quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
Por detrás das perguntas aos candidatos
A televisão é o meio de comunicação social com maior penetração na população. O seu conteúdo pode condicionar a vida política nacional e influenciar acontecimentos.
Por exemplo, estou convencido de que, em Setembro de 2012, foi a televisão que esteve na base da dimensão daquela que foi tida como a maior manifestação nacional pós 1ºMaio de 1974. Nos dias anteriores à manifestação "Que se lixe a Troika", os noticiários foram dando conta da evolução do número de "likes" na página da manifestação no facebook. Tudo porque os jornalistas se convenceram que se tratava de uma manifestação convocada fora do espectro partidário e, por isso, original e pura, digna de ser apoiada.
O espaço televisivo é um bem público. E por isso a sua concessão a televisões privadas foi objecto de contratos que, na verdade, não são vigiados nem controlados pelas autoridades públicas. O Estado cedeu às televisões um bem público de importância crucial. E essa importância passa, necessariamente, pela qualidade dos jornalistas, criadores de informação.
Vem isto a propósito das perguntas que foram feitas no debate dos candidatos a presidente da República, na emissão de ontem da RTP. Elas revelam mais o que lhes vai na alma do que propriamente algo que seja relevante para o país. Em muitos casos, as perguntas seguem pequenos fait-divers, falsos sensos comuns, e, muitas vezes, são picadelas para provocar opiniões veementes. Mas, pior, revelam as crenças do entrevistador.
Senão, veja-se as perguntas feitas apenas até ao 1º intervalo, supostamente perguntas sobre "as convicções" dos candidatos:
1) Em que é que se deve medir um sucesso de uma vida? (Henrique Neto)- Medir? Sucesso de uma vida? Isso quer dizer o quê? Qual a relevância?
2) Considera o recurso à violência pode ser legítimo em alguma circunstância e, se sim, em qual? (Marisa)- Típica provocação que tem na base de raciocínio que a esquerda radical é, sobretudo, revolucionária e, quiçá, terrorista. Ou seja, Marisa é uma hipócrita por estar ali, quando quer tomar o poder pelas armas...
3) O que pode levar um homem a perder a fé? (Edgar)- Ah ele foi padre e agora é comunista. O PCP quis jogar com um católico, num país de católicos, vamos lhe perguntar como é já não acreditar em Deus. Relevância?
4) Qual é a qualidade que mais aprecia e a característica que mais deplora? (Vitorino) - Qual a relevância deste assunto? Será um teste de verão?
5) O que mais teme perder na vida? (Cândido Ferreira)- Mais um teste de verão.
6) Qual é a sua ideia de felicidade? (Jorge Sequeira)- Ainda teste de verão.
7) Quais são as circunstâncias da vida em que a mentira é admissível? (Marcelo)- Ah aqui estamos a pensar no episódio Vichyssoise. Mas por que não perguntar directamente? Vergonha porque foi um episódio no passado? Mas então para quê puxar para a actualidade?
8) O que não consegue perdoar a alguém? (Nóvoa)- Teste de verão.
9) Acredita que toda a gente tem um preço? (Morais)- Se ele fala só de corrupção, vamos abordar a ideia de que a corrupção é sistémica. Relevância?
10) Não é uma contradição óbvia ter votado contra o Orçamento Rectificativo e agora achar que se devem aprovar os orçamentos seguintes? (Marisa)- O pequeno jogo dos jornalistas de tentar apanhar o interlocutor em contradição. Só que, às vezes, quer-se tanto arranjar uma contradição, que se perde o conteúdo.
11) Mas não se devem aprovar todos os OE? (Marisa)- Insistência na asneira. Que raio de pergunta é esta?
12) Admite não aprovar um OE? (Nóvoa)- Aqui a contradição que se pretende é entre o PS e Nóvoa. Criar uma situação difícil para testar a sua independência. Mas na realidade estamos a falar de quê? Não aprovar o OE por que razão? Parece um teste mal feito...
