domingo, 25 de agosto de 2013

Preso por ter cão, preso não ter

Estranhos tempos estes na economia mundial. Os EUA e o Japão parecem recuperar a bom ritmo, conquanto as fontes do seu crescimento sejam diferentes. Na China, ninguém sabe muito bem o que se está a passar, com notícias contraditórias todas as semanas. Na Europa, a economia alemã parece estar a crescer, sobretudo graças aos aumentos reais de salários e ao crescimento da procura interna. Portugal, retirando todos os efeitos temporários que justificaram os surpreendentes resultados do segundo trimestre - a nova refinaria da Galp que impulsionou as exportações de combustíveis, os efeitos de calendário que influenciaram as contas do segundo trimestre, a aparente estabilização de salários e consumo, etc. -, também parece beneficiar desta nova conjuntura internacional. Estará o fim da crise à vista?

Sabemos que qualquer retoma económica impulsionada pela economia internacional será sempre destruída pelas novas ondas de austeridade doméstica que aí vêm. Daí toda a cautela colocada pelo Governo na leitura dos mais recentes números. Contudo, é interessante notar como, ignorando a austeridade interna, a retoma internacional tem claros efeitos contraditórios para uma economia altamente endividada como a portuguesa. Com as boas notícias vindas do outro lado do Atlântico, a Reserva Federal norte-americana anunciou o fim progressivo dos seus programas de injecção de liquidez no sistema financeiro. Os mercados, de forma exacerbada, reagiram. As taxas de juro da dívida americana (referência para toda o sistema) aumentaram, provocando um influxo de capitais a esta economia. As consequências são particularmente visíveis nos chamados países emergentes com mercados financeiros mais ou menos liberalizados (Brasil, Índia), para onde os capitais tinham afluído em busca de taxas de juro mais elevadas.

O que é que isto tem que ver com Portugal? Bem, o tão propalado regresso aos mercados da República Portuguesa baseia-se na esperança de captar fluxos de capitais externos atraídos pelas elevadas taxas de juro pagas pela dívida portuguesa, em comparação com outros activos. Esta "vantagem" desvaneceu-se aparentemente. Parece pouco provável que as taxas de juro venham a cair num futuro próximo. Se não bastasse este efeito perverso da recuperação económica norte-americana, outro se apresenta. O crescimento económico alemão resultou num normal aumento das taxas de juro da sua dívida soberana, uma vez que a necessidade de activos "seguros" diminui com a perspectiva de melhoria da economia. A taxa de juro de referência para a Portugal (dívida alemã à qual acresce um prémio de risco) está a aumentar. Mais uma vez, a perspectiva de descida da taxa de juro portuguesa não parece plausível.

A economia portuguesa parece encerrada numa situação de "preso por ter cão e preso por não ter", devido ao seu elevado endividamento externo. Se a economia internacional recupera, aumentamos as exportações, mas as taxas de juro aumentam. O rendimento que ganhamos de uma forma, perdemos de outra. Se, por outro lado, a economia internacional cai, diminuem as exportações, mas beneficiamos de uma taxa de juro mais baixa. O nó górdio da economia portuguesa torna-se saliente. Só um corte na dívida externa e um "ataque" às suas causas mais estruturais - inserção desigual e combinada na economia internacional, onde o euro assume carácter central - pode devolver a esperança.

1 comentário:

Henrique Ponte da Luz disse...

Boas caros,
UM PARADOXO CRÓNICO
Como na pescadinha-rabo-na-boca os mais distendidos tendem a encontrar-se posicionalmente no mesmo ponto vindo de direcções (ou sentidos) diametralmente oposta(o)s.
Assim se uns recusam a falta de solidariedade, outros aceitam o excesso desta. É no mínimo paradoxal considerar excessivo algo que sabemos não só não existe em abundância nas sociedades humanas,como também é algo que conceptualmente lhe é intrínseco existir em deficiência, e que essa mesma Solidariedade é considerada se não um dos grandes marcos de objectividade conceptual no Devir das sociedades humanas,é sem dúvida uma reverberação de consciência de que o próximo, acaba mais cedo ou mais tarde, por se envolver com o próprio, causando-lhe distúrbios (negativos ou positivos segundo a interpretação entrópica).
Assim, é relutante em termos evolutivos o recusar a solidariedade, mesmo assumindo que o posicionamento de quem o faz é, em determinado momento, energicamente inabalável ou mesmo que produz um efeito momentâneo de aumento de potencial individual.
O que Poiares Maduro faz, é seguir uma tendência que sopra forte na Europa ( Veja-se a proposta anti-Euro do AFD www.alternativefuer.de)e que se baseia no esquecimento, por parte de uma geração, do sofrimento colectivo experienciado na Humanidade e devidamente registado.
Isto não é ignorância,infelizmente é Inconsciência, e os resultados voltarão, como na pescadinha, a ressurgir.
Não desarmar, não desarmar, Lutar Amar!
(ssoltasdaluz.blogspot.pt)