segunda-feira, 16 de julho de 2018

Escrever na praia


À medida que a legislatura se aproxima do fim, começam a surgir textos de balanço sobre o que representou a experiência da actual maioria para o país e para a esquerda. Um desses balanços foi proposto pela Catarina Príncipe, num texto na Jacobin.

Porque este debate é importante e porque as questões levantadas são pertinentes, gostaria de participar nele. Usarei como referência o texto da Catarina, com tradução minha dos excertos citados.

Resumindo a minha leitura do texto, diria que o texto da Catarina avança com alguns diagnósticos correctos, outros forçados e outros ainda contraditórios para chegar a uma conclusão… a que depois não chega.


Diagnóstico 1: “O papel atribuído a Portugal era o de servir como exemplo para o resto da Europa. Servia para provar que austeridade funciona.”

A primeira ideia é a de que as instituições europeias teriam escolhido Portugal para ser o bom exemplo da austeridade e que teriam dedicado a Portugal um tratamento mais favorável do que o dado à Grécia. Claro que uma hipótese alternativa seria a de que as instituições europeias simplesmente apoiaram um governo como o de Passos Coelho que implementava fervorosamente as suas orientações e perseguiram um Governo como o grego que dava sinais de uma potencial insubordinação, sinais infelizmente nunca confirmados.

Na verdade, a actual maioria parlamentar foi recebida com inequívoca hostilidade. A Catarina conta muito mal a história quando diz:

“Mais tarde em 2016, embora o nível do défice estivesse acima do limite imposto pelo Tratado Orçamental, a Comissão Europeia decidiu não aplicar sanções a Portugal ou Espanha.”

Falta dizer que o défice de Portugal estava muito abaixo do de outros países como a França e incluía uma redução muito considerável no OE2016 para valores inferiores aos do PEC, ao contrário da França, mesmo antes de ser rejeitado pela Comissão, obrigando a uma revisão. É verdade que beneficiámos da companhia do governo de direita da Espanha, como refere a Catarina. Também beneficiámos da percepção de que as sanções penalizariam politicamente o governo anterior e não o actual. Mas não é menos verdade que o arrastamento da polémica durante meses foi mais uma punição política e financeira à nova maioria e a um governo acabado de empossar ou, no mínimo, um aviso à navegação. Ao longo da legislatura, a opção da Comissão foi a de tolerar a actual solução, escolha possível, claro está, porque o Governo sempre fez questão de afirmar que as regras do Euro seriam escrupulosamente respeitadas. E foram.

Diagnóstico 2: “Retrospectivasmente, esta foi uma boa opção tática: num clima de recuperação económica lenta, mas estável ao nível Europeu e nacional, permitia ao PS usar a margem de manobra a seu favor, com a introdução de políticas de austeridade-leve.”

O termo austeridade não é um termo técnico e, portanto, presta-se às mais variadas definições, incluindo as de geometria variável. Por isso, se quisermos definir a política actual com recurso a essa terminologia, temos primeiro de nos entender sobre o que queremos dizer quando falamos de austeridade. Para que a definição escolhida tenha alguma coisa a ver com a percepção pública que existe sobre o assunto, proponho definir como austeridade, a política defendida por Bruxelas de desvalorização real, ou seja, de compressão dos salários, incluindo naturalmente os serviços públicos.

“No entanto, longe de ser uma solução, a austeridade agrava o problema, criando um ciclo vicioso de redução salarial, redução do consumo, aumentos de impostos e aumento da dívida pública. Mas Portugal, de facto, ganhou alguma margem de manobra, libertando-se desse processo.”

Um bom resumo de ambos os processos. Mas o que a Catarina faz é descrever o processo que é desencadeado pela política de austeridade para depois dizer que Portugal se "libertou" desse processo e logo a seguir voltar a falar de austeridade:

“O facto de a austeridade já não ser tão dura permitiu uma pequena retoma do rendimento (essencialmente entre os funcionários públicos e pensionistas), que começou lentamente a reconstruir uma classe média desmantelada.”

Vale a pena referir que os pensionistas que beneficiaram de medidas de reposição de rendimento andarão perto dos 3 milhões. Mas a esses ainda convém somar dois universos com sobreposição, os 669 mil funcionários públicos e os 670 mil trabalhadores com salário mínimo, bem como os beneficiários de prestações sociais que viram repostos os cortes nessas prestações. Se somarmos a estes os contribuintes afectados pela reversão (muito) parcial da reforma do IRS executada por Vítor Gaspar, temos que uma enorme maioria da população beneficiou de medidas de reposição de rendimento, e certamente a parte mais desfavorecida.

