sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

A pobreza e os fundos

Ainda a pobreza.

Apenas mais um discurso de 1993 quando o então líder socialista, António Guterres, na oposição ao governo PSD, lembrava que existiam dois milhões de portugueses que recebiam abaixo das suas necessidades de alimentação.

"É um problema incompreensível num país que recebe mil contos por minuto, 1,5 milhões de contos por dia a fundo perdido das comunidades europeias que inteiramente bem aplicados poderiam minorar a crise económica e resolver tantos e tantos problemas sociais", disse Guterres numa intervenção centrada nos escândalos financeiros relacionados com fundos estruturais. A resposta do PSD esteve a cargo do responsável da bancada social-democrata, Duarte Lima, hoje com diversos processos na Justiça.

Na verdade, a abusiva aplicação dos fundos comunitários ficou por julgar em Portugal devido a uma desconexão entre o Código Penal e o Código do Processo Penal, relativo a prazos de prescrição. Na origem, esteve uma acção interposta por um jornalista que acusou o então primeiro-ministro Cavaco Silva do crime de difamação, cujo desfecho acabou no Supremo Tribunal de Justiça que consolidou jurisprudência, a favor de Cavaco Silva. E com essa decisão, fez prescrever os mega-processos judiciais, como o Fundo Social Europeu, Partex, UGT, Grupo Amorim, etc. Em 1993, era desta forma que Cavaco Silva respondia às queixas sobre usos fraudulentos desses fundos. De referir que, em 1987, Cavaco Silva recebeu da Ordem dos Médicos um dossier sobre o caso Costa Freire e a empresa PA. Nada fez. 

Cavaco Silva acabou por fugir do Governo. Depois disso, Guterres não resolveu o problema dos pobres. E acabou por fugir, primeiro, do Governo e, depois, de Portugal. O primeiro-ministro seguinte acabou por fugir de Portugal (ele disse que pensou muito nos portugueses...). Os outros não fugiram de Portugal, mas contribuíram para que os portugueses fugissem do país. E os portugueses fogem do país quando se vêem sem perspectivas.

Passados 27 anos, lá estão os mesmo dois milhões de portugueses a viver na pobreza - serão os mesmos de 1993? E Portugal deverá receber uma quantia semelhante de fundos comunitários, num país que é já mais rico.

A pobreza não é um fenómeno isolado de tudo.

P.S. - As minhas desculpas aos mais sensíveis, por insistir no tema nos últimos dias. A culpa é que há demasiados videos de arquivo sobre o tema, nos arquivos da RTP.

5 comentários:

Anónimo disse...

O Mundo à beira de uma guerra e vocês com estas novidades...
Faz lembrar o início do jornal da tarde na SIC. Começou com Ricardo Araújo Pereira e o seu contrato na SIC e só depois é que deu a notícia chave.
Assim somos e assim vocês são.
Lamentável.

Anónimo disse...

Se queres "novidades" sobre a novíssima "guerra americana" vai à CNN...

Anónimo disse...

E enquanto sunitas e xiitas se matam à paulada e o Trump faz campanha eleitoral, os trabalhadores portugueses podem continuar a empobrecer...
Nada de novo...

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo,
Tem toda a razão. Foi uma coisa que surgiu ao correr da pena e foi de aproveitar. Depois ficava esquecido para todo o sempre.

Mas acho que também exagera. Esta guerra mundial que tanto o aflige já está em campo há décadas. E essa guerra faz parte da mesma guerra, da mesma eterna guerra. Todos nos lamentaremos no futuro se acharmos que é melhor preocupar-nos com uma guerra que nos parece longínqua - até porque o protesto até é fácil - quando ela aí está à nossa porta, em diversas dimensões. E bem mais à nossa dimensão de lidar com ela.

E se ganharmos a guerra aqui, estaremos em melhores condições para a travar além fronteiras. Por isso, não menospreze as guerras internas ou assuntos internos que lhe poderão parecer, para já, menores. E apenas estou a pensar no seu argumento, sem mencionar o que poderia melhorar para os dois milhões de pobres portugueses.


Jaime Santos disse...

Pode falar à vontade, não impressiona nada. E pelo menos reconhece que o País de facto se tornou mais rico (e a UE teve mesmo alguma coisa que ver com isso.) Agora, importaria dizer o que distingue esses pobres (os 18% da população que seriam muitos mais sem as transferências sociais, note-se) dos de 1993...

Ver aqui: https://www.pordata.pt/Portugal/Limiar+de+risco+de+pobreza-2167

Não sei se os rendimentos estão expressos em Euros referentes ao mesmo ano, mas dada a baixa inflação que caracterizou os últimos 20 anos, suspeito que mesmo que assim não seja quem hoje em dia é pobre aufere de maiores rendimentos que um pobre em 1993...

É suficiente? Claro que não é, mas vale a pena ler os números no seu contexto antes de arrancarmos as roupas...

A pobreza tem pelo menos duas dimensões, a da privação material e a da perda da dignidade, João Ramos de Almeida. Relativamente à primeira, é de longe preferível ser-se pobre num País mais desenvolvido. Relativamente à segunda, torna-se necessário fazer mais para diminuir a pobreza, como fez a Geringonça que conseguiu diminuir a desigualdade em Portugal...