terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Défice de diálogo social: resposta a Rui Pena Pires (III)

4. Além disso, RPP acusa-me de “O problema do André é que a este respeito faz apenas discurso ideológico e do mais enviesado.” Esta argumentação tem dois problemas fundamentais. Primeiro, não tem qualquer base empírica porque há várias pessoas, de vários quadrantes (nomeadamente da área do PS), e com elevado prestígio académico, que, tal como eu, têm uma visão crítica do que se tem passado na educação. Vejamos apenas quatro exemplos porque este conjunto de três postas já vai longo e eu não quero maçar mais os leitores:

a) Dizia, por exemplo, José Madureira Pinto (Público de 9/3/08), um eminentíssimo sociólogo português e antigo assessor principal do Presidente Jorge Sampaio (da área socialista, portanto!): “Foi esta a armadilha intelectual em que se deixou cair a equipa ministerial, quase desde o momento em que iniciou funções. Daí à hostilização sistemática dos professores, habilmente mediada pelo ataque às suas estruturas sindicais, não foi senão um passo. Numa altura em que os teóricos da organização e gestão empresarial defendem cada vez mais a importância do envolvimento e participação criativa dos trabalhadores (…), desconfiando dos que teimam em racionalizar e controlar os comportamentos no espaço do trabalho (…), a obsessão «gestionária» do Governo no modo de conceber a actividade docente (…) tem o seu quê de anacrónico.”

b) Dizia, por exemplo, o investigador coordenador do ICS-UL, Manuel Villaverde Cabral, outro eminentíssimo sociólogo e historiador português (conhecido pela sua independência face aos diferentes partidos políticos), ao Público/P2 (28/11/08): “Não se pode ser «autoritário» com os professores, fazer deles «o bode expiatório do insucesso escolar», ser «liberal» com os alunos e completamente populista com as chamadas famílias - que, de forma geral, não são capazes nem fazem qualquer esforço para apoiar os filhos no processo de aprendizagem -, quando toda a gente sabe que, em qualquer sociedade, os alunos só têm êxito quando os pais entram com a sua quota-parte de esforço!”

c) Veja-se, ainda, a finalizar a análise contundente do prestigiado filósofo José Gil, citado na posta do meu amigo Jorge Bateira, “Abuso do poder”, num artigo intitulado “A domesticação da sociedade” (Visão, 2/10/08), de que retiro apenas uma passagem: “No processo de domesticação da sociedade, a teimosia do primeiro-ministro e da sua ministra da Educação são técnicas terríveis de fabricação de subjectividades obedientes”.

d) E, finalmente, também concorda comigo a ministra da Saúde (do PS e do governo em funções), a médica Ana Jorge:

“Sou do sector da Saúde, e ninguém faz reformas numa situação conflituosa da população e dos profissionais (declarações ao Expresso, 29/11/08).”

Este governo (e o PS) parecem estar, aliás, esquizofrenicamente divididos em duas facções, uma que, tal como sempre foi a tradição do PS, acredita profundamente no diálogo social e na necessidade imperiosa de mobilizar os profissionais para que as reformas, em qualquer sector, possam ser bem sucedidas; e outra (que por ora parece ser dominante) que, ao contrário do que sempre foi a tradição do PS, pensa que “só se fazem reformas contra os profissionais”.


5. O segundo problema fundamental da acusação de RPP de que eu faço “(…) discurso ideológico e do mais enviesado”, é que estas afirmações de RPP não têm qualquer credibilidade porque vem de alguém que se tem evidenciado recentemente, sobretudo, pelo seu proselitismo partidário.

6. Repudio veementemente (e já demonstrei porquê) a acusação de que eu faço “(…) apenas discurso ideológico e do mais enviesado.”

O que eu perfilho são determinadas orientações valorativas de que não abdico por quaisquer razões circunstanciais, nomeadamente por os meus amigos (políticos e/ou pessoais) e/ou colegas estarem no governo:

Primeiro, penso que os sindicatos (e as liberdades sindicais) são um pilar fundamental de uma sociedade democrática.

Segundo, penso que, numa sociedade democrática, não cabe aos governos certificar as “boas” e as “más” estruturas/direcções sindicais, cabe-lhes apenas zelar pelo estabelecimento de regras claras que assegurem a democraticidade interna das organizações da sociedade civil (sindicatos incluídos) e, depois, tentar negociar com todas elas em pé de igualdade (chegando ou não a acordos, naturalmente).