É evidente que esta política está bem longe de repor sequer os níveis de rendimento pré-troika, quanto mais de traçar um futuro decente para a esmagadora maioria das pessoas. No entanto, chamar a isto austeridade-leve é promover um equívoco altamente prejudicial para a compreensão da situação política. Um equívoco que, aliás, a direita tem encorajado por duas razões: a) iliba o seu próprio governo através do discurso “eles estão a fazer o mesmo” e b) consolida a percepção de que as alternativas à austeridade são ilusórias. Mais rigoroso seria definir a actual política como anti-austeridade-lite.

Diagnóstico 3: “Uma retórica de limitação da pobreza veio a substituir qualquer apelo à resistência às políticas de austeridade impostos a nível Europeu.”

O diagnóstico mais grave do texto da Catarina é o que basicamente coloca os partidos à esquerda no bolso do PS. Retrospectivamente, a Catarina critica a estratégia negocial dos parceiros à esquerda do PS por não terem ido mais longe na negociação do acordo. Começando pelo desafio lançado por Catarina Martins a António Costa, que a Catarina descreve da seguinte forma:

“Esta foi uma táctica inteligente: forçou o PS a definer-se politicamente e a clarificar as suas lealdades. Mas baseava-se em 3 premissas que depois se revelaram incorrectas: 1) que o PS ganharia as eleições, 2) que o Bloco de Esquerda teria um resultado baixo e 3) que o PS se recusaria a negociar com a esquerda.”

As premissas são da Catarina (Príncipe) e não nos permitem perceber então porque é que o apelo foi reiterado na noite eleitoral, já depois de conhecidos os resultados eleitorais (ou seja, sem as premissas 1 e 2) e, já agora, porque é que o PCP manifestou, também na noite eleitoral, igual disponibilidade. Se era tudo um bluff, porque é que acabou por acontecer?

Daqui a Catarina parte para a crítica do acordo obtido, por considerar, aparentemente, que teria sido possível obter condições mais favoráveis da parte do Partido Socialista. É um posição optimista sobre um debate especulativo, mas muito interessante: teria sido possível introduzir elementos mais precisos no que diz respeito a matérias como legislação laboral, serviços públicos ou investimento? Teria o PS assinado um acordo com essas características? Podia a esquerda não assinar o acordo a que efectivamente se chegou? A Catarina parece achar que sim, mas não se pode dizer que se perca em detalhes sobre o assunto:

 “Esta estratégia deveria ter acentuado as contradições do governo do Partido Socialista, através de uma estratégia dentro-fora virada para exigências conducentes a uma verdadeira superação da austeridade e aproveitando a acumulação de descontentamento. Neste quadro, era necessário deixar em aberto a possibilidade de, no limite, quebrar o acordo, mesmo que com o custo de derrotas eleitorais temporários.”

Na realidade, é difícil perceber em que é que a primeira parte desta recomendação é diferente do que foi feito, seja no plano institucional seja no plano dos movimentos, quer pelo Bloco, quer pelo PCP, salvaguardando diferenças de estratégia e cultura política. No plano institucional, a esquerda manteve uma linha de proposta autónoma, combinada ou não com negociações com PS e governo. Esse facto, de resto, foi frequentemente comprovado pelos diversos momentos de tensão ou divergência aberta que marcaram e continuam a marcar a vigência do acordo.

No plano dos movimentos, aos quais a Catarina dedica uma boa parte do final do texto, a realidade é bem mais eloquente. Quando o acordo foi assinado, o movimento social vivia numa letargia absoluta que data da crise política que ocorreu a meio do mandato do governo das direitas. Essa crise decorreu das enormes mobilizações dos primeiros anos da troika e a sua resolução foi um golpe profundamente desmoralizador para os vários movimentos. Até ao final do mandato das direitas, esse foi o estado do movimento social em Portugal.

O acordo mudou isso? Nos primeiros anos com a nova maioria, a resposta parecia ser claramente que não. A contestação parecia ter passado para as mesas de negociação e o atentismo era a postura dominante na maior parte dos movimentos.

