sábado, 8 de março de 2025

Dia da Internacional


Em articulação com as organizações políticas e sindicais de classe do proletariado dos seus respectivos países, as mulheres socialistas de todos os países devem assinalar anualmente o Dia da Mulher, com o propósito principal de obter o direito de voto. Esta reivindicação deve ser conjugada com a questão da mulher na sua totalidade, de acordo com os preceitos socialistas. O Dia da Mulher deve ter uma natureza internacional e deve ser cuidadosamente preparado.

Como já é tradição neste blogue, no dia 8 de março: a socialista alemã Luise Zietz fazia a proposta de um dia internacional da mulher trabalhadora na conferência das mulheres socialistas da Segunda Internacional presidida por Clara Zetkin, que seria fundadora do partido comunista alemão a seguir à Guerra. 

É então preciso nunca esquecer as origens deste dia internacional: era, é e será sobre lutas de classes, assim no plural. A luta pela democracia, contra as cláusulas de exclusão formais e informais do liberalismo realmente existente, é realmente parte da luta socialista pela igualdade substantiva, do salário à reprodução social, dos direitos políticos aos sociais, da empresa à casa.

sexta-feira, 7 de março de 2025

A corrida às armas é um bom negócio?

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“Estamos numa era de rearmamento”. Foi desta forma que a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, apresentou o novo plano para aumentar a despesa militar na Europa. No total, a Comissão quer alocar 800 mil milhões de euros à indústria do armamento, com o montante a ser repartido entre os orçamentos nacionais dos países, o orçamento comunitário e o Banco Europeu de Investimentos.

O plano é justificado com a “ameaça existencial” enfrentada pela União Europeia (UE) face à escalada de tensão com outras regiões e há quem veja no investimento em armamento uma oportunidade para relançar a economia europeia. No entanto, há motivos para pensar que a corrida às armas traz mais problemas do que os que pretende resolver


Passou a haver dinheiro, se for para armas?

O anúncio da Comissão Europeia é o mais recente passo numa corrida às armas em que a Europa já estava envolvida. Na última década, a despesa militar dos países da UE que pertencem à NATO aumentou em 50%. Para viabilizar o novo esforço financeiro, a Comissão Europeia avança com três eixos:

  • Disponibilizar €150 mil milhões em empréstimos aos Estados que pretendam investir em mísseis, munições, sistemas de defesa aérea, drones ou outros equipamentos militares;

  • Abrir a possibilidade de que os países gastem mais do que aquilo que seria permitido pelas regras orçamentais, desde que o façam em armamento. A proposta da Comissão é que este tipo de despesa seja excluído do cálculo do défice de cada país até que os novos gastos atinjam 1,5% do PIB respetivo, o que permitiria aumentar a despesa militar total em €650 mil milhões;

  • Permitir que os países redirecionem parte dos fundos estruturais que recebem do orçamento da UE para a indústria militar. A ideia é facilitar a canalização de fundos europeus, teoricamente destinados a promover a coesão e o desenvolvimento regional, para a produção de armas e munições.

É importante ter em conta que esta mudança de posição surge depois de décadas de obsessão com o controlo do défice e da dívida pública. Desde a entrada em vigor das regras orçamentais, os países europeus foram levados a comprimir o investimento público em áreas como a saúde ou a educação sob o pretexto de garantir a sustentabilidade das contas públicas.

Em Portugal, o sub-investimento tem degradado os serviços públicos e constituído um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da economia. O investimento público “líquido”, que representa o saldo entre a formação bruta de capital fixo (isto é, o valor investido em obras públicas, equipamentos, I&D, software, etc.) e o consumo de capital fixo (que mede o que se vai perdendo com o desgaste dessas obras públicas e equipamentos), tornou-se negativo neste período. Por outras palavras, o que o Estado investe nem chega para compensar o desgaste das infraestruturas.

Fonte: Eurostat

Agora, a preocupação com as contas públicas é abandonada para reforçar de forma substancial a despesa em armamento, enquanto os limites se mantêm para todas as outras categorias de despesa dos governos. Se esta opção é claramente discutível do ponto de vista político, o caso não melhora quando olhamos para o plano económico.


Investir em armas compensa?

É possível encontrar argumentos económicos a favor e contra o aumento da despesa militar: por um lado, um aumento da despesa pública cria procura adicional e pode impulsionar o investimento e a inovação nos setores a que essa procura se dirige (algo que é conhecido como o efeito multiplicador); por outro lado, a canalização de recursos para a defesa limita a capacidade de investimento noutras áreas que podem ser mais produtivas e benéficas para a sociedade.

O impacto deste tipo de despesa depende de onde esta é efetuada, pelo que é preciso perceber onde são produzidas as armas. No que diz respeito à indústria do armamento, há um país que se destaca claramente do resto: os EUA. Nos últimos anos, a indústria do armamento norte-americana reforçou a sua posição dominante nas exportações de armas e tornou-se responsável por quase metade das transações internacionais.

Fonte: Politico

Entre 2019 e 2023, mais de metade das importações de armas da Europa foram provenientes dos EUA, de acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI). E não há sinais de inversão desta tendência. De acordo com Pieter Wezeman, investigador do SIPRI, “prevê-se que o volume de armas transferido dos EUA para os países europeus aumente significativamente nos próximos anos”. Mesmo que alguns países estejam a investir na sua indústria militar doméstica, uma parte dos fundos terá como destino o exterior. E se olharmos para dentro da Europa, o setor é dominado por um pequeno número de grandes empresas concentradas em quatro países - Alemanha, França, Espanha e Itália. Os benefícios da “era do rearmamento” não serão iguais para todos.

Mesmo admitindo que a nova procura de armamento recai maioritariamente sobre empresas europeias, há outros problemas que se colocam. Com o modelo de intervenção adotado pelas instituições europeias - classificado pela economista Daniela Gabor classifica como “de-risking” -, em que os Estados assumem boa parte dos custos e do risco do investimento para garantir os lucros privados, é dado enorme poder às grandes empresas do armamento, que têm um interesse material na escalada de conflitos.

