sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ainda a recapitalização da banca

Já por várias vezes se denunciámos a situação de favor de que a banca beneficiou neste pais. Mas aqui chegados, anda muito mal quer a esquerda que apoia o governo nesta capitalização da banca, quer a esquerda que é contra a capitalização sem mais. Ou seja toda a esquerda é infeliz, mas por razões diferentes. A única posição decente é reconhecer que a banca precisa de capital e que só o Estado o pode facultar, via empréstimo externo. E isso é urgente.

O plano de recapitalização está mal desenhado. Dá um prazo de um ano para os bancos poderem, eles próprios, desalavancar os seus balanços e melhorar os seus rácios. O resultado é o previsível, menos crédito num ano em que a economia precisa dele como pão para a boca. A recapitalização por parte do Estado deveria ser, por isso, imediata e obrigatória, de forma a permitir uma concessão mais fluida de crédito.

Por outro lado, segundo o memorando de entendimento com a troika, o papel do Estado estará resumido ao de um accionista silencioso. Pelo contrário, há que garantir que o Estado é um accionista com plenos poderes de gestão desde o primeiro dia. As vantagens de ter o Estado como accionista activo são inúmeras: do maior controlo sobre o crédito e sua direcção ao acesso à informação sob o andamento da economia. Permitiria assim uma melhor regulação deste sector crucial porque o crédito, é preciso não esquecê-lo, é uma relação de informação, poder e confiança.

16 comentários:

sb disse...

clap clap clap

Diogo disse...

Caro Nuno Teles, não lhe fariam mal umas aulas de finanças. Bem pelo contrário. A sua frase seguinte é disso prova:

«A única posição decente é reconhecer que a banca precisa de capital e que só o Estado o pode facultar, via empréstimo externo. E isso é urgente.»


Comprei há meses um excelente livro - Política Monetária e Mercados Financeiros. O livro, síntese da experiência de ensino ao longo dos últimos dez anos dos autores Emanuel Reis Leão, Sérgio Chilra Lagoa e Pedro Reis Leão, na área da economia monetária e financeira, explica-nos, de forma muito simples, a forma como os bancos comerciais, em conluio com o Banco Central Europeu, perpetram diariamente um roubo de proporções inimagináveis às famílias, às empresas e aos Estados.



Logo no primeiro capítulo do livro este processo é descrito de forma magistral:

a) Um banco concede crédito a uma família no valor de 100.000€ para a compra de uma casa, creditando a conta de depósitos à ordem dessa família no montante de 100.000€.

b) Para essa operação, um funcionário do banco altera os números que estão registados informaticamente na conta à ordem da família, somando 100.000€ ao valor que lá se encontrava anteriormente.

c) Esse dinheiro não existia antes em lado nenhum. O banco cria-o a partir do nada - algum funcionário do banco altera os números que estão registados informaticamente na conta à ordem da família, somando 100.000€ ao valor que lá se encontrava anteriormente.

(CONTINUA)

Diogo disse...

(CONTINUAÇÃO)

d) O facto de, como resultado dessa operação, terem surgido mais 100.000€ de Depósitos à Ordem no passivo do banco, obriga a sua área de tesouraria a tomar medidas para que o banco continue a possuir reservas suficientes, tanto para cumprir as obrigações legais em termos de reservas (2% na Zona Euro), como para fazer face a eventuais cheques que a família venha a usar e satisfazer eventuais pedidos de conversão de Depósitos à Ordem em notas e moedas físicas pela família.

Dadas as situações simétricas entre bancos, em que, em média, a quantidade de notas, moedas e cheques que sai de cada banco é aproximadamente igual à que entra, o montante de reservas necessário para suportar o acréscimo de Depósitos à Ordem é comparativamente reduzido. Ou seja, para fazer face às exigências referidas para um empréstimo de 100.000€, o banco necessitará aproximadadmente de 3.500€ em reservas adicionais (1.500€ para cheques, notas e moedas, e 2.000€ para reservas legais).

e) Estas «operações» são tornadas possíveis porque os bancos comerciais funcionam em circuito fechado - o dinheiro levantado num banco é depositado noutro, e actuam sob a batuta dos bancos centrais, na sua maioria privados ou geridos por privados, que determinam as taxas directoras e regulam os movimentos financeiros entre os bancos comerciais.

f) Findo o prazo do empréstimo, a família pagou ao banco os 100.000€ que pediu emprestado (e que o banco criou a partir do nada), e, muito provavelmente, pagou em juros uma quantia várias vezes superior ao valor do empréstimo.