Terceiro, penso que, não só do ponto vista da esquerda (social-democrata e não só), mas também de uma perspectiva democrata-cristã, os sindicatos são uma organização fundamental porque está provado historicamente que, lá onde eles são mais fortes, as desigualdades sociais são também bastante menores.

Quarto, last but not least, penso que não é possível fazer reformas bem sucedidas sem mobilizar os profissionais, nomeadamente através das suas estruturas representativas (isto é, os sindicatos, etc.).

6 comentários:

Anónimo disse...

Sem dúvida, mas os sindicatos não podem querer co-governar.E a tragédia é que cá é o que acontece.Não há área nenhuma da administração pública onde os sindicatos não se arroguem o direito de governar.Ora,não foram eleitos nem é essa a sua função.E em vez de fazer o seu trabalho transformam-se,por via dessa ambição,em poderosas forças conservadoras e contra reformistas.É um problema central do país!

Anónimo disse...

Caro Luis Moreira,

Aceitando, sem grandes problemas, que alguma da nossa classe média (piores casos encontramos que os professores) é bastante "instalada" e tem um comportamento claramente corporativista em demasia, isso não impede de notar que:

1. O governo parece concentrar esforços num ataque à classe média: No país da Europa Ocidental com maior desigualdade porque não alguma "reforma" apontada à classe alta? (de facto até há "reforma", veja-se a brutal socialização do prejuízo no amoral caso BPP).
2. Lá porque há problemas, não quer dizer que _qualquer_ solução proposta seja a melhor. De repente parece que só temos duas hipóteses: ou o que existe ou a proposta em cima da mesa. Obviamente há muitas outras alternativas.
3. Há depois todo o argumento da cultura democrática. Que AF apresenta lindamente, não o vou repetir...

Confesso também que não percebo onde é que os sindicatos querem governar. No caso dos professores pouco se vê o típico sindicalismo político. Pode lá estar, mas está claramente ultrapassado pela base.

Curiosamente se os sindicatos pouco tentam "governar", pelo contrário é mais que frequente organizações ligadas à nossa elite financeira convocarem meetings de "especialistas" com o claro objectivo de tentarem ditar política. Vindo daí, já parece mais aceitável?

João Dias disse...

O grande problema de Portugal é a classe média que teima em fugir à pobreza...egoístas.

Pedro Viana disse...

O Luis Moreira tem claramente uma visão muito estrita do conceito de governação. Parece-me que para ele um governo deve ditar as suas leis e obrigar à sua execução, e a sociedade comer e calar. Quais serão as diferenças relativamente a um governo autoritário?... Eleição cada 4 anos com base em programas que depois não se é obrigado a cumprir?... Para mim é pouco. Para mim um governo em Democracia é um governo que sabe dialogar, motivar a sociedade a agir em prol do bem-comum, e que em virtude dessa acção tem permanentemente apoio maoritário na sociedade.

Os sindicatos, tal como eu ou o Luis nas organizações onde nos inserimos, têm direito a tentar influenciar o modo como as organizações onde estão os seus filiados se organizam e agem. Não me diga que o Luis no seu trabalho só sabe dizer "Sim, Senhor"?...

Anónimo disse...

Ao ler o comentário num outro blogue, de um prof, começo a entender os "motivos" de tanta contestação;

Não fazer greve é neste momento concordar com:
b) Aulas de apoio não remuneradas;
c) Aulas de substituição não remuneradas;
d) Direcção de Instalações não remunerada;
e) Desenvolver actividades extracurriculares não remuneradas.
f) Visitas de estudo não remuneradas.
k) Que a Sra. Ministra obrigue a trabalhar mais horas e o
agradecimento passe apenas por um obrigado cínico no Parlamento.
l) Que um colega de outra disciplina assista às nossas aulas. (é utópica a ideia de ir buscar a outras escolas um colega da sua área)
m) Que as notas dos alunos que não querem estudar a impeçam de
progredir na carreira.
n) Com o congelamento na progressão na carreira para 70% (ou mais) dos professores.
o) Que a maternidade, morte de um familiar próximo a impeça de
progredir na carreira.

Pois, ...


Fersal

Wyrm disse...

Aposto que consigo adivinhar um dos cartões que está no bolso da maioria dos professores que não faz greve. :)