Hoje, no entanto, isso não é, pura e simplesmente, verdade. Há, nomeadamente na frente dos serviços públicos e em lutas laborais concretas, um cenário bem mais animador. E indiscutivelmente melhor do que aquele que existia quando o acordo foi assinado. E a explicação é, na realidade, bem simples: os movimentos não se movem apenas por indignação ou injustiça. Também precisam de ter gente que acredita que pode ganhar. E nos últimos 3 anos, houve vitórias. Por mais modestas, por mais parcelares, por mais invisíveis para a Catarina que sejam, essas vitórias constroem mais mobilização do que todos os “apelos à resistência” que, de resto, nunca deixaram de ser feitos. 

Conclusões: “Se o Partido Socialista propuser um novo acordo de governo, com que base política pode a esquerda não aceitar? Se em 2015, o “medo da direita” serviu para justificar toda a espécie de acordos, o que poderá fornecer um pretexto similar em 2019?”

Para ser franco, esperava que um texto tão demolidor no plano do diagnóstico tivesse dado origem a uma proposta estratégica clara, por mais polémica ou ousada que fosse. É de certa forma um “anti-climax” que um texto que propõe um diagnóstico tão sombrio sobre uma esquerda radical refém da social-democracia acabe com referências consensuais à importância da luta não-institucional e interrogações quanto ao resto.

Se o acordo está a sufocar a resistência, deve esse acordo ser repudiado? Deve um novo acordo ser rejeitado à partida? Se a resposta da Catarina for, como a minha, não a ambas, é justo dizer que essa posição se deve ao tal “medo de derrotas eleitorais”? E nesse cenário, quais seriam as condições concretas da Catarina? Tudo isto fica por responder e é uma pena. Pela minha parte, respondo:

1. Fizemos bem em assinar o acordo, mesmo que não tenhamos feito tudo bem nas negociações e depois delas, e apesar da lamentável falta de diálogo entre as forças à esquerda do PS. Se a esquerda radical tratar a vida das pessoas como um detalhe nos seus debates estratégicos, bem pode preparar-se para o justo desprezo a que foi votada em muitas paragens dessa Europa pelo povo que diz defender. Se a esquerda rompesse o acordo por outra razão que não fosse uma flagrante violação do acordo por parte do PS, seria simultaneamente responsável e vítima, não de uma derrota eleitoral, mas sim de uma profunda derrota política e social. Não é por acaso que a Catarina fala dessa hipótese a título meramente teórico, com o extremo cuidado de não se comprometer;

2. É, para mim, impensável que a esquerda não formule uma proposta concreta de convergência para o próximo ciclo político, que avance com propostas nas principais áreas em que este governo falhou: saúde, educação, ciência, cultura, investimento público, legislação laboral e dívida. Uma proposta certamente mais exigente porque as pessoas o exigem, mas uma proposta séria porque as pessoas também o exigem;

3. Continuo a não vislumbrar qualquer contradição (muito pelo contrário) entre um programa abertamente eurocéptico e anticapitalista como são os do PCP e BE e uma acção concreta quotidiana, dentro e fora das instituições nacionais e europeias, na procura de todas as vitórias possíveis para a vida das pessoas hoje. A alternativa é uma esquerda tão inofensiva quanto os seus apelos, refugiada na sua inutilidade. Felizmente, Bloco e PCP, fizeram a única escolha radical: fazer o combate do seu tempo em vez de se meterem no cantinho da razão.

15 comentários:

Jaime Santos disse...

Ora bem, e espero que continuem dispostos a colaborar ou seja, dispostos a aceitar que é melhor ganhar alguma coisa do que refugiar-se na pureza programática e não ganhar nada. E isso também quer dizer que é preferível ser a Esquerda a condicionar um PS ao centro (que será sempre um Partido de Centro porque é o que a maioria dos seus votantes quer que ele seja) do que mandá-lo para os braços da Direita e para um consequente definhamento eleitoral. É que as experiências europeias têm mostrado que a Esquerda radical, tirando talvez o exemplo inaugural do Syriza, não tem ganho um voto que seja com a crise da social-democracia...

Anónimo disse...

Há alguns comentários ao texto de J. Gusmão

Mas é triste ver que Jaime Santos continue na sua onda justificativa da traição, já não de um socialismo decente, mas sim de uma ex-social-democracia envergonhada.

