terça-feira, 11 de setembro de 2018

Leituras de cá e de lá


«A questão da imigração é aqui muito importante porque a coerência do grupo que se forma à volta de Macron tem na questão da imigração o seu calcanhar de Aquiles, porque eles são muito críticos de Salvini, mas quando a França não é capaz de responder com coerência à imigração enfraquece o seu discurso. Este combate não se trava apenas à volta da questão da imigração. Trava-se em larga medida na capacidade que terão os partidos democráticos de conquistarem a classe média e mostrarem que têm um projecto para resolver os problemas económicos e sociais que a classe média enfrenta e a grande inquietação que a classe média tem em relação ao seu futuro. Se não se der resposta a essa inquietação, nomeadamente combatendo o desemprego, que é um problema em vários países europeus, por exemplo França, e as desigualdades (uma questão que se coloca hoje na Suécia)...»

Álvaro Vasconcelos (entrevista de Ana Gomes Ferreira, no Público)

«Em primeiro lugar, a crise económica [de 2008] fez com que as classes média e média baixa enfrentassem uma crise de emprego, de valores, de identidade, até de auto-estima. Por outro lado, essa comunidade foi-se estendendo por áreas geográficas onde não costumava estar (...) e essa expansão teve uma importância muito grande na forma como se elegem os colégios eleitorais. (...) não houve só uma evolução geográfica, houve também um alargamento dos americanos que cabem neste conceito de comunidade folk, ou comunidade popular. Antes era só a classe média baixa, os rednecks, os hillbillys, estigmatizados pelos americanos da classe média, pelos brancos, protestantes ou católicos. Agora, a comunidade popular alargou-se e há uma grande parte da classe média, que estava bem na vida e que até era preconceituosa em relação à América jacksoniana, que passou a identificar-se com os mesmos problemas.»

Tiago Moreira de Sá e Diana Soller (entrevista de Alexandre Martins, no Público)

«Estes espaços de catequização da direita radical, nacionalista e defensora da supremacia branca são eficazes a fornecer argumentos a boa parte da base que elegeu Donald J. Trump e, aos meus ouvidos, estranha e repulsivamente sedutores. (...) Para lá das teorias da conspiração, que são basicamente as mesmas ou variantes das que então ouvi, há agora uma coragem que não existia. Qualquer dos hosts, dos animadores desses talk shows, não hesita em dizer ao que vem - defender o que dizem ser a ordem natural e histórica das coisas na América, proteger a união da invasão de imigrantes, etc. É o negócio do medo, da insegurança, do ódio ao diferente. Agora, quase dois anos depois da eleição de Trump, tudo é muito mais assumido, muito mais claro. Como Obama lembrou nesta sexta-feira no discurso que marcou a entrada do ex-presidente na campanha para as eleições de novembro, na Universidade de Illinois, "a história já nos mostrou o poder do medo"»

Paulo Tavares, Tempos perigosos

5 comentários:

S.T. disse...

Sem querer ser desmancha prazeres, estes artigos referidos são tão superficiais como a espuma das ondas do grande oceano. Dão a "ambience" o "mood" mas pouco fazem para explicar os movimentos subjacentes. Até porque são esses movimentos profundos que determinam a formação e a composição da "espuma" que os artigos descrevem.

Permeia em todos eles a mesma superficialidade epidérmica.

Faltam elementos cruciais para se compreender o que se passa nos states que vão desde a influência do chamado "deep state" até dados prosaicos como por exemplo o facto de os americanos "brancos" estarem em vias de ficar, devido aos movimentos demográficos, em minoria face a "negros" e "latinos".
E seria incontornável referir as tentativas de supressão subreptícias mas cada vez mais descaradas do voto das minorias étnicas ou grupos sociais que tentem pôr em causa os poderes fácticos instituídos para lá do palavreado demagógico sobre democracia e direitos.

Faltam também e sobretudo as explicações sobre o como o sistema político americano estava e está bloqueado num bipartidarismo cada vez mais fictício e oco que exclui todas as soluções que democratizem de facto a economia e reduzam as desigualdades mas que inevitávelmente transfiram recursos da classe dos super-ricos para uma classe média em vias de proletarização.

E note-se, não estamos aqui a falar de nenhuma revolução, mas tão-sómente de pequenos ajustamentos na maquinaria capitalista para repartir melhor os rendimentos.

A análise e caracterização do populismo europeu também está completamente faralhada.

S.T.

S.T. disse...

Quanto a Macron, basta ver a mais recente sondagem da Odoxa para ver como os seus concidadãos avaliam as suas prestações como presidente:

http://www.odoxa.fr/sondage/barometre-politique-septembre-noir-emmanuel-macron/

"Effondrement RECORD de la popularité du Président : E. Macron a perdu 12 points pendant l’été et se situe pour la première fois loin derrière (6 points) son Premier ministre. En cette rentrée de septembre 2018, plus de 7 Français sur 10 (71%) jugent qu’Emmanuel Macron n’est pas un bon Président de la République."

Tradução automática:

"Colapso RECORD da popularidade do Presidente: E. Macron perdeu 12 pontos durante o verão e é pela primeira vez muito atrás (6 pontos) seu primeiro-ministro.Neste outono de setembro de 2018, mais de 7 franceses em cada 10 (71%) consideram que Emmanuel Macron não é um bom presidente da República."