Além disso, ao contrário do que acontece com outros setores, o investimento na indústria do armamento vai favorecer inovações tecnológicas que tenham aplicação militar, o que nem sempre corresponde a inovação socialmente útil. O facto de, historicamente, o investimento militar ter estado na origem de inovações importantes para a sociedade, como o GPS ou a internet, tem a ver com ter sido um setor em que o Estado investiu de forma significativa com base em objetivos que eram considerados prioritários. Essa lógica pode ser replicada noutras áreas, como a produção de energias renováveis ou a preservação dos recursos naturais, dependendo do que se considera prioritário.


Armas a troco de quê?

Na UE, o combate às alterações climáticas já está a ser relegado para um plano secundário face à urgência do rearmamento. Esta opção tem consequências não apenas para o ambiente, mas para a própria economia. A dependência energética da UE, que importa praticamente todo o petróleo e a maioria do gás natural de que necessita, é um fator de vulnerabilidade económica. A invasão da Ucrânia por parte da Rússia, que fez disparar os custos da energia, provocou um aumento do custo de vida para a maioria das pessoas e atingiu de forma significativa o setor industrial, o que ajuda a explicar o encerramento de fábricas e a crise da economia europeia.

Este contexto sugere que há bons motivos para priorizar o investimento na produção e armazenamento de energias renováveis e em investigação para a reconversão energética da indústria, com o objetivo de reforçar a autonomia energética e reduzir a exposição a choques de preços provenientes do exterior, além de contribuir para o combate às alterações climáticas - o principal risco que enfrentamos enquanto sociedade. Com a corrida às armas, estamos a concentrar os nossos esforços na batalha errada.

Embora a Comissão Europeia tenha feito tudo para incentivar a despesa em armamento, isso não significa que o tenha feito sem contrapartidas. Fontes internas citadas pelo Público admitem que “a prazo, estas despesas terão de ser acomodadas nas contas nacionais, ou através de um aumento de impostos, ou de uma redução na despesa pública”. Não é difícil antever que o reforço extraordinário dos gastos em armamento terá como consequência uma contenção da despesa em outras áreas. Entre os países ocidentais, os que dedicam uma fatia maior do orçamento à indústria militar tendem a gastar menos em proteção social.

O plano da Comissão Europeia tem um mérito: mostrar que, quando existem objetivos que se consideram prioritários para a sociedade, as medidas necessárias para os atingir não podem ficar dependentes de regras cegas de controlo estrito do défice orçamental. O problema fundamental é que as instituições europeias só se mostram dispostas a dar este passo para o rearmamento, depois de décadas em que negaram essa possibilidade para investir em escolas, hospitais, transportes públicos ou habitação acessível, além de terem forçado os países mais vulneráveis a efetuar cortes nestas áreas.

A escalada das tensões entre os países ocorre num contexto de ascensão da extrema-direita nos EUA e na Europa. Décadas de austeridade, erosão dos serviços públicos e compressão dos salários e do poder de compra da maioria das pessoas alimentaram o ressentimento e deram um contributo importante para a emergência de forças políticas reacionárias. Com necessidades de investimento evidentes para reforçar os serviços públicos e promover a transição energética, uma nova vaga de cortes no investimento público e no Estado Social em nome do rearmamento só vai acentuar os problemas.


Contra o rearmamento. Financiem-se os serviços públicos e não a guerra.

“Vamos lá, senhoras e senhores. Por favor, compreendam uma coisa básica. A ideia da invasão da Rússia era manter a NATO fora da Ucrânia. E o que é a NATO, na verdade? É o exército dos EUA, com os seus mísseis, os seus destacamentos da CIA, e tudo o resto. O objetivo da Rússia era manter os EUA afastados da sua fronteira. Porque é que a Rússia está tão interessada nisto? Se a China ou a Rússia decidissem instalar uma base militar no Rio Grande ou na fronteira canadiana, os Estados Unidos não só se passariam como entrariam em guerra em cerca de dez minutos. Quando a União Soviética tentou isto em Cuba em 1962, o mundo quase acabou num Armagedão nuclear”, in transcrição editada do discurso de Jeffrey Sachs no Parlamento Europeu, a 19 de fevereiro de 2025, sobre a UE, a guerra por procuração da NATO na Ucrânia e o genocídio de Israel na Palestina. 

Como dizíamos a 4 de março de 2022, a invasão da Ucrânia pode mesmo ser condenada sem legitimar o imperialismo dos EUA e da UE. 

De resto, o que não falta são intelectuais, políticos, professores e diplomatas que, a seu tempo, avisaram do resultado provável da expansão da NATO para leste e que a desaconselharam. 

No momento histórico em que a Comissão Europeia, imparável num duplo processo de açambarcamento de competências que os tratados não lhe outorgam e de integração neoliberal furtiva, insiste em enterrar a União Europeia numa guerra por procuração que perdeu o mandante, que ninguém pode ganhar e que os europeus a quem foi perguntado não desejam, não vejo nada politicamente tão importante como reafirmar a necessidade de enfrentar os belicistas e a sua guerra de classes. 


Na opinião publicada, enxames de colunistas bem longe da linha da frente e melhor instalados no conforto que o sistema lhes proporciona, asseguram-nos que não há alternativa ao rearmamento.

À direita, por exemplo, sem qualquer surpresa, é-nos garantido que a “Europa deve reduzir o seu Estado-providência para construir um Estado de guerra”. 

À esquerda, para outro exemplo, acena-se com Trump, Putin e Musk e, numa narrativa que – missão impossível - apenas se mantém íntegra se soterrar Biden nos confins do esquecimento, apela-se, pia e inconsequentemente, a um rearmamento que não destrua o que “sobra do Estado Social”. 


É isto que nos vendem como comentário sensato. Isto e o lunático desbragamento militar atómico dos verdes com bombas.  

