sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Da representação democrática (V)

Num artigo publicado em novembro, Susana Peralta chamava a atenção para os resultados de um estudo coordenado por João Cancela e Marta Vicente, sobre a abstenção e participação eleitoral em Portugal. Um dos dados mais surpreendentes e perturbadores tem que ver, como sublinha Susana Peralta, com a constatação de que, a partir de 2002, «a participação dos eleitores mais ricos sobe, enquanto a dos mais pobres desce». Ou seja, a composição do Parlamento representa desde então «cada vez mais os privilegiados e cada vez menos os pobres».


Do ponto da representação democrática, e ainda que não resultando neste caso de nenhum entorse do sistema eleitoral, esta realidade vem juntar-se ao problema do «desperdício de votos», decorrente da ausência de um círculo eleitoral único que, à escala do continente, permita recuperar os votos de partidos que estão, na prática, impedidos de assegurar a representação de votos obtidos em muitos dos círculos eleitorais.

Em segundo lugar, como assinala igualmente Susana Peralta no seu artigo, deveremos preocupar-nos seriamente com a «reserva adormecida» que este eleitorado abstencionista representa, e que pode «ser mobilizada por líderes populistas em quem estas pessoas vêem (bem ou mal, isso não vem ao caso) uma possibilidade de se verem representadas». Ou seja, deve preocupar-nos a responsabilidade que as políticas e orientações políticas têm na génese e crescimento do mal-estar social que, um pouco por toda a Europa, tem alimentado em termos globais o aumento da votação na extrema-direita.

3 comentários:

Anónimo disse...

"...«reserva adormecida» que este eleitorado abstencionista representa,..."
Na verdade quem apresentar uma mensagem e uma imagem que consiga mobilizar metade de esses 4 milhões de abstencionistas, 2 milhões, será o próximo PM de Portugal.

Curiosamente é fácil adivinhar o óbvio: o teor de essa mensagem.
Todos os partidos hoje sentados na AR também sabem e receiam (com boas razões) o óbvio.
Já é e será cada vez mais ridícula a exposição, em defesa própria, das suas posições.

tempus fugit à pressa disse...

os abstencionistas não votam por diversas razões a principal é estarem velhos e fartos de votar para dar dinheiro a uns engravatados ou sem gravata em são bento, é um país de velhos e cansados aguentem-se

Nyth disse...

Faço notar que os abstencionistas nem são os 20% mais ricos nem os 20% mais pobres, já que a taxa de participação (1- taxa de abstenção) é inferior ao limite inferior de tanto os 20% mais ricos como os 20% mais pobres.

Parece-me até natural que tal assim seja, já que os ricos quererão proteger a sua posição, e os pobres melhora-la.