terça-feira, 28 de setembro de 2010

Do euro à rua


Através do Público, cheguei a um artigo do Financial Times, assinado por um conjunto de economistas europeus e subscrito por personalidades como Delors, Prodi e Fisher, a pedir a imediata e permanente activação do fundo de estabilização financeiro cozinhado em Maio. Até aqui, tudo bem. A activação do fundo permitiria aos estados da zona-euro, em aflição nos mercados internacionais, o acesso a empréstimos com juros bastantes mais baixos. Com juros mais baixos, descem a despesa e o défice, sem qualquer efeito recessivo na economia.

No entanto, ao lermos todo o artigo, percebemos bem quais as motivações por detrás dele. A estabilidade do sistema financeiro europeu e a sobrevivência do euro comandam a proposta. Não há aqui uma palavra sobre crescimento ou coesão. Pelo contrário, o que observamos é um pedido para uma severa “consolidação” orçamental orquestrada pela Comissão Europeia como contrapartida. Os orçamentos de estado passariam assim a ser desenhados por uma entidade não eleita. Mas mais interessante é ver o apelo para que se promova um modelo formal para reestruturações de dívida soberana, indo de encontro ao que escrevi sobre a possibilidade de uma reestruturação liderada pelos credores. Isto, assim, não vai acabar bem…

O euro, como está instituído, bem pode ganhar tempo de vida à custa da recessão dos países periféricos. Contudo, sem uma refundação deste, os problemas estruturais mantêm-se. Hoje, Merkel confessou as vantagens do euro para a economia alemã através do argumento da inexistência de volatilidade cambial na zona euro, o que favorece as suas exportações. Esqueceu-se da outra parte da história. De como graças a taxas de inflação mais baixas, uma maior compressão dos seus trabalhadores e uma política monetária do BCE ao seu serviço, a Alemanha ganhou competitividade face aos restantes países europeus, agora impedidos de se ajustar pelo câmbio.

Dito isto, e contrariando a medina-carneirice reinante, é tempo de mostrar que existem alternativas ao nível europeu, regional e nacional. Mais, é tempo de reivindicar uma Europa ao serviço dos seus cidadãos e não do capital financeiro. Por isso, a jornada de contestação europeia de amanhã, dia 29, a ter lugar por toda Europa, incluindo Porto e Lisboa, pode ser o início de uma mudança da correlação de forças sociais em favor de quem trabalha e mais precisa. Todos à manif.

3 comentários:

Anónimo disse...

Será do "plano inclinado" da informaçâo no país?
Os portugueses, esses coitados, continuam a achar-se todos berlinenses...

JP Santos disse...

Devo dizer que li com interesse o relatório do RMF de Setembro que está bastante bem documentado, mas cuja parte essencial é obviamente o capitulo 5 onde se elencam as alternativas e sinceramente nenhuma delas é particularmente atractiva. Basta dizer que para sobre a alternativa de reestruturação liderada pelos devedores (debtor-led default) que no fundo corresponde a uma suspensão unilateral dos pagamentos se refere que comporta riscos significativos: - o corte do acesso aos mercados de capital durante um período (curiosamente os autores preocupam-se com a questão das exportações esquecendo-se de mencionar os impactos sobre as importações de bens essenciais como os bens alimentares e combustíveis); - o colapso do sistema bancário; ou, - as pressões inflaccionistas com consequência potencialmente desastrosas sobre os salários reais.
Apresentando como "vantagens" desta opção o facto de poder assinalar uma "transformação radical da economia e da sociedade" e o "inicio de uma viragem anti-capitalista" da periferia da zona euro.

E confesso que me chocou a ingenuidade da análise de uma opção que nos conduziria ou à situação de uma Coreia do Norte, ou o que em meu entender a uma situação similar à que ocorreu na Argentina em 2001-2002 (que como os autores descrevem conduziu a uma queda do PIB superior a 20% !!, taxas de desemprego de 25% !!e taxas de pobreza superiores a 57%!!) e que poderia conduzir a Europa a uma situação similar à vivida no período entre a I e a II Guerras Mundiais.

Carlos Albuquerque disse...

Ou seja, saltar da frigideira para o fogo...