É este o paladino do europeísmo? Por que é que em França se tenta reduzir o populismo ao FN e se "esquece" deliberadamente Mélanchon?
S.T.

S.T. disse...

1/2

Quanto à questão da imigração, dou a palavra mais uma vez à Sahra Wagenknecht do Die Linke:

«Ouvrir les frontières pour tous» est irréaliste. Et si la principale préoccupation de la politique de gauche est de représenter les désavantagés, alors la position No-Border est aussi le contraire de la gauche. Tous les succès dans l’apprivoisement et la régulation du capitalisme ont été combattus à l’intérieur des États, et les États ont des frontières. Ce n’est pas sans raison que la Fédération des industries allemandes se bat pour une loi sur l’immigration depuis des années. La migration de main-d’œuvre se traduit par une concurrence accrue pour les emplois, en particulier dans le secteur des bas salaires."

Tradução automática:

"Abrir as fronteiras a todos "é irrealista. E se a principal preocupação da política de esquerda é representar os menos favorecidos, então a posição de "no-borders" também é contrária à esquerda. Todos os sucessos na domesticação e regulação do capitalismo foram combatidos dentro dos estados, e os estados têm fronteiras. Não é sem razão que a Federação das Indústrias Alemãs vem lutando por uma lei de imigração há anos. A migração de mão de obra resulta numa maior competição por empregos, particularmente no setor dos baixos salários."

Continua...

S.T. disse...

2/2

"Il est compréhensible que les personnes concernées en aient peur. Il n’y a pas non plus un nombre illimité d’habitations, d’autant plus qu’il en reste peu d’abordables. Les personnes, qui sont persécutées, ont besoin de protection. C’est à cela que sert le droit d’asile, et il ne doit pas être mis à mal. Mais ceux qui veulent surmonter la pénurie de travailleurs qualifiés devraient plutôt investir plus d’argent dans notre système d’éducation.»

Tradução automática:

"É compreensível que os interessados tenham medo disso. Tanto mais que o número de habitações disponíveis não é ilimitado, especialmente porque restam poucas acessíveis. Pessoas que são perseguidas precisam de proteção. É para isso que serve o direito de asilo e não deve ser prejudicado. Mas aqueles que querem superar a escassez de trabalhadores qualificados devem investir mais dinheiro no nosso sistema educacional.

Ou ainda:

"Le politicien de gauche Bernie Sanders a également une opinion très tranchante à ce sujet. Je cite Bernie Sanders : «Ouvrir les frontières. Non. C’est une suggestion des frères Koch.» Ce sont de grands industriels avec 40 milliards d’actifs. Je cite Bernie Sanders : «Ce que la droite aime dans ce pays, c’est une politique d’ouverture des frontières. Amenez beaucoup de gens qui travaillent pour deux ou trois dollars de l’heure. Ce serait formidable pour eux. Je n’y crois pas. Je crois que nous devons travailler avec le reste des pays industriels pour lutter contre la pauvreté dans le monde. Mais nous ne pouvons pas le faire en appauvrissant la population de ce pays.» Voilà ce que dit Bernie Sanders. Et quand Jeremy Corbyn parle sur le sujet, ça sonne pareil. Vous n’avez pas à partager cette opinion, mais Bernie Sanders et Jeremy Corbyn ne sont en aucun cas des gens qui courent après la droite et adoptent leurs arguments."

Tradução automática:

"O político de esquerda Bernie Sanders também tem uma opinião muito vincada sobre o assunto. Cito Bernie Sanders: "Abrir as fronteiras? Não. Essa é uma sugestão dos irmãos Koch. "Eles são grandes industriais com 40 biliões de ativos. Cito Bernie Sanders: "O que a direita gosta neste país é uma política de fronteiras abertas. Traga muitas pessoas que trabalham por dois ou três dólares por hora. Seria ótimo para eles. Eu não acredito nisso. Acredito que precisamos trabalhar com o resto dos países industrializados para combater a pobreza no mundo. Mas não podemos fazer isso empobrecendo as pessoas deste país. "É o que diz Bernie Sanders. E quando Jeremy Corbyn fala sobre o assunto, parece o mesmo. Não é preciso partilhar essa opinião, mas Bernie Sanders e Jeremy Corbyn não são pessoas que correm atrás da direita e adotam seus argumentos."

(Ênfase acrescentada por mim)

Mas reitero mais uma vez que a imigração não é problema para Portugal pela simples razão que ninguém cobiça os nossos salários. Por isso este soundbite neoliberal das "fronteiras abertas" é mais para consumo do centro e norte da Europa. É mais para intrujar escandinavos e alemães pelo que até se estranha estas figuras de virgens ofendidas do Público.

Texto no Libé:

http://www.liberation.fr/checknews/2018/09/04/que-dit-exactement-sahra-wagenknecht-sur-l-immigration_1676492

S.T.

S.T. disse...

Bem, já que mais ninguém pega neste assunto, deixa-me cá deixar mais uma pista, desta vez pela escrita de Chantal Mouffe:

Demonising populism won’t work – Europe needs a progressive populist alternative

http://blogs.lse.ac.uk/europpblog/2018/09/13/demonising-populists-wont-work-europe-needs-a-progressive-populist-alternative/

Coloca-se é a questão do esclerosamento de umas certas esquerdas, que se não fizerem um agiornamento das suas propostas nunca conseguirão atrair apoios e eleitorados menos ideologizados e mais pragmáticos.
S.T.