13) Em que circunstâncias é que não aprovará um OE? (Nóvoa)- Aqui a pergunta é mais clara e mais interessante. Não se entende por que não foi a primeira das perguntas, ainda que enviezada, porque não foi feita a mais nenhum candidato.
14) E qual é a sua posição sobre a redução do horário de trabalho para as 35 horas? (Nóvoa)- Uma pergunta razoável.
15) Não incomoda a diferença de regime entre Função Pública e o sector privado? (Nóvoa)- É uma pergunta interessante, mas o que tem pressuposto é não haver razão para reduzir a semana de trabalho na Função Pública.
16) Qual a sua posição sobre a redução do horário de trabalho da FP e a reversão do negócio da TAP? (Marcelo)- Para quê juntar estes dois temas? Para criar um molho e provocar uma reacção negativa à governação de Costa, gerar uma fonte de possível conflito?Por que não perguntar isoladamente?
17) Portanto, a devolução da sobretaxa, a redução do horário de trabalho, a subida do SMN não é demais? (Marcelo)- Se a primeira acumulação não resultou, aumenta-se a parada. Mas qual é a finalidade de fundo? Não está subjacente que o Governo está a fazer a reversão das medidas do Governo PSD/CDS sem olhar a meios?
18) Se o PCP falhar o apoio ao Governo e abrir uma crise política, o que fará o presidente Edgar Silva? (Edgar)- Pergunta que serve para testar a independência do candidato face ao Partido. Mas será que é o único candidato com ligações partidárias?
19) Não tem essa preocupação? [redução da dívida pública] (Edgar)- Pergunta feita numa interrupção da intervenção do candidato. Uma rasteira. Relevância? Seria interessante para colocar a verdadeira questão: a dimensão da dívida pública e como governar um país com as limitações orçamentais existentes? Mas como foi dito levianamente temn apenas pressuposto que se tem de pagar a dívida, pronto.
20) Isso significa que, num cenário de crise política, fará tudo para manter um governo, mesmo que vá contra a decisão do CC do PCP? (Edgar)- Nova insistência na questão da independência do candidato, agora com pormenores típicos de propaganda de direita e de quase defesa do "arco da governação". Para quê a referência ao Comité Central?
21) Redução da semana de trabalho da Função Pública e aumento do SMN, acha que é por aqui que a economia pode crescer? (Neto)- Qual a lógica desta pergunta? Alguém a defendeu como um instrumento para fazer crescer a economia? Essa é sua única função? Trata-se de uma forma de criticar as medidas.
22) As medidas enunciadas pelo Governo, no âmbito laboral, são boas para o crescimento? (Neto)- Insistência. Porque esta referência ao crescimento económico?
23) Acha que a estratégia de António Costa, nomeadamente da redução da semana de trabalho na FP, é a adequada para desenvolver o país? (Vitorino)- Nova pergunta que passa a ideia de crítica às medidas de Costa.
24) E como avalia a estratégia do Governo para reanimar a economia? (Vitorino)- Nova referência, desta vez com uma tonalidade mais neutra.
25) O que é a mentira: é não cumprir promessas eleitorais ou o programa do Governo? (Morais)- Qual a razão desta pergunta? Teste de verão.
26) Cobrar as promessas às políticos não lançaria o país numa instabilidade permanente e não tornaria o regime presidencialista e não semi-presidencialista? (Morais)- Qual o raciocínio subjacente a esta pergunta? A de que pôr em causa os políticos que mentem gera instabilidade? Ou apenas questionar a dose da medida de que se deveria demitir quem mente? Relevância?
27) Mas a realidade pode mudar... (Morais)- É uma desculpa para quem não cumpre as promessas? Até parece encaixar no que se passou com Passos Coelho em 2011.
28) Vetaria um OE [sem a gratuidade dos livros públicos]? (Morais)- Porquê esta insistência no veto do OE?