Nuances de colunistas à parte, a guerra à despesa social para financiar o rearmamento é a verdadeira guerra que a retórica militarista esconde; a guerra que o capital, enredado na armadilha da austeridade, impõe ao trabalho

Se a corrida armamentista revelou uma vez mais quão falaciosa é a ideia de não haver dinheiro, uma espécie bastarda de Keynesianismo de guerra circunscrito a despesas militares não é solução, mas problema. 

A esquerda que não alinha com o neoliberalismo e que defende os direitos de quem trabalha não aceita a falsa narrativa segundo a qual o rearmamento é necessário. 

Se há dinheiro, e há, esse dinheiro deve ser investido em pão, saúde, habitação, educação e ambiente. É isto que gera a paz. A manteiga e não os canhões que Trump nos quer impingir e que as lideranças europeias, vassalos despeitados, lhe querem comprar.

quinta-feira, 6 de março de 2025

Colóquio A Revolução e a Economia, 15/03 (sábado), ISEG (Lisboa)



Até que ponto e de que forma é que a irrupção revolucionária de 25 de Abril de 1974 foi consequência do esgotamento do modelo económico do Estado Novo? Numa altura em que as leituras revisionistas sobre esse modelo ganham fulgor, que balanço devemos fazer das contradições e bloqueios que caracterizavam a sociedade e economia portuguesas nas vésperas da Revolução? Que novas experiências de organização económica foram ensaiadas nas fábricas e nos campos no período revolucionário? Que visões e modelos de sociedade é que essas experiências procuravam concretizar e quais os limites e desafios que enfrentaram? Como, com que atores e com que consequências teve lugar a transição liberal na ressaca da Revolução?

Cinquenta anos volvidos sobre o período revolucionário desencadeado pelo 25 de Abril de 1974, o Abril é Agora e o CEsA - Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento promovem um colóquio para analisar a Revolução de Abril nas suas relações com a economia, incluindo ao nível da política económica e da economia política. Ao longo de um dia de comunicações e debates, pretendemos discutir os antecedentes da Revolução, o processo revolucionário propriamente dito e o legado da experiência revolucionária em termos daquilo que foi conquistado, aquilo que permaneceu e aquilo que foi desmantelado.

No ISEG, em Lisboa, a campanha Abril é agora reúne historiadores, economistas e outros especialistas no dia 15 de março para debater estas e outras questões de forma rigorosa e tomando partido, como deve fazer toda a boa ciência social. Estão todas e todos convidados a juntar-se a nós para este evento.

Inscrição livre e gratuita, mas obrigatória, aqui. 

quarta-feira, 5 de março de 2025

Censurar o desgoverno

 

Naturalmente, o Governo, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, veio logo aplaudir o perigoso impulso belicista da Comissão Europeia, o negócio estrangeiro tão promíscuo, o novo pretexto para erodir ainda mais as funções sociais do Estado. Entretanto, a arte de Peter Kennard ajuda a sintetizar muitas palavras de merecida censura a este desgoverno.

terça-feira, 4 de março de 2025

Censurar o belicismo


A avaliar pelas sondagens na Alemanha e na França, os serviços de propaganda da Comissão Europeia vão ter imensas dificuldades em convencer os cidadãos dos países da UE de que a corrida armamentista serve outra coisa que não as indústrias da morte e a guerra. 

Há que investir no medo, sempre no medo, no medo dos de baixo, porque os de cima estão demasiado seguros. 

Creio que a maioria compreende a acrescida insegurança social e geopolítica que tal desperdício representa, mas isso não dispensa um poderoso movimento pela paz. 

É claro que a Comissão Europeia, a mesma que apoia o genocídio perpetrado por Israel na Palestina, pode contar com uma falange de intelectuais para justificar a necessidade de sacrificar os Estados sociais e o investimento socialmente necessário para transferir 800 mil milhões para os bolsos da mais lucrativa e opaca das indústrias capitalistas. 

É para isto que existem verdes com armas, em plena crise climática; ou social-democratas com armas, em plena crise social. Fim do mundo, fim do mês, a mesma luta, como diz um slogan que ganha sempre novos sentidos.

Montenegro também já tinha dito que era favorável a tal desperdício: «Os próximos anos serão de acréscimo de investimento em segurança e defesa (…) Não há como evitar». Imaginem as promiscuidades, as oportunidades, que tais parcerias público-privadas vão gerar.

A UE precisa de muito mais do que gastar em armas

Os mesmos que até há pouco defendiam a disciplina orçamental acima de tudo, defendem agora que o cumprimento das regras pode ser posto de lado – desde que seja para gastar em armamento.

O paradoxo é evidente. Se os constrangimentos financeiros eram tão intransponíveis que não permitiam investimentos fundamentais para a coesão social, para a modernização da economia ou para a transição energética, como se justifica que agora haja margem para financiar um aumento substancial da despesa militar? Das duas, uma: ou os argumentos sobre a insustentabilidade das finanças públicas europeias foram um pretexto para impor um modelo de sociedade, ou há quem acredite que gastar em armas faz bem às contas públicas.

A situação actual vai revelando aquilo que já se suspeitava: os limites orçamentais europeus não são neutros nem tecnicamente inevitáveis. São o resultado de escolhas políticas que determinam que certos tipos de despesa são indesejáveis, enquanto outros podem ser tolerados, independentemente do impacto que tenham na estabilidade financeira da zona euro. A ironia é que, ao longo das últimas décadas, muitos dos investimentos adiados ou sacrificados em nome da disciplina orçamental foram precisamente aqueles que poderiam ter tornado a Europa mais capaz de lidar com alguns dos problemas que agora enfrenta.

O resto do meu texto pode ser lido no Público

Quinta-feira, em Lisboa


Considerando que a questão da habitação constitui «um fator de reprodução das desigualdades sociais, que acentua os determinantes de classe social, idade, género, nacionalidade ou etnia», o estudo identifica «um mercado de arrendamento tripartido» na Área Metropolitana de Lisboa, do qual faz parte um segmento liberalizado, «que se dirige sobretudo a uma população em idade ativa que enfrenta uma elevada sobrecarga com os custos habitacionais e instabilidade contratual», um segmento protegido, mas que «concentra más condições de habitabilidade, albergando uma população inquilina sem capacidade financeira para transitar para o mercado liberalizado» e um segmento informal, que «acolhe uma população que acumula precariedade laboral, habitacional e de cidadania».