Esta fraude sem nome acontece quotidianamente em todos os empréstimos dos bancos comerciais às famílias, às empresas e aos Estados. Haverá roubo maior na história da civilização?

Recapitalização, diz você?

João Carlos Graça disse...

Caro Nuno
Parabéns pela atitude "pró-activa" (desculpe lá, admito que não gosto da palavra, mas tem de se reconhecer que aqui se aplica que nem uma luva).
Precisamos de muito, muito, muito mais disso à esquerda.
Nem os "infelizes" que se põem a resmungar contra a actividade creditícia em geral (como se isso fizesse algum sentido), nem os outros que, em nome do "realismo", chegam sempre tarde aos problemas e acabam assim por funcionar como "eternos otários".
A posição do Nuno corresponde, de facto, ao "juste milieu".
O corolário fica por minha conta: NACIONALIZAÇÃO DE TODA A BANCA, JÁ!
Em dia 25 de Novembro, nada como uma palavra de ordem de 11 de Março para combater a depressão nacional...
PS: atenção à falta concordância verbal na entrada do post ("denunciámos", ou "se denunciou", mas não "se denunciámos").
Um abraço.

Nuno teles disse...

Caro Diogo,

O manual de que fala é excelente. Obrigado, já o li. Convém é ler até ao fim...

Nuno Teles

Dias disse...

Muito bem, caro Nuno!
Tudo se vai tornando mais claro. Propositadamente mal desenhado e a recapitalização a ser feita sobre as costas de uma imensa maioria.

Diogo disse...

Caro Nuno Teles,

Não se fique pelas meias palavras. O que é que há no resto do livro que contrarie o que é dito no primeiro capítulo, ou seja, aquilo que deixei no meu comentário anterior? Pode-me elucidar? É que em troca de emails com Emanuel Reis Leão, um dos autores do livro, este não infirmou nada do que foi dito.

Abraço

Diogo disse...

E, caro Nuno, ainda sobre a "recapitalização", ouçamos igualmente as palavras de Murray N. Rothbard [Professor de economia e liberal da Escola Austríaca] quando fala da gigantesca fraude bancária que os bancos comerciais têm vindo a praticar até aos nossos dias:


"Desde então, os bancos têm criado habitualmente recibos de depósitos, originalmente notas de banco e hoje depósitos, a partir do nada [out of thin air].

Essencialmente, são contrafactores de falsos recibos de depósitos de activos líquidos ou dinheiro padrão, que circulam como se fossem genuínos, como as notas ou contas de cheques completamente assegurados."

"Os bancos criam dinheiro literalmente a partir do nada, hoje em dia exclusivamente depósitos em vez de notas de banco. Este tipo de fraude ou contrafacção é dignificado pelo termo reservas mínimas bancárias [fractional-reserve banking], o que significa que os depósitos bancários são sustentados apenas por uma pequena fracção de activos líquidos que prometem ter à mão para redimir os seus depósitos."

SFF disse...

"Essencialmente, são contrafactores de falsos recibos de depósitos de activos líquidos ou dinheiro padrão, que circulam como se fossem genuínos, como as notas ou contas de cheques completamente assegurados."

Bem, partindo do princípio que o dinheiro que eles criam é falso, é fácil concluir que essa actividade bancária é uma fraude... Porque é que "criar dinheiro a partir do nada" não pode ser legítmo para determinadas instituições?

Diogo disse...

SFF,

Pode ser legítimo desde que seja feito por Estados ou por instituições totalmente controladas por Estados. A criação de dinheiro não pode nunca, de forma nenhuma, estar à discrição de privados tal como acontece agora.

São estes contrafactores, estes falsificadores, que o Nuno Teles acha por bem que o Estado deve refinanciar. O absurdo é tal que não podemos deixar de sorrir.

Anónimo disse...