29) De qual dos governos PSD/CDS e PS está mais próximo? (Jorge Sequeira)- Expliquem-me a razão desta pergunta. É para testar a independência do candidato?
30) Qual deve ser o papel do PR, um vigilante? (Jorge Sequeira)- Ou esta?
31) Quem fez melhor, Passos Coelho ou pode ser António Costa [entrosamento com quem sabe nos sectores]? (Jorge Sequeira)- Para quê esta insistência?
32) Está mais direita ou mais à esquerda? (Jorge Sequeira)- Mesma pergunta feita de outra forma...
33) Mas a ideologia não acaba nos partidos... (Jorge Sequeira)- Novamente...
34) Sendo socialista, está iludido ou desiludido com a estratégia do Governo? (Cândido Ferreira)- Tentar que um socialista diga mal de Costa? É esta a intenção?
35) Reconhece que o seu posicionamento não é original, qual é a diferença em relação aos outros? (Custório Ferreira)- Poderia ser uma boa questão, mas surgiu apenas para não deixar o candidato solto sem invectiva por parte do moderador. Por que não foi a primeira pergunta?
36) Isso de tratar António Costa vale de quê? (Custódio Ferreira)- O que se pretende com esta pergunta? Tentar perceber a diferença efectiva face aos outros, porque o candidato disse que tratava Costa por tu e que isso o distinguia dos outros candidatos? Benignamente, foi uma forma de entender a ideia do candidato. Mas para quê?
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10 comentários:
Bem visto!
A inspiração jornalística vem certamente dos testes do Facebook. É só diversão...
"Qual a sua ideia de felicidade?"
Isto só se resolve com um comité central a formular questionários!
Caro José,
É verdade que a liberdade é igualmente a liberdade de fazer e dizer asneiras, mas igualmente a liberdade de comentar a asneira. É assim mesmo: coartar uma é limitar a liberdade e, com ela, a função essencial da comunicação social. É a vida e a vida faz-se de aprendizagem. Mas convém estar atentos. Até porque há comités centrais de diversa ordem. Um falso senso comum é um "comité central" sem votação.
Comité Central?
Mas isso não é linguagem um pouco trôpega?De idade avançada e com problemas na actualização de conhecimentos?
Há para aí umas pastilhas que podem ajudar.
Benm visto Dias ao seu bem visto!
Muito bem analisado.
Mas repare. O próprio JRA não se coibiu de, num post sobre a vergonha que foram as perguntas feitas na RTP e sobre a qualidade do jornalismo político em Portugal, colar essa análise à questão
"E por isso a sua concessão a televisões privadas foi objecto de contratos que, na verdade, não são vigiados nem controlados pelas autoridades públicas. O Estado cedeu às televisões um bem público de importância crucial."
Considerando o conteúdo e objectivo do post, e inclusivamente o facto de a entrevista ter ocorrido na RTP, qual a pertinência neste post do parágrafo que citei? Não será um mero reflexo revelador da posição das suas crenças (eu prefiro posição ideológica mas essa questão já foi discutida num post anterior)?
Faltou uma pergunta essencial: "Será o garante da defesa da Constituição e pugnará pelo bom relacionamento com os outros órgãos de soberania?"
Resposta de Marisa Matias: Defenderei sempre a Constituição, desde que não esteja em causa a manutenção de privilégios de políticos. Manterei um bom relacionamento com os restantes órgãos de soberania, excepto com o Tribunal Constitucional quando decide de forma vergonhosa.
Como podem estar chateados pelas criações humanas se estas mesmas criações são o sumo, a vitalidade da nossa existência? Talvez ainda longe da criação perfeita, estamos de certeza caminhando para la´.
As sociedades humanas tem uma dinâmica estrutural profícua …Os partidos políticos…Os sindicatos laborais e etc. Os Artistas individuais, os intelectuais desde as ciências sociais ate´ a ecologia são fruto dessa dinâmica societária.