O lançamento do nº 21 dos Cadernos do Observatório sobre Crises e Alternativas do CES, sobre «O Arrendamento Habitacional na AML: um mercado segmentado, inacessível e inseguro», da autoria de Ana Cordeiro Santos, Raquel Ribeiro, Rita Silva e Carlotta Monini, tem lugar na próxima quinta-feira, 6 de março, no Auditório da Biblioteca Nacional, em Lisboa, a partir das 17h00. Juntamente com Ana Drago, participarei nos comentários ao estudo, na sequência da sua apresentação. A entrada é livre, apareçam.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Qual é o custo de ter o verão no ano todo?

Texto disponível no substack (de acesso livre)

Em 2025, o verão parece ter chegado mais cedo à Índia. As previsões meteorológicas apontam para que o mês de março seja o mais quente de que há registo no país. É uma tendência que se tem verificado nos últimos anos: não só o calor é cada vez mais intenso - no verão do ano passado, as temperaturas em Nova Delhi atingiram os 50ºC, provocando enormes dificuldades às pessoas -, como as ondas de calor começam mais cedo no ano.

A onda de calor precoce vem na sequência de um inverno mais seco do que o comum. Entre janeiro e fevereiro, as regiões de Gujarat e Goa tiveram um défice de precipitação de 100% - por outras palavras, não houve chuvas neste período. Maharashtra teve um défice de 99% e houve muito pouca chuva noutras regiões. A maioria dos cientistas reconhece o papel das alterações climáticas neste processo. Um especialista citado pelo jornal britânico Independent explica que “o aquecimento global afetou a precipitação na Índia durante o inverno. Os verões têm-se alargado e a época de inverno tem-se reduzido, com os padrões de precipitação erráticos a ter impacto nos perfis de temperatura no país”.

As temperaturas anormalmente elevadas para esta altura colocam riscos para a produção agrícola, em especial no caso do trigo. A Índia, que é o segundo maior produtor de trigo do mundo, já tem tido problemas com as colheitas nos últimos anos devido às ondas de calor que afetam o norte e o centro do país, onde se concentra a produção.

As previsões para este ano não são animadoras e o impacto das colheitas mais fracas já se faz sentir: os preços do trigo atingiram valores recorde neste mês devido aos constrangimentos da oferta. A subida dos preços traduz-se num aumento do custo de vida para a maioria.

Não é uma tendência nova. Nos últimos anos, a Índia tem registado níveis elevados de inflação dos alimentos, em boa medida devido ao impacto das alterações climáticas. Além das colheitas de trigo, as produções de açúcar e de tomate também foram afetadas pelo clima, aumentando o custo da alimentação e acentuando tensões sociais. Esta tendência é especialmente preocupante num país que tem um quarto da população subnutrida de todo o mundo e onde 190 milhões de pessoas passam fome.

Os fenómenos meteorológicos extremos (como as ondas de calor, secas prolongadas, incêndios ou cheias), que têm sido amplificados pelas alterações climáticas, estão a afetar a produção agrícola e, com isso, os preços que pagamos pelos produtos. É uma parte importante da explicação para o aumento dos custos do café ou do chocolate, aqui discutidos recentemente.

Uma análise publicada no ano passado pelo banco central da Índia alerta para os riscos que as alterações climáticas colocam para a inflação dos produtos alimentares. A subida média dos preços dos alimentos passou de 2,9% entre 2016 e 2020 para 6,3% nos anos mais recentes. De acordo com os autores, “um fator distintivo determinante para esta diferença significativa tem sido a incidência de múltiplos choques da oferta simultâneos devido a eventos climáticos”.

E os impactos não se resumem à Índia. As fracas colheitas levaram o governo a impôr restrições às exportações de trigo ou arroz não-basmati. Como a Índia é um dos principais produtores mundiais, as restrições afetam o acesso a alimentos e o custo de vida em muitos outros países, sobretudo em África e na Ásia. Por sua vez, a disrupção na produção de açúcar repercutiu-se num aumento dos preços das bolachas e outros doces a nível mundial.

Embora os problemas sejam mais acentuados nos países mais pobres, esta está longe de ser uma realidade distante. Este tipo de choques tem-se tornado mais frequente um pouco por todo o mundo devido às alterações climáticas. Um estudo publicado por investigadores do Banco Central Europeu (BCE) concluiu que, em 2022, as temperaturas-recorde registadas no verão aumentaram a inflação dos alimentos entre 0,43 a 0,93 pontos percentuais na Europa. Com o aquecimento projetado para o continente nos próximos anos, poderá haver um aumento da taxa de inflação dos alimentos de até 3,2 pontos percentuais, o que levaria a uma subida de até 1,2 pontos percentuais na taxa de inflação total, aumentando o custo de vida.

Este fenómeno pode ser descrito como “shockflation” – inflação provocada por choques que afetam a produção (e os preços) em setores específicos e depois se repercutem no resto das atividades económicas que dependem destes. Com o aquecimento global, é provável que este tipo de choques se torne mais frequente no futuro, sendo que a pressão sobre os preços é amplificada pelo poder das grandes empresas para proteger (ou aumentar) as margens de lucro.

Aumentar as taxas de juro para combater a inflação não ajuda a resolver nenhum destes problemas. Uma das alternativas que têm sido propostas é a criação de stocks de reserva de bens alimentares e matérias-primas à escala internacional, que permitem aos países estabilizar a oferta e evitar oscilações excessivas dos preços.