Passou o PS a um Partido do Centro... E ainda por cima por ser isso que "a maioria dos seus votantes quer". O mais descarado oportunismo político de mãos dadas com o maior vazio programático.

É triste

Tal como é triste ver como a ignorância de JS se confunde com a manipulação dos media e com a propaganda neoliberal vil. Chamar ao Syriza de esquerda radical faz lembrar Passos a falar do mesmo partido. Ou Cavaco.

Quanto ao ganho de votos ou ao não ganho de votos. Esta memória de JS cada vez está mais selectiva. Nem vale a pena entrar numa contabilidade espúria.Mas aí Corbyn, tão insultado pela elite social-democrata ( e também por JS ) parece que tem ganho bastantes. Não será radical? Pois não. Mas quem chama radical a Alexis Tsipras que está bem mais à direita, não tem o direito de contestar a afirmação

E já agora, não impressiona a JS ver o descalabro duma ex-social-democracia por essa europa fora? E ainda quer contabilizar votos? E agora quer apostar nos partidos do centro?

Anónimo disse...

O combate do seu tempo é o combate da razão e é exactamente por isso que os partidos que se querem relevantes e sérios não podem permitir o retrocesso de politicas que consideram progressistas.

Anónimo disse...

Relembro, a propósito, o que escrevi há uma semana, num comentário a outro "post" deste blogue, sobre os "entendimentos à esquerda" no Outono de 2015 e as perspectivas para as legislativas que aí vêm:

"a) O PS, que nem sequer conseguiu mais deputados eleitos que o PSD nas legislativas de 2015, ficou nessas eleições bastante longe da coligação eleitoral PSD/CDS (e ainda mais longe da maioria absoluta).

b) A coligação eleitoral PSD/CDS não conseguiu a maioria absoluta, pelo que só poderia continuar a governar se o PS deixasse.

c) O povo português pode ser maioritariamente "sereno", mas a verdade é que estava mesmo farto da governação PSD/CDS.

d) Logo na noite eleitoral, enquanto uns choravam a derrota e outros festejavam a "vitória", apareceu nas televisões um sereno Jerónimo a sentenciar que o PS só não formaria governo se não quisesse."

Posso juntar uma nova alínea:

e) Na passada 6ª feira, no debate do Estado da Nação, António Costa afirmou que a "Geringonça" está "sem duplicidade" no "coração e na cabeça" do Governo, salientando que "esta solução política começou a ser construída com PCP e PEV, juntando-se depois o BE".

Nas próximas eleições legislativas - antecipadas ou não - o PS não deverá chegar à maioria absoluta. Mas é de prever que, com muito mais do que os 32,3% obtidos em 2015, consiga desta vez eleger mais deputados que o PSD, com o duo PSD/CDS de novo em minoria absoluta (mesmo que consiga ultrapassar o PS em número de deputados). Costa, líder do partido maioritário, será então naturalmente encarregado de formar Governo pelo presidente Marcelo.

Entretanto, os blocos com mais peso no Bloco, num "Balanço e Perspectivas" em forma de moção (https://www.bloco.org/media/MocaoAUm_Bloco_mais_forte_para_mudar_o_pais.pdf), afirmam que o Bloco "quer" entrar para esse Governo liderado por Costa, a seguir às próximas legislativas:

"Em 2019, o Bloco quer ser força de governo, com uma nova relação de forças. Um governo de esquerda dá uma garantia ao povo: defende o salário, a pensão e o emprego. Não aceita recuos, nem a precarização do trabalho nem a redução do salário e da pensão. Esse governo fará o que o PS recusou fazer, partindo do ponto em que o PS travou, sem tibiezas: relançar a saúde e escola públicas e a dignidade do trabalho, combater o rentismo e recuperar a propriedade de bens estratégicos na economia e no ambiente. Em simultâneo, abrir um processo de alteração dos tratados europeus para a redefinição da política económica e da dívida. Sem essa redefinição, não há espaço para políticas de esquerda."

Caro JG, aguardo um "post" seu comentando esta moção.

A. Correia

Anónimo disse...

Uma boa achega de A. Correia.

Jorge Alves disse...

Em 2015 não foi o PSD, mas sim a PàF (PSD+CDS) que elegeu mais deputados que o PS. A distribuição desses deputados por PSD e CDS foi só conhecida depois, e eles é que decidiram quantos deputados cada um "elegia".
Assim, por taticismo pouco a ver com a realidade, o PSD escolheu ficar com +3 deputados que o PS, para fingir que era o 1º, e o CDS ficou com +1 deputado que PCP, fingindo não ser o último grupo parlamentar.

