O gráfico acima foi retirado do último relatório do FMI sobre a evolução da economia da Grécia. A azul, temos a projeção que o FMI apresentou em 2010 sobre a dimensão da crise e o ritmo de recuperação da Grécia seguindo a receita da austeridade. A roxo/vermelho, temos a trajetória realmente verificada da queda do PIB per capita grego, que superou quase todas as crises de que há registo. Hoje, o FMI estima que a Grécia consiga regressar ao PIB per capita que tinha antes dos programas de austeridade em... 2037.
Os programas de ajustamento foram uma espécie de demolição controlada da economia grega. Mas as consequências foram bastante piores do que o FMI previa. Como se pode ver, o colapso grego foi incomparavelmente superior ao dos restantes países periféricos da Zona Euro em 2008-12 e também ao da crise financeira asiática de 1996-97. Na verdade, só é comparável com a Grande Depressão de 1939 nos EUA, a maior do século XX, e da qual a economia norte-americana recuperou bastante mais rapidamente.
As diferenças nas trajetórias das duas economias têm uma relação bastante clara com a política económica seguida em cada contexto. Se, nos EUA, a Grande Depressão motivou um conjunto de estímulos orçamentais – o New Deal – que reanimou a atividade económica através do investimento público e viria a marcar a história da política económica de inspiração keynesiana, a Grécia adotou a resposta oposta face à crise financeira de 2008, seguindo a estratégia da austeridade e contenção drástica da despesa pública receitada pelo FMI. As medidas de austeridade agravaram a quebra de rendimento e, com isso, prolongaram a recessão com impactos devastadores na economia grega: a taxa de desemprego, que era inferior a 8% em 2008 e atingiu os 28% em 2013, ainda não voltou aos valores pré-crise.
O relatório também dá uma ideia dos impactos distributivos da crise e da austeridade: a quebra do consumo foi bastante maior entre as classes de menores rendimentos, que foram desproporcionalmente afetadas (sobretudo no 1º quintil e, em menor medida, no 2º quintil da distribuição). É uma consequência muito pouco surpreendente, tendo em conta a experiência histórica: um estudo de quatro investigadores da Universidade de Boston, publicado no ano passado, avaliou o efeito dos programas de ajustamento do FMI em 79 países em desenvolvimento ao longo das últimas duas décadas e concluiu que a imposição de medidas de austeridade mais rígidas está associada ao aumento das desigualdades e da pobreza. De acordo com este estudo, os programas de austeridade tendem a concentrar o rendimento nacional nos 10% do topo, ao passo que todos os outros escalões perdem rendimento.Na resposta à crise pandémica, o FMI surpreendeu ao adotar uma postura diferente. Além de reconhecer o papel indispensável do investimento público na recuperação económica, a instituição defendeu aumentos de impostos sobre os mais ricos e sobre os lucros extraordinários das grandes empresas para o financiar. Mas a verdade é que os programas do FMI não mudaram assim tanto: de acordo com a Oxfam, mais de 85% dos empréstimos negociados com países de menores rendimentos nos dois anos após a pandemia continuam a encorajar medidas de austeridade que vão dos cortes nos serviços públicos aos aumentos de impostos sobre bens do quotidiano, incluindo a alimentação ou a roupa. A Oxfam denuncia o duplo critério da instituição: "avisa os países ricos para evitarem a austeridade enquanto empurra os países pobres para esta". As notícias sobre a mudança do FMI são manifestamente exageradas.
2 comentários:
Nós podemos usar eufemismos como “desastre” para descrever os efeitos do programa “de ajustamento e reformas estruturais” ou então deixamos eufemismos de lado e usamos “crime económico” conscientemente perpetrado por organizações sem escrutínio democrático.
Portanto, o FMI tem um histórico de “desastres” que acabam sempre por degradar, destruir a economia e por transferir rendimento da base para o topo... Quantas mais décadas, “desastres” e miséria precisamos para finalmente admitirmos que estas organizações supranacionais não têm boas intenções?
Certamente aqueles que se dizem anti-austeridade, que dizem “outra Europa é possível” não acreditam que podemos alterar a austera realidade e começar a resolver os problemas graves da sociedade apenas repetindo slogans ad nauseam?…
Slogans não enchem a barriga daqueles que querem um Estado que os sirva bem e que cumpra com os seus deveres constitucionais.
Sim, foi declarada guerra à Grécia aquando do golpe a que foram sujeitos, sim, foi a Europa dita civilizada que a declarou, os responsáveis por isto têm de ser julgados ou a morte e a devastação por crimes económicos é algo que é visto como desejável?
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