quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Devedores e credores são co-responsáveis


Não deveria ser difícil perceber que para haver um devedor tem de haver um credor. Acontece que esta relação entre devedores e credores, interna e necessária, é sistematicamente ignorada por Merkel, pelos restantes líderes europeus e também pela esmagadora maioria dos jornalistas e comentadores que dominam o espaço mediático em Portugal.

Ocultar a relação umbilical entre os devedores e os credores da zona euro é condição essencial para que o discurso da culpabilização seja eficaz. Acontece que os saldos comerciais das economias da zona euro são determinados pelas estruturas produtivas que cada país desenvolveu, pela produtividade que as suas empresas conseguem alcançar, pela inflação estrutural que os caracteriza, pelas instituições e pela cultura que a sua história gerou.

Dito de uma forma abreviada, Grécia, Itália, Espanha e Portugal (a Irlanda é um caso muito específico) não têm economias que aguentem a concorrência dos produtos alemães e a abertura comercial desregulada aos produtos chineses. Consequentemente, as economias mais débeis da zona euro endividaram-se junto dos bancos das economias mais fortes. E estes promoveram activamente esse endividamento.
...

O euroliberalismo não reconhece que para haver um devedor tem de haver um credor e que ambos são responsáveis pelos desequilíbrios na zona euro. Por isso, mesmo que a Alemanha consiga pôr o BCE a financiar a Itália, a Espanha e os restantes países da zona euro, os desequilíbrios económicos estruturais que estão na raiz da presente crise permanecem. Como permanece o empobrecimento imposto aos devedores através de uma política económica errada e punitiva. Por quanto tempo, não sabemos, mas o golpe de misericórdia na ignorância e na crueldade institucionalizada acabará por chegar. Quanto mais cedo melhor.

(Do meu artigo no jornal i)

5 comentários:

Dias disse...

“Os desequilíbrios económicos estruturais que estão na raiz da presente crise permanecem” . Penso que é essencial compreender isto.

Temos que desobedecer, reestruturar a dívida ou sair do Euro, fazermos qualquer coisa para acelerar o golpe de misericórdia …. Comecemos pela greve geral!

António Carlos disse...

"Consequentemente, as economias mais débeis da zona euro endividaram-se junto dos bancos das economias mais fortes. E estes promoveram activamente esse endividamento."
A questão que se coloca é esta. Utilizaram os países que menciona, nomeadamente Portugal, o endividamento (a que acrescem os fundos estruturais) para alterar a sua estrutura produtiva? Porque não? E de quem é a responsabilidade por isso? Dos países credores?

Para concretizar a minha pergunta deixo só um exemplo: Fundo Social Europeu (e os famosos "cursos de formação").

Zumba no Caneco disse...

O AC tem toda a razäo. Em Portugal os fundos sociais europeus foram derretidos em auto-estradas que estäo vazias. Enquanto isso as estradas normais continuam dignas do 24 de Abril.

E nem falem nas ferrovias...

José disse...

Caro Jorge Bateira.

Diz a certo ponto do seu texo:
"Dito de uma forma abreviada, Grécia, Itália, Espanha e Portugal (a Irlanda é um caso muito específico) não têm economias que aguentem a concorrência dos produtos alemães e a abertura comercial desregulada aos produtos chineses."

No entanto, tanto quanto sei, a entrada da China na OMC, não tem grande impacto na evolução do défice da nossa balança comercial. É isto verdade o que estou a dizer? Se sim, de que forma se conjuga com esta parte do seu texto?

Obrigado

Jorge Bateira disse...

Caro José

A entrada da China na OMC teve grande impacto na periferia da zona euro e na França, não apenas em Portugal. Juntou-se a este choque a abertura da UE a Leste. Não se trata de defender aqui a autarcia, mas tão só de perceber que o país precisa de "gerir a abertura" ao comércio exterior e que isso é impossível np âmbito do euro-liberalismo instituído.
Cumprimentos.