A Índia possui uma reserva de trigo e tem utilizado essa reserva nos últimos anos. Para compensar a quebra das colheitas, as autoridades aumentaram o volume de trigo vendido aos compradores (como produtores de farinha ou de bolachas), com o objetivo de reforçar a oferta e conter a pressão sobre os preços. No entanto, no ano passado, as reservas de trigo atingiram o valor mais baixo desde 2008. Se as colheitas não recuperarem, esta estratégia tem limites.

Face a estes constrangimentos, é cada vez mais difícil justificar adiar o investimento em medidas de adaptação às alterações climáticas. É necessária uma discussão mais abrangente sobre a transformação estrutural dos sistemas de produção e distribuição de bens essenciais, sem ceder a teses catastrofistas que asseguram que não há soluções. Como argumenta o economista James Meadway, “à medida que a crise de adaptação [às alterações climáticas] se acentua, é expectável que sejamos confrontados com questões mais determinantes: sobre como produzimos o que comemos, quem o produz e como deveria ser distribuído de forma justa”. O preço a pagar pela inércia é demasiado alto.

Este texto também está disponível no substack. Se gostarem, podem aceder e subscrever de forma gratuita.

domingo, 2 de março de 2025

Censurar o neoliberalismo


Confirma-se que Luís Montenegro é um videirinho, para usar a linguagem técnica da ciência política. É a última e bem sórdida encarnação da subordinação do poder político democrático ao poder económico, ao arrepio da Constituição. 

Isto não é só defeito, é também, e sobretudo, feitio de uma política que substituiu a economia mista, prevista na Constituição, por uma economia neoliberal, através de privatizações e de liberalizações sem fim, de erosões sem fim da base material da autoridade do Estado democrático. 

Sim, esta política e os seus cada vez mais venais executantes merecem censura.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Das casas e do habitar


«Entre as muitas crises que no nosso tempo se sucedem e se atropelam como a multidão em hora de maior afluência — crises para todos os gostos e de grande utilidade na arte da governação, também chamada “governança” — há uma pesada como o betão: a crise da habitação (a rima que aqui ocorre é fraca, mas justa). É uma crise transnacional, em expansão, atravessa fronteiras e oceanos. E alastra em sentido inverso ao da demografia: a população diminui, mas a falta de casas aumenta.
A especulação imobiliária e a concentração dos habitantes nos grandes centros urbanos são as duas principais causas geralmente apontadas. Mas devemos pôr a hipótese de que para tal contradição contribui uma outra causa menos calculável por governos, urbanistas e economistas: a tendência contemporânea para uma hegemónica cultura do single. Cada indivíduo, e já não a família, procura o seu espaço vital mínimo
».

Excerto do artigo de António Guerreiro no Público de hoje, que vale a pena ler na íntegra. Mobilizando um conjunto de referências importantes na história da arquitetura, Guerreiro junta - ao efeito decisivo da especulação e, em segunda linha, da concentração urbana - a questão da «individualização» do habitar. Não deixando ainda de aludir, oportunamente, ao retrocesso que a nova lei dos solos representa, e que é ainda mais absurdo neste contexto, ao nível dos compromissos com a sua não impermeabilização.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

A saúde é uma causa pública


Depois do estudo sobre fiscalidade, divulgado em novembro de 2023, e do recente relatório sobre a crise de habitação (novembro de 2024), a Causa Pública divulgou recentemente o estudo «Saúde em Portugal - Opções para uma causa pública», coordenado por Joana Mira Godinho, João Durão Carvalho, João Oliveira e Manuela Silva.

Reconhecendo os desafios decorrentes do «envelhecimento da população, impacto da pandemia e da Troika, evolução tecnológica, suborçamentação do SNS e erosão de recursos humanos», bem como o «crescente investimento privado e uma narrativa de degradação do SNS que incentiva a privatização», os autores assumem a defesa do «fortalecimento do SNS», rejeitando «a sua redução a um modelo minimalista e assistencialista». O estudo apresenta recomendações em 15 domínios, incluindo as questões associadas ao «financiamento, valorização dos profissionais, sustentabilidade e organização dos cuidados».

Simplicidade

O capitalismo sem freios e contrapesos torna o marxismo mais simples no melhor quadro de análise disponível: a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, por exemplo. Os mecanismos são claros. Tem a palavra Jeff Bezos para elucidar quem ainda tenha dúvidas: 


Na ideologia neoliberal dominante, o “mercado livre”, mencionado por este oligarca liberticida, é simplesmente a configuração regulatória que dê mais liberdade, entendida como poder, a quem já é mais forte à partida, aumentando ainda mais a vulnerabilidade dos restantes.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Uma «indústria» para alimentar


De acordo com o Jornal de Notícias, 2024 não foi só o ano «mais rentável da história para as imobiliárias que atuam em Portugal», como o recorde foi alcançado graças às «vendas a estrangeiros». Citando dados da APEMI, foram transacionados cerca de 150 mil imóveis entre janeiro e dezembro, com receitas a rondar os 30 mil M€ (subida de 20% face a 2023). No caso da Quintela + Penalva | Knight Frank, uma das imobiliárias dedicadas ao segmento de luxo consultada pelo JN, a fatia de clientes internacionais «representou 60% da faturação».

Com o valor médio de vendas a oscilar entre 165 mil€ e 1.200 mil€, constata-se uma diferença clara entre a oferta de luxo e a oferta transversal. O valor mais elevado nas imobiliárias auscultadas pelo JN que não se dedicam ao segmento premium ronda os 207 mil€, sendo de 800 mil€ o mais baixo entre as imobiliárias de luxo. O efeito de arrastamento que estas diferenças estabelecem não é, evidentemente, negligenciável. De outro modo, e entre outros fatores, seria difícil compreender que o desfasamento entre rendimentos e preços não resultasse numa descida de valores.

Temos pois, uma vez mais, o imobiliário na sua bolha, indiferente à dificuldade das famílias em aceder a uma habitação compatível com os seus rendimentos, com as empresas do setor confiantes de que «o mercado imobiliário de luxo continue a valorizar-se em 2025, impulsionado pela procura», como referiu um dos CEO ouvidos pelo JN, estimando a vice-presidente da APEMI que 2025 será «um ano [ainda] melhor do que 2024».