Partindo da premissa que não tenho argumentos para pôr em causa - a de que é necessário recapitalizar a banca, não fazia sentido que apenas se recapitaliza-se a banca que ainda é do Estado (CGD), que poderia começar a conceder o crédito necessário para revitalizar a economia, e que os bancos privados deveriam recapitalizar-se junto desta, na medida que a política de créditos destes bancos depende dos próprios?

Ricardo Reis disse...

Caro Diogo,

Está mesmo a dizer a um licenciado e mestre em economia que precisa de umas aulas de finanças para aprender algo que se calhar já sabe desde o primeiro ano do curso?

Parabéns, descobriu o fractional-reserve banking (http://en.wikipedia.org/wiki/Fractional-reserve_banking), o money multiplier (http://en.wikipedia.org/wiki/Money_multiplier) e a criação monetária pelo crédito (http://en.wikipedia.org/wiki/Money_creation#Money_creation_through_the_fractional_reserve_system).

A verdade é que se fosse um negócio tão bom como o Diogo quer fazer crer:

a) os bancos não tinham de pedir dinheiro a outros bancos;
b)os bancos tinhas lucros consistentemente superiores a 100%
c) nenhum banco iria à falência ou teria de ser intervencionado pelo Estado, excepto no caso de uma corrida ao banco.

O sistema de reservas fracionário tem muitos problemas, e há muitos economistas que defendem que os bancos só deveriam poder emprestar dinheiro que têm nas suas reservas. Mas não é a galinha dos ovos de ouro que o Diogo acha que é. Para controlar a criação monetária pelo crédito existem pelo menos dois mecanismos: o reserve ratio (http://en.wikipedia.org/wiki/Reserve_ratio) e o capital adequacy ratio (http://en.wikipedia.org/wiki/Capital_adequacy_ratio).

Diogo disse...

Caro Ricardo Reis,

Estou a dizer isso mesmo. Eu sou licenciado em Gestão de Sistema e Tecnologias de Informação. E, embora, no curso se tenha aflorado que os depósitos à ordem criam dinheiro, o assunto nunca foi desenvolvido, e, ainda menos, tiradas conclusões.

Ricardo Reis - a) Os bancos não tinham de pedir dinheiro a outros bancos.

a) Os empréstimos são normalmente a muito curto prazo: uma semana ou de um dia para o outro e destinam-se tão só a acertos de contas diários.
E se não fosse assim, para que seriam necessários leilões semanais do BCE e os empréstimos overnight, onde este recebe o dinheiro que emprestou na semana ou dia anterior, e volta novamente a emprestar no dia seguinte?


Ricardo Reis - b) Os bancos tenham lucros consistentemente superiores a 100%.

b) Que sabemos nós dos lucros dos bancos? Quantas contabilidades paralelas podem ter? O caso BPN não é paradigmático? É tão fácil afirmar que um investimento correu mal e que o dinheiro se evaporou…


Ricardo Reis - c) Nenhum banco iria à falência ou teria de ser intervencionado pelo Estado, excepto no caso de uma corrida ao banco.

c) Hoje, todos os bancos fazem parte de um monopólio bancário mundial. Os bancos hoje não vão à falência. O que acontece é que esse monopólio decide - «para criar crises financeiras» - fechar um ou mais dos seus balcões. Crise de uma coisa que é criada a partir do nada (out of thin air)? Se você tivesse uma máquina de falsificação de dinheiro, ia à falência?


O sistema de reservas fracionário é, e de que maneira, uma galinha dos ovos de ouro. Acima, coloquei um comentário, transcrito literalmente do livro - Política Monetária e Mercados Financeiros, que o descreve bem. Porque não o desmonta? Ou porque não lhe aponta os dificuldades.

Ricardo Reis disse...

