sábado, 21 de novembro de 2009

Sem taxas!

"As taxas não financiam. As taxas não moderam. As taxas só complicam o funcionamento dos serviços, quer para as cobrar quer para receber as que estão em dívida.

As taxas são inúteis e são, de facto, taxas de utilização. Os portugueses já pagam através dos seus impostos os serviços de saúde e, por isso mesmo, não é legítimo cobrar-lhes mais qualquer outro valor, chame-se taxa, co-pagamento, comparticipação ou seja o que for.

As taxas são por isso ilegítimas. Todas elas, não há taxas boas e taxas más, taxas que são razoáveis e taxas que o não são.

Não há critério válido para distinguir o que é decidido pelo profissional do que é supostamente imposto pela vontade do doente. O SNS não se move pelos impulsos dos doentes mas sim pela racionalidade das decisões dos médicos."

João Semedo

11 comentários:

joaozinho disse...

meu caro, acho que as taxas moderadoras nada têm a ver com os profissionais (médicos, enfermeiros, administrativos, etc.). têm a ver sim com decisões políticas

Pedro Carvalho disse...

No meu entender, se quisermos defender o SNS, e como tal, a prestação de cuidados de saúde públicos, um dos postulados terá de ser a sustentabilidade. Nesse sentido defendo a ideia de taxa moderadora.

As taxas, quando devidamente tabeladas em função dos rendimentos dos utentes (perdoem o termo "utente") ajudarão à sustentabilidade do serviço. Não se trata de impedir que alguém usufrua de cuidados médicos, tratasse de exigir a contribuição a quem a pode dar. E quando as despesas de saúde, por toda essa Europa, atingem já os 10% do PIB, falamos de um caso sério.

Sem demagogias de esquerda, a verdadeira esquerda do serviço universal deveria defender isto. Caso contrário, defende a termideira de daqui a uns anos não haver dinheiro para a modernização dos equipamentos, pagamento aos funcionários e material médico. E isso não é de Esquerda, a não ser, sem qualquer desprimor, da soviética.

Miguel Lopes disse...

Que arrazoado mal amanhado, este do comentador anterior. Então ele diz que defende a "ideia de taxa moderadora" para logo de seguida se desmentir na afirmação de que é ela que irá garantir a sustentabilidade do SNS. Ó amigo, então você não defende taxa moderadora nenhuma, você defende um co-pagamento. A taxa moderadora serve para moderar, não serve para financiar.
Acresce que essa ideia do co-pagamento consoante os rendimentos não é mais do que uma duplicação de tarefas com segundos objectivos, porque o financiamento consoante a capacidade contributiva já é feito pela nossa máquina fiscal. A "contribuição a quem a pode dar" são os nossos impostos progressivos, o Estado não é nenhuma lata de esmolas. Para quê partir o financiamento em dois? Será para habituar as pessoas à ideia de pagar serviços de saúde? Ou será para atirar com toda a classe média e alta para o privado?
E veja lá se dá melhor uso ao remoque 'soviético' ou 'demagógico'...é que os restantes leitores podem ser insensíveis a esses toques de cotovelo...

Pedro Carvalho disse...

Tem razão, sendo específico nos termos, trata-se de co-pagamento. Por aí as minhas desculpas pela imprecisão.

Em relação ao "duplos objectivos", não descortino, mas defendo que os serviços devem ser moderados, mesmos os públicos, pela mesma questão de sustentabilidade. Senão seria como um mercado de oferta infinitamente elástica a um preço de zero. Ora eu penso que era isto que uma taxa moderadora fazia, dar a percepção à população de que os serviços têm um custo, não os impedindo de aceder a qualquer serviço. Na verdade, o grande obstáculo que eu vejo à minha própria defesa, é o facto de a folha de rendimentos poder ser errónea face ao verdadeiro valor dos rendimentos devido à evasão fiscal. Em relação à pergunta que deixa, não acho que a classe alta e média passasse a ir mais ao privado. A razão é a competitividade. Os serviços públicos de saúde devem estar ao mesmo nível do que os privados, a única diferença deveria ser as receitas (impostos no público Vs pagamentos privados). Aliás, sem qualquer desprimor, penso que não concordamos por uma questão de financiamento.

Em relação aos termos do último paragrafo, não eram ofensivos a ninguém, apenas crísticos da ideia. Por exemplo, referi-me a "soviético" para exprimir como a logística faliu e os serviços colapsaram. Assim como me poderia referir à "negociata dos seguros capitalista". Não era ofensivo.

Miguel Lopes disse...

"Em relação ao "duplos objectivos", não descortino, mas defendo que os serviços devem ser moderados, mesmos os públicos, pela mesma questão de sustentabilidade."