Ou seja, não só não faltará procura com alto poder aquisitivo, como os preços (e lucros) se manterão elevados, a bem do setor. E, no horizonte, com as alterações à «lei dos solos» a abrir portas à conversão de rústicos em urbanos, a alimentação deste pipeline está ainda mais assegurada em termos de oferta. Percebem porque é insistem em dizer, a todo o momento, que o problema se resume a uma simples «falta de casas»?

Adenda: Absolutamente insuspeito, pois foi um dos grandes defensores das alterações ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), Isaltino Morais veio recentemente assinalar o óbvio: «a desafetação, a alteração de terreno rústico em urbano, não vai resolver o problema do preço da habitação. Tirem o cavalinho da chuva, não vai. Se não se fizer alguma coisa, mais dois, três, quatro, cinco anos, a Área Metropolitana de Lisboa fica inundada de barracas outra vez. As famílias pobres, a classe média empobrecida, não encontra no mercado casas a preços compatíveis».

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Triste fim


Outrora, nos anos fundadores da Segunda Internacional, tinha por objectivo o derrube do capitalismo. Depois tentou realizar reformas parciais, concebidas como passos graduais para o socialismo. Finalmente, passou ser favorável ao Estado-Providência e ao pleno emprego no quadro do capitalismo. Se agora aceita a destruição do primeiro e o abandono do segundo, em que tipo de movimento se irá a social-democracia tornar? 

Em 1994, o historiador Perry Anderson colocava uma questão a que sabemos responder cada vez melhor, ainda para mais com o recente resultado na Alemanha: a social-democracia aceitou o consenso neoliberal e tornou-se crescentemente irrelevante nesse longo processo. 

Da redução dos direitos laborais na viragem do milénio, e correlativo aumento dos direitos patronais, a decisões geopolíticas que aceleram a desindustrialização alemã com a guerra, passando pela constitucionalização de uma visão pré-keynesiana das finanças, quebrando o investimento público, a social-democracia abandonou as classes populares, deixando-as à mercê da insegurança social e da extrema-direita. 

Agora, vai entregar-se a uma direita cada vez mais extremada, para quem as crises do capitalismo se resolvem com cada vez mais capitalismo, ou seja, com cada vez mais desigualdades e armas e crises, projeto que a social-democracia acaba a partilhar por toda uma UE que a destruiu como força de reforma progressista na economia política. Triste fim.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Assumi-vos

A The Economist tem a virtude de ser brutalmente clara no seu imperialismo liberal: para se rearmar “a Europa tem de cortar no bem-estar”. Os novos renegados, que defendem, à esquerda, a corrida armamentista, devem assumir toda a brutalidade do seu programa.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Livres de verdes com bombas


Sem surpresas, Rui Tavares converge plenamente com os verdes com bombas alemães, chegando ao ponto de defender as virtudes da europeização das armas nucleares francesas para “mudar o jogo”. Autoproclamados ecologistas defendem agora armas de destruição maciça. Há toda uma história de luta pela paz e pelo desarmamento que é espezinhada.

Enfim, a esquerda otanizada sente-se agora traída pelos EUA, que trata como se fossem aliados. Ameaça ridiculamente com a Comunidade Europeia de Defesa, enterrada por comunistas e gaulistas franceses na década de 1950. Entretanto, faz a vontade a Trump e defende o investimento no desperdício militarista. 

A nova austeridade europeísta seria inevitável se a luta dos trabalhadores e a luta pela paz não se intersectassem por todo o lado, ao mesmo tempo.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Ofuscar, revelar


Nuno Severiano Teixeira é historiador e garante-nos no Público: “Desde a Segunda Guerra que os EUA promoveram um sistema internacional assente no livre comércio, na democracia liberal e numa rede de instituições multilaterais que asseguraram a cooperação internacional, a segurança e a paz.” Em resposta, deixo-vos apenas uma lista de intervenções dos EUA, tantas vezes brutalmente violentas, ajudando a distinguir a ideologia da paz liberal da realidade imperialista liberal.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A cada crise, a tentação do federalismo europeu

Após meio século de transformações institucionais profundas, a resposta que muitos anseiam continua a ser a mesma: ainda maior transferência de poder para Bruxelas. Como se as alterações marginais que ainda se possam introduzir conseguissem fazer o que décadas de integração política, económica e financeira não fizeram.

Entretanto, a pulsão federalizadora continua sem responder às falhas na arquitectura económica da UE, que têm vindo a penalizar a coesão política dentro de cada país europeu e entre Estados. É reconhecido que as regras orçamentais da UE dificultam a resposta às crises económicas e conduzem ao sub-investimento público em todo o continente.

A crise da zona euro de 2010-2012 tornou claro o problema de submeter às mesmas regras economias nacionais com características tão distintas. Sobre aquele viés recessivo, ou a necessidade de reforçar a convergência entre capacidades produtivas de diferentes países e regiões, pouco ou nada nos dizem as soluções agora propostas.

A sua preocupação é alinhar cada vez mais as acções e recursos de cada Estado com as prioridades europeias, identificadas a partir das capitais dos países mais poderosos. Já seria altura de assumirmos que a UE não é nem nunca será o que os EUA ou a China são: nações de enormes dimensões, com populações razoavelmente homogéneas, ligadas pela mesma língua, história e instituições comuns de longa data. A tentativa de competir directamente com aquelas potências, forçando uma unidade política e cultural que não existe, seria a receita para o desastre.

O resto do meu texto pode ser lido no Público de hoje, em papel ou online.

Ligações decentes


Está em curso há muito uma maciça operação de propaganda europeísta em que todos os desenvolvimentos da situação internacional, mesmo aqueles que agora apontam para um potencial desanuviamento, são usados para justificar um aumento do desperdício militarista, implicando naturalmente um sacríficio dos Estados sociais. 