Caro Diogo,

Não vejo porque é que uma licenciatura em Gestão de Sistemas e Tecnologias de Informoção lohe haveria de fornecer sólidos conceitos de banca e política monetária. Já uma licenciatura e mestrado em Economia, teria de lhe fornecer esses conceitos. Depois, como o próprio Nuno Teles já disse, ele próprio leu o livro de que fala (e certamente que leu muitos outros livros sobre o tema, tanto com a perspectiva mainstream como a heterodoxa). Portanto, quanto à preparação académica do autor do post, estamos conversados. Se o Nuno Teles quiser prestar esclarecimentos adicionais, seriam muito bem-vindos, pelo menos da minha parte.

a) a questão é, se os bancos realmente pudessem criar dinheiro out of thin air, não precisariam de pedir esses empréstimos. E agradecia que fornecesse dados que confirmassem as suas afirmações.

b) Se vai começar com teorias da consporação, mais vale acabarmos a discussão agora mesmo. É que as teorias da conspiração têm uma particularidade que as torna imunes à análise crítica: não são falsificáveis. Já discuti com muitos teóricos da conspiração para perceber que, por mais convincentes que sejam os argumentos que lhes apresentemos, eles invocam sempre que estão na posse de dados que não estão disponíveis ao comum dos mortais, e que os dados a que os cépticos recorrem são manipulados pela NWO, por répteis humanóides (true story), etc.

Os bancos têm de prestar contas aos seus acionistas e estas têm de ser conformes à legislação. Se os seus acionistas tiverem razões para duvidar da veracidade destas contas, mudam os seus investimentos para outros activos, é tão simples quanto isso. E os bancos vão relatando aumentos e diminuições de lucro, como seria de esperar caso estivessem a ser honestos. Portanto, a não ser que tenha provas conclusivas e peer-reviewed que os lucros reportados pelos bancos são falsos e que os lucros reais são superiores a 100%, também estamos conversados quanto a isto. O BPN não é paradigmático. O caso BPN prova duas coisas:

1) os bancos podem ir à falência e ser nacionalizados pelo Estado (ao contrário do que o Diogo diz no ponto seguinte).
2) a Justiça pode detectar falcatruas do sistema bancário e agir em conformidade.

Repare que se as coisas funcionassem como o Diogo acha que funcionam, nós não teríamos conhecimento do caso BPN. Esta falácia é extremamente comum entre teóricos da conspiração: invocar fraudes que foram descobertas pelos mecanismos legais para invocar que as fraudes são cometidas (ninguém nega que isso acontece) sem que isso alguma vez venha a ser descoberto. Ora, é impressão minha, ou estes casos provam exactamente o contrário?

c) Novamente, teoria da conspiração. Os bancos funcionam num regime de concorrência, e competem pelos depósitos e empréstimos dos seus clientes, como demonstra o seu investimento em marketing e publicidade. Eu tenho a opção de depositar o meu dinheiro na CGD ou no BCP. O Belmiro de Azevedo ou a SONAE SGPS também. Isso é concorrência. Os bancos vão à falência ou são intervencionados pelos Estados quando são considerados too big to fail. Exemplos: http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_largest_U.S._bank_failures http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_acquired_or_bankrupt_United_States_banks_in_the_late_2000s_financial_crisis

O raciocínio por trás do sistema de reservas fracionário é o comportamento lógico de pessoa que decida abrir um banco: se eu sei que apenas cerca de 10% do dinheiro que as pessoas têm depositado no meu banco é levantado, em qualquer momento, e se a minha forma de obter lucro é emprestando dinheiro às pessoas a uma taxa de juro superior à que eu pago aos depositantes, então faz sentido que eu empreste os restantes 90% do dinheiro depositado, maximizando assim o meu lucro. Foi este o raciocínio dos primeiros banqueiros. Como o sistema foi funcionando relativamente bem (as corridas aos bancos para são relativamente raras), os governos permitiram que ele se perpetuasse.

CONTINUA

Ricardo Reis disse...

Quanto ao livro: não li o livro e nunca me propus a desmontar os argumentos do livro, apenas os argumentos do Diogo. Se quer encontrar os contra argumentos às ideias expressas nesse livro (que eu duvido que queira: confirmation bias), basta ler qualquer livro ou artigo de um economista mainstream sobre o sistema de reservas fracionário.

Diogo disse...

Caro Ricardo Reis,

Este nosso debate que está situado num post que, de dia para dia, vai ficando cada vez mais para baixo, vai-se tornando difícil.

O meu email é: diogoarsousa@gmail.com

Se me quiser dar o seu, podemos continuar a conversa.