quarta-feira, 22 de março de 2023

Temos a taxa de IRC mais alta da Europa?

Volta e meia, insiste-se na ideia de que Portugal tem uma das taxas de IRC mais altas da Europa. Isso é verdade se se olhar para a taxa máxima de 31,5%. Mas a taxa efetiva, que corresponde ao que a maioria das empresas paga efetivamente após deduções, é pouco mais de metade, como mostram os dados disponibilizados pela Autoridade Tributária.

A taxa geral de IRC em Portugal é de 21% e já desceu substancialmente ao longo dos anos. Convém notar que, no caso das pequenas e médias empresas, os primeiros €50.000 de matéria coletável pagam apenas 17% e a taxa de 21% só se aplica ao excedente. Para uma empresa atingir a taxa máxima, tem de ser sujeita à derrama municipal, entre 0% e 1,5% consoante o município em questão, e à derrama estadual, que pode ir dos 3% aos 9% e se aplica a empresas com rendimento coletável superior a €1,5 milhões.

Em 2020, a percentagem de empresas portuguesas com rendimento coletável superior a 1,5 milhões de euros - ou seja, a percentagem de empresas que poderia ser alvo da derrama municipal ou estadual - correspondia a... 0,8% das empresas com coleta registada. É por isso que é útil olhar para a taxa efetiva de IRC, que indica o peso do imposto efetivamente pago no rendimento total das empresas quando se consideram os vários benefícios fiscais. Os dados da Autoridade Tributária dizem que empresas médias chegam a pagar mais do que algumas das maiores.

Centrar o debate na taxa máxima de IRC é revelador de falta de rigor ou de seriedade. De resto, até o think tank mais ativo da direita portuguesa já confirmou, talvez sem essa intenção, que não há qualquer relação entre estas taxas e o rendimento per capita dos países.

Mais: a ideia de que os cortes de impostos para as empresas estimulam o crescimento económico também não sobrevive ao confronto com os factos, como mostra a revisão de literatura feita pelos economistas Philipp Heimberger e Sebastian Gechert (o artigo foi publicado na European Economic Review e um resumo feito pelos autores pode ser lido aqui).

Não só não há evidência empírica que recomende a redução do IRC como solução para o crescimento, como há bons motivos para pensar que o problema da economia portuguesa é outro: o perfil de especialização pouco produtivo, favorecido pelas forças de mercado no contexto da integração europeia e da perda de instrumentos de intervenção pública na economia. É tema para um debate mais amplo, como tem sido feito aqui, aqui ou aqui.

1 comentário:

Rui Ávila disse...

É preocupante saber que muito poucas empresas sediadas em Portugal lucram o suficiente para atingir o patamar mais elevado de IRC. Pode-se daqui deduzir que as grandes empresas não investem em Portugal, preferindo países em que a taxa máxima de IRC é bem mais baixa?