Se para estes últimos vinga o argumento do “não há dinheiro”, já o fomento de complexos militares-industriais favoráveis à guerra é pretexto brutalmente revelador para exceções às regras austeritárias europeias. Há sempre dinheiro para o que os dominantes querem fazer: o constrangimento não é financeiro, mas sim de recursos reais e de poder para os mobilizar. 

Realmente, as forças políticas decentes têm apenas de sublinhar as ligações constitucionais democráticas entre a defesa da paz internacional, incluindo pelo fim dos blocos político-militares, e a defesa do nosso Estado social e democrático.

Quarta-feira, em Lisboa: «Habitação e Liberdade», de Helena Roseta


«A habitação era encarada sobretudo como um problema de mercado, que as pessoas tinham que resolver por herança, por compra ou por aluguer. Houve sempre muita legislação sobre rendas de casa, sobre juros dos empréstimos para habitação, mas muito pouca sobre a necessidade de o Estado fazer mais casas. (...) [Com a Lei de Bases] quisemos deixar claro que a habitação não é só um problema de mercado, é um direito. E é um direito que tem uma função social importante para garantir a vida em comunidade. Por isso insistimos em incluir na lei a chamada "função social da habitação". Aí é que foi o cabo dos trabalhos! Os partidos à direita diziam que não há nenhuma função social da habitação, que a função social cabe ao Estado e que as pessoas pagam impostos para que o Estado faça casas para quem não as pode pagar. E nós respondemos que todas as casas são feitas para serem habitadas, que a função social da habitação é precisamente ser habitada e não servir como mero produto de investimento. Foi este o ponto que nos dividiu e provavelmente nos continua a dividir».

Da entrevista a Helena Roseta, conduzida por Sara Nunes, cuja transcrição integra o livro «Habitação & Liberdade», recentemente editado pela Caleidoscópio e que será apresentado na próxima quarta-feira, dia 19, a partir das 17h30. Participarei na mesa redonda de apresentação da obra, que conta com a presença da autora e de Fernando Nunes da Silva, com moderação de Sílvia Jorge. A sessão tem lugar no Museu DECivil (Instituto Superior Técnico), em Lisboa. Apareçam.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

O mesmo padrão


«Netanyahu e o presidente Trump dizem ao Hamas e aos palestinianos em geral que recuperam todos os prisioneiros e reativam a guerra. Netanyahu diz que não porá fim à guerra. Os palestinianos percebem que se entregarem todos os reféns israelitas ou prisioneiros, o próximo passo será outra guerra. O crime de guerra da limpeza étnica de Gaza. E agora, tal como ele disse na conferência de imprensa com o rei da Jordânia, é a anexação da Cisjordânia por Israel. Terceiro, declarou a sua intenção de perpetrar o roubo de Gaza, de roubar Gaza ao seu povo e usá-la para os seus planos de construção.
Sei que muitos políticos não se atrevem a dizer a verdade de forma clara e aberta, mas eu tenho que fazer isso. Porque do que estamos aqui a falar são três crimes de guerra ao mesmo tempo. Na minha opinião, qualquer Estado, qualquer governo, que fale sobre a solução dos dois Estados, sem exigirem o fim da ocupação israelita e a remoção total de todos os colonatos ilegais de Israel, para além do reconhecimento da Palestina – se não fizerem essas três coisas, então apenas fomentam a hipocrisia.
Como podemos aceitar ser apagados etnicamente de novo, tal como aconteceu em 1948? A questão aqui seria, não porque é que os palestinianos resistem, mas sim porque é que não resistem. Tal como muitos judeus fazem essa pergunta. Porque é que durante o Holocausto, alguns judeus não resistiram? Dizem que deviam ter resistido. Apliquem o mesmo padrão ao povo palestiniano
».

Da entrevista a Mustafa Barghouti, líder da Iniciativa Nacional Palestiniana, pelo enviado especial da RTP ao Médio Oriente, José Manuel Rosendo.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

E o enorme elefante no meio da sala?

1. Em editorial no Público, Andreia Sanches criticou a recente recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE), no sentido de evitar «quaisquer processos conducentes à produção de qualquer espécie de rankings das escolas» com os resultados das novas provas de aferição. Por si só, como lembra o CNE, a circunstância de estas provas (tal como as anteriores) apenas visarem «contribuir para a melhoria das aprendizagens dos alunos e para a regulação do processo pedagógico», deveria bastar, de facto, para reprimir a tentação de viabilizar rankings.

2. A diretora-adjunta do Público concluiu, no entanto, que no CNE «vinga a ideia de que não importa ter comunidades devidamente informadas sobre o que se passa nas suas escolas», sugerindo assim, implicitamente, que o Ministério da Educação não altere o seu propósito de divulgar os resultado das provas de aferição, permitindo o «escrutínio público» através da comunicação social, à semelhança do que já acontece, desde 2001, com os rankings dos exames finais do básico e secundário (9º e 12º ano).

3. Andreia Sanches tem acompanhado, com conhecimento e argúcia, as questões da educação, conhecendo bem a fraude que são os rankings, desde logo por privilegiarem a mera ordenação dos resultados, secundarizando (ou simplesmente ignorando) a sua ponderação pelo perfil socioeconómicos dos alunos. Mesmo o Público, que é dos poucos a fazer regularmente esse exercício (ranking alternativo), não resiste a fazer parangomas de capa com os valores resultantes da simplista ordenação de médias.

4. Ora, quando se calibram os resultados obtidos com a informação de contexto (perfil socioeconómico dos alunos), a ordenação de partida transfigura-se. As escolas que alteram a sua posição inicial (ordenação das médias) em mais de 25 lugares (descendo ou subindo) representam cerca de 60% do total, sendo apenas 7% as que mantém a sua posição e que sobem ou descem até 3 posições. O que diz tudo, ou quase tudo, sobre a capacidade dos rankings para termos «comunidades devidamente informadas sobre o que se passa nas suas escolas».


