terça-feira, 5 de abril de 2022

Guerra permanente

Montagem a partir do jornal Público, 5/4/2022
“Uns, os mais cínicos, sabem perfeitamente aonde é que vão: desejam a guerra e preparam-na como se prepara um mau golpe, porque têm a convicção de que, num tal momento, as circunstâncias lhe serão favoráveis.” (Os Thibault, Roger Martin du Gard, Edições Livros do Brasil, volume 2, pag.322

Outros, dizem condenar a guerra, mas defendem mais guerra:  

"Então, por que razão os europeus hesitam? Por que razão continuam a estabelecer uma linha divisória mais ou menos abstracta entre armas defensivas e ofensivas? (...) Há excepções, naturalmente. O Reino Unido está a rever o tipo de armamento que faz chegar à Ucrânia, para adaptá-lo a esta nova fase. Mas Londres sempre foi o país europeu que mais armamento enviou para a Ucrânia, aliás, bem antes do início da invasão. (...) Quem arrasta os pés? Há algumas hesitações em Washington, embora as últimas notícias indiquem que o envio de tanques, por entrepostos países da NATO que foram do Pacto de Varsóvia, pode estar a ser considerado. A França, a Alemanha e, aparentemente, a generalidade dos países ocidentais da União são os mais relutantes. Já antes da invasão, quando Kiev lhes pediu apoio, mantiveram uma atitude hesitante (a Alemanha argumentou que não podia fazê-lo à face da lei), com o argumento de que não queriam “provocar” a Rússia. Mantêm hoje o mesmo argumento? Se é assim, estão a pensar a seis meses, quando o que está em jogo na Ucrânia vai determinar o destino da Europa nas próximas décadas. Enquanto Putin estiver no poder sem ter sofrido uma derrota clara na Ucrânia, continuará a ser uma ameaça directa à segurança europeia. É nessa Europa que queremos viver? Os líderes europeus acreditam que Putin se vai sentar à mesa das negociações numa posição de fraqueza? Continuam à espera do milagre de um cessar-fogo? Acreditam nas rondas de negociações que vão acontecendo em Istambul? (...) Nada acontecerá sem que um dos lados tenha obtido uma vitória clara, mesmo que a definição do Kremlin de uma vitória clara possa estar a mudar." (Teresa de Sousa, Público, 3/4/2022)

"A paz, a paz, a paz, a paz, queremos muito a paz, a paz, a paz, a paz. Ouvir tantas exigências de paz a propósito da Guerra da Ucrânia desperta em mim os piores instintos." (João Miguel Tavares, Público, 5/4/2022) 

E há a paz, negociada e tendo em conta os vários interesses em causa. 

Pensar que só se consegue a paz através da guerra, como forma de conseguir uma melhor base negocial, para impor as condições a fixar pelos vencedores, aplicando a justiça dos vitoriosos, é a melhor forma de continuar a guerra. E de fomentar uma escalada do morticínio.  

No fim, ao fundo, sempre em último plano, haverá a vida que sobra das pessoas que sobreviveram à destruição e ao horror da guerra imposta por quem quis negociar através da guerra. Mesmo que haja quem viva bem com isso.


13 comentários:

Anónimo disse...

Nada como uma guerra para se conhecer bem a verdadeira natureza do Público. Já foi assim há 20 anos com o Iraque. Só admira ainda haver gente disposta a dar dinheiro do seu bolso para estes ditos jornais de referência.

Jose disse...

Nem sim, nem sopas...

João Ramos de Almeida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Ramos de Almeida disse...

Caro José,

Se para si a afirmação da paz é uma sopa, não preciso de dizer mais nada.

TINA's Nemesis disse...

Por que estes bravos homens e mulheres como João Miguel Tavares, Teresa de Sousa, etc. que andam a receber cheques dos oligarg… filantropos ocidentais para propagandear as guerras congeminadas no Pentágano e a austeridade da Comissão Europeia não vão para a Ucrânia defender os “valores ocidentais”?
Querem tanto a guerra, vão para a guerra!
Parem de mandar os outros para a morte!

João Miguel Tavares, Teresa de Sousa e outros não passam de covardes e têm mentalidades doentias.
Quanto mais depressa estes doentios deixarem de receber os cheques dos “filantropos” melhor.

Anónimo disse...

Os senhores da guerra subjugam os seus povos aos seus inconfessáveis interesses, a guerra que tem de ser declarada é à elite que defende a barbárie e não aqueles que pouco ou nada escolhem ou decidem.

Jose disse...

Caro João,
Nem sim nem sopas...´é o seu discurso, não o meu.

Sim ao trazer a paz aos ucranianos, sopas trazer aos ucranianos umas quaisquer indefinidas cedências aos russos.
Sim, é a cenoura, sopas, é o pau; e a sua oferta primeira é sopas!