Os congressos, as conferencias, as comissões, os comités centrais são também emanações dessa mesma dinâmica… Ora deixem que a vida siga o seu rumo certo…com a vossa contribuição, claro!
De Adelino Silva
"E por isso a sua concessão a televisões privadas foi objecto de contratos que, na verdade, não são vigiados nem controlados pelas autoridades públicas. O Estado cedeu às televisões um bem público de importância crucial."
Qualquer posição ideológica é sempre assumida voluntária ou involuntariamente.
Mas neste parágrafo só uma evidente posição ideológica escondida com o rabo de fora pode encontrar qualquer substância merecedora de reparo: Senão vejamos:
A concessão a televisões privadas foi objecto de contratos
Estes não são vigiados nem controlados pelas autoridades públicas
O Estado cedeu às televisões um bem público de importância crucial.
Três afirmações não só correctas como pertinentes para o esclarecimento do post.
O Presidente da República, no atual quadro constitucional tem poderes. Estou a pensar no poder de convocar extraordinariamente a Assembleia da República e no poder de recusar a demissão do Primeiro Ministro.
Todos podemos recordar que diversos Presidentes puderam influenciar a governação, não ao nível das medidas concretas, mas, através dos seus discursos, do que decorre de uma concreta visão estratégica do devir social, quer nacional, quer global.
Essa influência tem o suporte democrático do por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos portugueses eleitores recenseados no território nacional, bem como dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
Saber qual é a visão estratégica dos candidatos à Presidência da República é crucial.
As questões que foram colocadas aos candidatos refletem a nossa "portugalidade": falta de informação e de formação e uma visão pouco profunda da realidade.
essa "portugalidade" tem vindo a ser induzida por aqueles que desejam que, à semelhança do desejado por Salazar, que os portugueses saibam escrever e contar mas não mais que isso.
No mais, antes, dizia-se com ar impante que "a minha política é o trabalho" em associação com "manda quem pode e obedece quem deve". Agora privilegia-se a visão e o comentário de café, sem qualquer ponderação da profundidade, dos antecedentes, das consequências e dos objetivos das tomadas de posição.
Tal como antes, promove-se a "levesa" de pensamento, empurrando os cidadãos para uma iliteracia política que convém a quem pretende comandar um povo sem que este dê por isso.
Os entrevistadores são apenas os homens de mão daqueles que têm o poder de lhes dar emprego e estes aqueles que, sorrateiramente, acedem aos desejos dos que na sombra têm uma visão estratégica do país e do mundo que lhes permita manter o "manda quem pode e obedece quem deve", "devendo" o comum dos cidadãos ausentar-se de tomar uma qualquer posição política que não seja a do comentário alarve e inconsequente que é usual nos lugares públicos comuns.
Muito há fazer para que seja valorizada a opinião política séria. Como primeiro passo, importa que os que podem reconhecer esta situação a denunciem de forma reiterada e consequente, intervindo junto dos cidadãos, na sociedade civil, que de tal facto não se apercebam por tal não lhe ter sido permitido, por encaminhamento para a renúncia inconsciente aos seus direitos de cidadania.
Os entrevistadores devem ser incluídos como parte visível dessa manigância infernal de subalternização dos cidadãos.
Caros,
A minha referência aos contratos de concessão do espaço televisivo apenas foi feita para sublinhar o vazio político em que o Estado se colocou perante esse poderoso instrumento político. E a forma como a televisão pública se deixou contagiar pela forma de funcionamento das televisões privadas, é igualmente sinal disso. E a falta de profundidade de jornalistas da televisão pública ou o mimetismo da sua prática, numa função de entretenimento, é igualmente sintoma disso. Em vez de ter sido a prática jornalística pública a contagiar os jornalistas das televisões privadas, como deveria ser dada a função pública do espaço televisivo, foi precisamente o contrário do que se verificou.
Talvez faltasse dizer precisamente isso.
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