5. Mas mais grave ainda é a complacência da comunicação social, que continua a incluir as escolas privadas nos rankings, mesmo quando estas se recusam, reiteradamente, a fornecer dados sobre o perfil dos seus alunos (escolaridade dos pais e alunos com apoios sociais), impedindo qualquer leitura minimamente séria dos resultados que obtém e que as colocam no topo. Não, não é por acaso que Rodrigo Queiroz e Melo, diretor da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), votou contra o parecer do CNE, por discordar «de forma veemente da inclusão de uma condenação do uso dos dados para elaborar rankings de escolas».

6. Em matéria de publicitação de resultados, no âmbito da avaliação externa, este é o enorme elefante que se encontra no meio da sala. E seria por isso conveniente que tanto o governo como a comunicação social assegurassem condições mínimas de equidade, exaustividade e comparabilidade de dados, antes de promover novos rankings. De modo a que, justamente, possamos «ter comunidades devidamente informadas sobre o que se passa nas suas escolas». Para enviesamentos fraudulentos - nomeadamente em termos de público e privado - já bem basta o que existe.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Dois gráficos, um genocídio

O gráfico da esquerda ilustra a história do crucial apoio militar norte-americano a Israel. O gráfico da direita, tirado de um estudo saído na Lancet, ilustra o genocídio perpetrado pelo colonialismo sionista em Gaza, através da catastrófica evolução da esperança de vida no território palestiniano. A ligação entre os dois é demasiado evidente.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Melhor aluno dos piores mestres


O país também terá de estar preparado para aumentar a sua despesa em defesa. Fazê-lo sem comprometer o Estado social é um dos desafios mais exigentes que o país vai ter do ponto de vista da gestão económica e da estabilidade financeira (...) Quando se fala em 3% do PIB afecto a despesas de defesa, face à realidade que o país tem hoje, estamos a falar de qualquer coisa como um reforço permanente de 4500 milhões de euros. Isto é mais de metade do que custa o SNS. 

Fernando Medina confirma em entrevista que tenta sempre ser o melhor aluno dos piores mestres, para adaptar o saudoso José Medeiros Ferreira

Não havia dinheiro para proteger e recuperar o poder de compra dos funcionários públicos, para tirar o investimento público socialmente útil dos níveis mais baixos da UE, mas já há dinheiro para o desperdício armamentista. É tudo o que a aparentemente atarantada, e sempre ultrapassada, elite da UE quiser. 

Da austeridade ao militarismo, vale tudo para ir erodindo o Estado social, de maneira aberta ou sonsa: “desafios”, diz, com o imenso topete do pensamento sempre único, num mundo cada vez mais diverso. 

Num mundo em desglobalização, é este quadro político-ideológico social-liberal anacrónico, agora a armar-se, que entrega o poder à direita assim cada vez mais extremada, de Portugal à Alemanha. 

Adenda. Naturalmente, apoia o nome de António Vitorino para Presidente da República, um dos facilitadores do bloco central dos interesses, o Marques Mendes do P sem S. Felizmente, há sempre alternativa.

Comuns


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Não é o tik-tok

A oferta política televisionada cria a sua própria procura política. Esta sempre foi a aposta dos capitalistas televisivos sem freios e contrapesos à altura. Quem não quer falar de capitalismo televisivo, não pode falar deste fascismo tão televisionado. Não, não é o tik-tok, de facto.

Amanhã, debate da Causa Pública, em Lisboa


A partir das 18h30, na livraria Almedina (Atrium Saldanha), a Causa Pública discute o regresso de Trump, com a participação de Ana Gomes, Pedro Ponte e Sousa e Viriato Soromenho Marques. Moderação a cargo de Daniel Oliveira. A entrada é livre, apareçam

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Previsível


Entre as medidas recentemente aprovadas pelo governo espanhol para responder de forma consequente à crise de habitação, consta o desincentivo à compra de casas por parte de estrangeiros não comunitários (foram cerca de 27 mil as adquiridas em 2023), agravando fiscalmente a aquisição até 100%.

De acordo com o Jornal Económico, que ouviu agentes do setor, é de prever que muitos estrangeiros passem a olhar para Portugal como alternativa ao travão espanhol à compra de casas, reorientando os seus investimentos para a parte ocidental da península e reforçando, assim, a procura externa que já existe (e o seu previsível aumento), amplificando o efeito de arrastamento dos preços (para cima) em que a mesma se traduz.

Dado que a atual crise de habitação resulta, precisamente, do surgimento de novas procuras (internas e externas), que encaram as casas como meros ativos de investimento, a medida no sentido certo que Espanha tomou constitui uma má notícia para Portugal. Contudo, como era também de prever, os «especialistas» do setor consideram que a decisão de Espanha tem um «efeito positivo», desejando que estes estrangeiros «queiram investir do lado de cá da fronteira».

Pouco importa, portanto, que esta pressão acrescida contribua para que os preços da habitação continuem a aumentar e a distanciar-se, ainda mais, dos rendimentos das famílias. O que é preciso é construir sem fim, por esses solos fora, para vender sem limites a uma procura que é potencialmente inesgotável. E continuar a insistir, com toda a lata imobiliária, que o problema se resume a uma mera falta de casas, a par da ideia de que não é o mercado de luxo «que rouba a habitação que faz falta aos portugueses», como defende Hugo Santos Ferreira. Pois não, claro que não

Adenda: Para lembrar este texto de Ricardo Paes Mamede no Público, a assinalar, oportunamente, que os impactos da crise de habitação vão muito para lá da questão do acesso em sentido estrito, atingindo a própria economia, a mobilidade social e os serviços públicos, sobretudo nos territórios onde a pressão é mais expressiva. E, também, a certeira metáfora a que recorreu nesse texto, sobre o efeito das novas procuras: «Num oásis do deserto onde as fontes de água secaram, o cantil de um viajante que por ali passa vale ouro. Se o número de viajantes aumentar de um para cinco, mas os habitantes do oásis forem 100, o valor do cantil até pode baixar um pouco, mas a grande maioria da população continuará sem água».