Depois de o Primeiro Ministro ter afirmado que o aumento dos salários criaria uma espiral inflacionista, o Ministro das Finanças insistiu, dizendo que aumentar os salários levaria a uma perda de poder de compra.
Sejamos claros: o PM e o MF não têm qualquer base para sustentar esta afirmação.
O aumento dos salários só levaria a uma perda de poder de compra se tivesse como consequência um aumento ainda maior da generalidade dos preços, mais do que anulando os aumentos salariais.
Mas há aqui dois problemas:
i) Há décadas que os economistas académicos tentam identificar uma relação robusta entre aumentos salariais e inflação, sem sucesso. Por outras palavras, a melhor ciência internacional não valida a afirmação que é feita pelo PM e pelo MF.
ii) O aumento dos salários tem mais tendência para afectar a evolução global dos preços quando as economias se encontram próximas do pleno emprego e quando os salários crescem acima da produtividade. Nem uma coisa nem outra se verificam na actualidade (nem se verificariam caso os salários aumentassem 2% ou 3%, em vez dos 0,8% previstos na proposta de OE em discussão).
Como o aumento geral dos preços é, em larga medida, resultado de um conjunto de choques internacionais do lado da oferta (associados, em particular, à guerra na Ucrânia e aos confinamentos na China), o contributo da queda dos salários reais para a contenção dos preços será diminuta. Sendo assim, o que leva o governo a insistir nesta via?
As explicações que encontro para a decisão de deixar cair de forma abrupta o poder de compra de quem vive do seu trabalho são duas:
i) O governo quer aproveitar a boleia da inflação para acelerar o ritmo de redução da dívida pública.
ii) O governo quer proteger os empresários das quebras de lucros que decorrem do aumento dos custos de produção.
No abstracto, nenhum destes objectivos seria criticável. Mas nas circunstâncias actuais, esta opção é pouco justa e pouco prudente:
i) Pouco justa, porque faz recair sobre os trabalhadores (dos sectores público e privado) a maior parte dos custos da crise actual, enquanto algumas empresas vêm os seus lucros crescer de forma acelerada.
ii) Pouco prudente, porque a quebra abrupta do poder de compra da maior parte da população leva à estagnação da procura interna, com consequências na actividade económica e no emprego.
As medidas já anunciadas para limitar os impactos na economia do aumento dos preços dos combustíveis e dos bens alimentares são positivas. O mesmo se aplica aos apoios previstos para segmentos da população mais desfavorecidos. No entanto, as medidas em causa ficam longe de resolver as injustiças na distribuição dos esforços ou de prevenir os efeitos recessivos da perda de poder de compra.
Em geral, ter contas certas é uma política de esquerda, estamos de acordo. Saber quando e em que medida acertar as contas ainda o é mais. A opção do governo, à data de hoje, traduz-se no aumento das desigualdades e nos riscos de uma recessão induzida pelas opções orçamentais. Há muito pouco de esquerda – ou de mera sensatez – nesta política.
6 comentários:
Aguarda-se a adequada formulação que fundamenta porque 'os salários não devem refletir as crises económicas'.
Todos os meus economistas reclamam "por um lado" mas "por outro" queixava-se Truman.
O que faz António Costa achar que subir salários é imprudente são razões ideológicas
A espiral inflacionária pode ser um mito mas o aumento de salários deixaria na mesma nas mãos das empresas a decisão de quem paga crise: os trabalhadores ou os lucros. E penalizariam os trabalhadores facilmente aumentando os preços. Não há portanto nenhuma maneira de assegurar que esse aumento fosse acompanhado por um aumento do poder de compra. A não ser obviamente com mecanismos de controlo de preços. Mas por enquanto essa decisão ficará apenas entre um grupo restrito de pessoas não eleitas sem qualquer responsabilidade moral sobre as consequências das suas ações.
O Estado, não ocupa uma posição neutra no confronto inter-classista. Desse modo, pese embora a liturgia demo-liberal confira aos centros institucionalizados de poder (quer aos de natureza colectiva, quer aos de carácter individual), os resquícios de legitimidade formal que permitem o exercício normal dos vários cargos e funções, por parte dos respectivos titulares dos múltiplos cargos políticos, eles não deixam, em qualquer caso, de estar onde estão, que não em função do seu posicionamento e opções de classe. António Costa é primeiro-ministro de Portugal e goza da legitimidade formal que lhe foi dada nas urnas (legitimidade formal, dado que a desigualdade de armas entre os contendores eleitorais é de tal modo ostensiva, que nem vale a pena perorar muito sobre o assunto); por outro lado, essa ascensão ao poder - a sua e a de outros que consigo estão - só é possível se o seu posicionamento de classe (que é como quem diz, se o seu posicionamento político-ideológico), corresponder aos interesses da classe dominante, isto é, daquela que controla o Estado e os seus mecanismos, em suma, daquela que controla o poder. Visto assim, a decisão de continuar a tirar aos de baixo para continuar a dar aos de cima, é não apenas uma posição coerente mas sobretudo uma posição pré-determinada pelos eixos paradigmáticos da acção política do Partido que a si mesmo se designa por "Socialista".
Urge a redução dos salários de António Costa e Fernando Medina para o valor do salário mínimo, claramente contribuem para a espiral inflacionária!
Não podemos acabar como a República de Weimar!
Contas certas custe o que custar!
Não há alternativa!
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