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,

Nem sei como é que extraiu tantas conclusões do que escrevi. Para uma mente aberta parece um pouco pré-concebida :-) Apenas falei na Paz, na falta de interesse em prosseguir a guerra para poder negociar melhor e no interesse dos povos que se encontrem soluções, negociando. Quem cede a quem, isso depende dos negociadores. Calma, portanto, nos julgamentos apressados.

Agora, o que me parece bem presente na sua cabeça é que a solução passa necessariamente por se chegar a um acordo em que a Ucrania terá de ceder alguma coisa. Na verdade, a Ucrânia já estava disposta a isso até há uns dias. Veremos se não voltou atrás. E se esse for o caso, por que razão o fez.

Era bom que chegassem a um acordo rápido.

Jose disse...

Caro João,
«Veremos se não voltou atrás»
Se bem me lembro, a Ucrãnia adiava por 15 anos discutir a Crimeia, o que na prática é desistir da Crimeia; queria referendos sobre o independentismo a Leste; neutralidade com garantias credíveis de segurança; a troco da retirada
A resposta foi o reforço de guerra a leste de Kiev e a sul; a retirada de Kiev não passa da derrota de um golpe de estado sonhado.

Esse 'veremos se não voltou atrás', é do mais cínico que tenho lido e só traduz que os defensores da paz nem se atrevem a identificar o que imaginam satisfazer Putin.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,
Está completamente equivocado. E essa é a posição típica de quem não quer reconhecer os problemas no terreno, preferindo entrar em cruzada que nada resolve. Pelo contrário: só agrava.

Aquilo que é defensável é encontrar algo que possa ser um acordo Minsk2, já que os primeiros foram totalmente torpedeados, da pior maneira. E esse reconhecimento não implica necessariamente a defesa de Putin e da sua invasão. Apenas uma constatação consensualmente aceite. Creio que haveria interesse em encontrar formas equilibradas - não me peça pormenores, não estou lá - entre respeitar a integridade territorial da Ucrânia e aquelas zonas do país, com as suas características.

Os povos podem e devem viver em paz, salvaguardadas as suas diferenças. Deve haver uma multiplicidade de soluções. Basta haver vontade de evitar a guerra e os conflitos que apenas atingem os povos.

Anónimo disse...

Teresa de Sousa a mostrar a mais básica subserviência ao poder americano que, imagino, lhe pagou a carreira toda.

Uma gente indigna.

Jose disse...

Caro João,
Tudo isso é ignorar os planos e as acções de Putin.
1) Forçar um projecto Minsk2 sempre seria obtido com acções miltares nas zonas a Leste, sem agressão sobre civis e destruições massivas.
2) Todas as palavras e as acções de Putin traduzem que o plano que iniciou a sua realização em 2014, tem muito pouco a ver com respeito por características regionais e tudo indica serem etapas de um projecto de aniquilamento da Ucrânia.

Na Rússia está instaurado um nacionalismo imperialista. A componente étnica, não aparecendo na definição de uma cultura inimiga - a decadência ocidental - aparece todavia como claro factor de assimilação ao império de 'ao pé da porta'.
A distância para o nazismo é pouca.
A Eurásia de Orwell deve ser lembrada.

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo,
Era bom mantermo-nos na discussão/combate de ideias, sem personalizar as questões. No campo das ideias, tem razão: as ideias de T de S vão - neste caso - ao encontro das teses defendidas pela administração os EUA, mas suponho que seja mais por omissão de ideias na UE. O seu ideário é mais o federalismo europeu.

Caro José,
Eu até poderia concordar consigo, mas poderia também acrescentar que talvez não. A julgar pelo pensamento dos militares comentadores dos canais televisivos (que andam nisto há mais anos do que nós), a manobra de Kiev tendeu a retirar unidades militares do sul, para facilitar o trabalho militar russo a sul. Mesmo que o objectivo fosse preservar as zonas russófilas, era preciso criar uma zona de garantia para não haver futuros ataques, o que alargaria a zona onde intervir.

Acho - e estamos no mundo dos "achismos" - que ninguém sensato iria invadir a Ucrânia com um exército daquela dimensão, contra um povo que não os recebeu bem e sabendo que a NATO estaria por detrás da Ucrânia a fornecer-lhe equipamentos. Não faz sentido. Além disso, tendo a pensar - ainda mais "achismos" - que o conceito militar russo - que deve entroncar no do passado - não é "imperial", mas de salvaguarda da sua situação na Eurásia. Poderá haver uma tentativa de ter um novo papel num mundo multipolar - por oposição a muno unipolar da NATO/Estados unidos- mas se assim for, será em coordenação com a China, não será um projecto pessoal de Putin. Mas não ponho as mãos no fogo por Putin.