Já existe um critério de moderação, chama-se Triagem de Manchester.

"Senão seria como um mercado de oferta infinitamente elástica a um preço de zero."

A oferta infinitamente elástica já é insensível à variação dos preços por definição, sejam eles zero ou mil.
Pois é isso mesmo que se quer para a saúde. Nós consumimos quando precisamos e o Estado paga. São Bens de Mérito, deixados ao mercado são sub-produzidos, e por isso sub-consumidos, o que dá origem a externalidades negativas.
Basta referir a medicina preventiva para perceber que o mercado é ineficiente no que toca à saúde. Um utente não tem a informação suficiente para decidir quando é que se tem que abster de ir ou não ao hospital.. quantas não são as situações em que o utente, na dúvida, pensa que "não deve ser nada", adiando a detecção preventiva de qualquer anomalia que se desenvolve e acaba a dar origem a uma intervenção mais invasiva, e com custos mais agravados para o utente e para o Estado, do que a mera taxa "moderadora"?!?!

"dar a percepção à população de que os serviços têm um custo"

Essa percepção bate na testa de todos os contribuintes aquando do pagamento dos respectivos impostos.

"Na verdade, o grande obstáculo que eu vejo à minha própria defesa, é o facto de a folha de rendimentos poder ser errónea face ao verdadeiro valor dos rendimentos devido à evasão fiscal."

Outro departamento. Não creio que se devam taxar os serviços públicos apenas porque existe fraude e evasão fiscal.

"não acho que a classe alta e média passasse a ir mais ao privado."

Mantendo tudo o resto constante, um aumento dos custos no público para a classe média e alta...

"referi-me a "soviético" para exprimir como a logística faliu e os serviços colapsaram."

Estamos apenas a falar da saúde, que tem características próprias e não de toda a economia. Mas se achar que a saúde pública, universal e gratuita é uma ideia soviética.. soviético me confesso =)

Cumprimentos

Pedro Carvalho disse...

Quando falei de qualidade dos serviços de saúde falei também em qualidade precisamente para dar "dinâmica" àquilo que defendo, por isso não acredito que tudo o resto ficasse constante com as taxas moderadoras, ou co-pagamentos, ou qualquer outra forma de financiamento. Pelo contrário, tenho medo que entre em decadência por falta de meios financeiros, e por falta de escrúpulos políticos para o denunciar. Também não acredito que as pessoas se apercebam dos custos em que os estado incorre para as tratar. Não ignoro as distorções do mercado, o fenómeno da "procura induzida" é um drama por exemplo.

Enfim, trata-se de um hiato de posições, eterna eficiência-equidade e uma fé na sapiência do povo que eu não tenho. Boa discussão!

Cumprimentos

Miguel Lopes disse...

"não acredito que tudo o resto ficasse constante com as taxas moderadoras, ou co-pagamentos, ou qualquer outra forma de financiamento."

Pois não ficava constante, ficava pior pelas razões que expliquei em cima. Recapitulando: a taxa distorce o princípio da capacidade contributiva e procura criar um filtro sem qualquer base clínica; não é ao utente que cabe decidir se fica em casa ou não consoante o peso da taxa na sua carteira, isso cabe aos médicos.

"Pelo contrário, tenho medo que entre em decadência por falta de meios financeiros"

Falso dilema, típica falácia argumentativa. Ou há taxas moderadoras ou entra em decadência por falta de meios financeiros.. mas porque é que não pode ser todo financiado pelos nossos impostos?

Cumprimentos

Pedro Carvalho disse...

Porque isso só empolaria a distorção que são os mercados. Daí, a subida de impostos não ser exequível, principalmente mantendo a cadência de subida dos gastos na saúde.

Em relação ao ceteris paribus, não ficava tudo igual, mas não ficava tudo pior como diz. A procura de cuidados de saúde elásticos, isto é, aqueles a que sabemos que o preço do serviço tem impacto na sua procura, reduziria. Reduzir-se-ia a procura excessiva que todos nós sabemos que existe. Sem que ninguém fosse impedido de usufruir de nada, através do pagamento de acordo com os rendimentos a que chamou "caixa de esmolas". Não há aqui nenhum filtro ou triagem económica. Não é eficiente ter como único factor de financiamento os rendimentos. O maior ou menor uso do serviço tem de ser tido em conta.

Miguel Lopes disse...

"Porque isso só empolaria a distorção que são os mercados."

Ao contrário. Só a provisão pública desses bens é que corrige essa distorção do mercado como argumentei em cima: se se colocarem filtros pecuniários, esses bens são sub-consumidos, gerando externalidades negativas.

