-se durante anos. Através de uma recolha de fundos informal, sem os requisitos mínimos de transparência (o que permitirá, a ser replicada, aproveitamentos perigosos), financiam-se uns poucos enfermeiros para não trabalharem. (...) Os enfermeiros estão a fazer uma greve por procuração, sem custos para os grevistas e baratíssima para quem, beneficiando dos efeitos da greve, não a tem de fazer. Se a isto juntarmos o facto de o fundo de greve não o ser realmente e a greve cirúrgica ser numa área que pode custar vidas, temos um bingo. Perante a grosseira perversão do instituto da greve e a ausência de razoabilidade, de ética sindical e de sensibilidade social, defendo, dentro dos limites da lei, a requisição civil»

Daniel Oliveira, A greve é como a guerra, deve ter custos para todos quererem a paz

7 comentários:

vitor disse...

E no privado os enfermeiros já são bem pagos para as suas competências?

Tavisto disse...

Pois! Nos serviços públicos exige-se o impossível, no privado aceita-se o que o "patrão" quer pagar. Ao SNS exige-se mundos e fundos, ao privado diz-se muito obrigado.

Jose disse...

Até aqui ninguém protestava que os comboios parassem só porque ora paravam os revisores, ora os motoristas, ora os agulheiros.
Máximo dano ao menor custo estava muito bem, a custo zero já não pode? Seguramente custa a alguém.

Na indústria funcionam os sindicatos verticais, os contratos de trabalho verticais, as greves totais- aos trabalhadores organizarem e negociarem a distribuição da massa salarial por níveis e categorias.
Mas para sacar ao contribuinte todos se engalfinham a sacar à vez o mais possível - isso sim é que é uma bandalheira.

jo disse...

É espantoso que centrais sindicais, que são autenticas sucursais de partidos, gritam como virgens indignadas com uma possível instrumentalização da greve. A CGTP não teve um bastonário à frente, teve um futuro secretário geral do PCP.
O essencial dos comentários é sempre o mesmo: Os trabalhadores têm direito à greve, mas só se for impossível levá-la a cabo ou se defender os interesses que as forças sábias dizem ser os dos trabalhadores.
Além disso rotula-se quem faz greve de vendido ou estúpido.
É a nossa esquerda sindicalista, clubista e manipuladora.

O que lhes dói não é o crowdfunding, é começarem a aparecer sindicatos que não conhecem a voz do dono. Vai-se lá provocar problemas graves a um governo apoiado pela esquerda?

MS disse...

Tem se assistido à degradação total do SNS , estas vozes têm estado completamente caladas , agora todos se indignam com os enfermeiros .

A destruição do SNS , com um governo de esquerda tem sido assustador:

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Poderia continuar ........onde estavam todos os indignados ?! Sempre em silêncio ?
Penso que a maioria , nem usa o SNS.







Tavisto disse...

Os problemas do Serviço Nacional de Saúde são reias. Não há que escamoteá-lo, mas procurar soluções para os mesmos, coisa que os últimos governos, nos quais se inclui o atual, manifestamente não conseguiram. Porém, não é através de formas de luta à margem da lei nem incentivando o incumprimento de decisões judiciais, que se contribui para a resolução dos problemas aqui apontados.
Por mais justas que sejam as reivindicações dos profissionais, na Saúde há que salvaguardar a segurança e minimizar riscos para os doentes, o que manifestamente não se verifica com o arrastar da greve cirúrgica.

AAlves disse...

E de um momento para o outro Portugal ficou cheio de defensores de greves oitocentistas. Daquelas até à fome em que os proletários ficavam dependentes da sua única riqueza: sim, a sua prole que começava a trabalhar aos 6 anos de idade. Isso do crowdfunding é só para políticos e "jovens empreendedores" das "startups".

(e não me venham com a treta dos fundos de greve; isso é só para quem pode; gente de elite que ganha acima da média)