"Daí, a subida de impostos não ser exequível, principalmente mantendo a cadência de subida dos gastos na saúde."

Isso só seria válido com crescimento nulo. E para além disso, há muito a fazer em termos de justiça fiscal. Há muitos rendimentos que ainda não são taxados e outros que deixaram de o ser. Não seria necessário um aumento de impostos se outros fossem criados.

"A procura de cuidados de saúde elásticos, isto é, aqueles a que sabemos que o preço do serviço tem impacto na sua procura, reduziria. Reduzir-se-ia a procura excessiva que todos nós sabemos que existe."

E essa redução é perniciosa porque não cabe ao dinheiro, nem ao utente, moderar cuidados de saúde. O utente não tem a informação para fazer essa decisão e em caso de dúvida deve sempre dirigir-se ao hospital; o filtro feito pelo dinheiro não tem critérios clínicos.
O que resulta é a triagem, ou seja, há um incentivo para não ir para as urgências com uma enxaqueca, que é ficar o dia todo à espera.

"Não é eficiente ter como único factor de financiamento os rendimentos. O maior ou menor uso do serviço tem de ser tido em conta."

Discordo. Esse é o método mais eficiente porque todos os outros geram externalidades negativas.

Cumprimentos

Pedro Carvalho disse...

Os bens neste momento são sobre-consumidos, o que o leva a pensar que possam ser sub-consumidos?

A provisão pública deve ser vista como forma de corrigir, de facto, mercados cujas caractr´sisticas não permitem a auto regulação, mas isso não leva a que a provisão pública seja um ponto óptimo, tem sido, aliás, um ponto de sobre-consumo.

Como disse e bem, num dos primeiros comments, a tributação é outro departamento, logo a "justiça fiscal" também, mas assumindo o que diz, da criação e extinção de impostos, o total da receita dessas manobras fiscais legítimas, seria sempre a de um agravamento, dado que preconiza que os impostos financiem os gastos em saúde e os gastos estão a subir, logo, seria sempre um aumento dos impostos e portanto da distorção.

A questão do cenário de crescimento nulo tem mais que se lhe diga. Estamos a falar de aumento de impostos em percentagem ou em receita? É que o que tem de aumentar é a receita para pagar os gastos de saúde, e com um crescimento em média de 1% nos últimos 10 anos, o crescimento per si não resolve, logo, a taxação tem de aumentar.

Por fim, uma dúvida honesta. Como é que o pagamento dos cuidados de saúde, em função da sua utilização, gera externalidades negativas? Está a referir-se à sua crença de que os doentes não vão ao médico pelo filtro pecuniário (que como lhe digo, sendo tido em conta as possibilidades de cada um pagar não é relevante à decisão), ou refere-se a outra coisa que não descortino?

Cumprimentos

Miguel Lopes disse...

"Os bens neste momento são sobre-consumidos, o que o leva a pensar que possam ser sub-consumidos?"

O facto de existirem taxas "moderadoras", enormes listas de espera e especialidades, como a psicologia ou a medicina dentária, fora da provisão pública.

"mas isso não leva a que a provisão pública seja um ponto óptimo, tem sido, aliás, um ponto de sobre-consumo."

A provisão pública é um ponto óptimo. Se calhar em casos de pandemia, até se devesse pagar às pessoas para serem vacinadas.

"o total da receita dessas manobras fiscais legítimas, seria sempre a de um agravamento"

Sim, um agravamento mas com mais equidade.. desagravando impostos regressivos e aumentando os impostos progressivos.

"Estamos a falar de aumento de impostos em percentagem ou em receita?"

Receita caso haja crescimento que possa acompanhar o aumento dos gastos públicos e percentagem caso não haja crescimento que possa acompanhar esse mesmo aumento.

"Como é que o pagamento dos cuidados de saúde, em função da sua utilização, gera externalidades negativas?"

Os benefícios pessoais dos bens de mérito são inferiores aos seus benefícios sociais, e ao dar ao utente a possibilidade de poder poupar nas taxas e abster-se de ir ao hospital, temos que compreender que essa opção (que as taxas o levaram a tomar) não o afecta só a ele. Nós não vivemos numa redoma, isolados uns dos outros. Se eu decido não tratar uma doença contagiosa, acabo a espalhá-la por todos os outros. Ou se não faço um check-up médico para poupar nas taxas, posso não estar a prevenir uma doença que ao alastrar levará a um acréscimo de custos e perda de bem-estar.
Isto para dizer que na saúde, a decisão não pode ser do utente, nem se podem por barreiras entre o utente e o médico. Ele não tem a informação para fazer uma "escolha óptima", que é que o se está a induzir no utente quando se cobra.

Cumprimentos