Boa parte dos deputados que a direita elegeu a mais, devem-se exclusivamente, não ao maior nº de votos, mas à falta de proporcionalidade da lei eleitoral, com o Método d'Hondt, beneficia os mais votados (dando-lhes mais % de deputados do que a % de votos), e prejudica os menos votados (tirando-lhes a % de deputados a que teriam direito).
Os 89 deputados do PSD e os 18 do CDS, somam 46,5% dos deputados, mas a coligação só teve 38,5% dos votos!

Já PCP e BE, com 19 e 17 deputados, ficaram só com 15,7% dos deputados, mesmo tendo 18,5% dos votos.
É por esta estupidez anti-democrática e anti-constitucional, que é esta lei eleitoral feita por, e para benefíco de, PS e PSD, que o PS sozinho, acabou com menos deputados que o PSD (coligado), numas eleições onde sem a PàF, o PSD não teria ficado à frente do PS.

Outra conclusão é que a Esquerda devia aprender com isto e fazer como em Itália, onde partidos diferentes se coligam só para não serem prejudicados pela lei eleitoral.
Se BE e PCP forem coligados a eleições, com os mesmos 18,5% de votos, em vez de 15,7% de deputados (36), passam a eleger pelo menos 18,5% de deputados (42 ou 43), e isso será feito à custa da direita, que desta vez não irá coligada.

Nesta situação o PSD, com 28% dos votos, ficaria só com +/-28% dos deputados, passando de 89 para 67.
Já o PS, mesmo com 45% dos votos, devido à menor fragmentação da esquerda, teria mais dificuldade em ter maioria absoluta de deputados.

Porque é que a esquerda não o faz? A resposta é a mesma para a razão dos 3 acordos diferentes da Geringonça: o PCP não pode ver o BE nem pintado. A direita pode ser o adversário político, mas o BE é o verdadeiro inimigo eleitoral na ótica do PCP.

E é por isto que a parte final do texto do José Gusmão não é verdade. A esquerda continua e continuará acantonada. Aliás, as esquerdas. A esquerda-radical Marxista-Leninista do PCP, a esquerda Socialista-Democrática do BE, o centro-esquerda Social-Democrata dentro do PS, e o restante PS Social-Liberal que de esquerda só tem o nome.
Estas 4 esquerdas são incompatíveis. Há pontos de convergência, como a Geringonça provou, mas não chega para governar 8 anos.

E daqui vamos para a declaração de morte da Geringonça feita por Santos Silva: para a Geringonça continuar, é preciso mais pontos de convergência. O que é impossível. Logo, a Geringonça acabou em 2019.

Perante a pouco provável maioria-absoluta do PS (a Eurosondagem até lhe dá 42% mas a Aximage, que costuma acertar mais, dá apenas 37%), o que os da Terceira-Via do PS pedem é que haja clarificação dentro do próprio partido, ponto que será essencial antes de qualquer clarificação nos partidos à esquerda.

Se o PS tentar repetir um acordo que permite uma geometria variável nas votações, ora com BE, ora com PSD, o PS fica a meio caminho e tenderá a morrer tal como todos os outros PS por essa Europa fora. Neste caso, convém à esquerda endurecer o discurso para mostrar ainda mais as diferenças, e começar desde já a fazer em Portugal o que Podemos fez fez em Espanha.

Por outro lado, se o PS deixar as suas elites Europeístas de lado, e favorecer oq ue o seu eleitorado quer: um regresso ao centro-esquerda Social-Democrata, isso levará o partido para o ponto ideal com o qual pode procurar convergências de governação significativas com o BE. Será essencial ao BE, nesse caso, mostrar a inutilidade do PCP, e mostrar que é a única esquerda útil para o PS, em situação normal, sem pós-troika nem perigo Passista à vista, ser levado para a esquerda do centro.

Alice disse...

O PS é um partido de direita, rendido ao neo-liberalismo e às "maravilhas" do capitalismo, tendo chutado o socialismo para uma célebre gaveta. Chamar ao PS esquerda é um profundo insulto para os verdadeiros socialistas e um profundo insulto também para os que já não arranjaram vagas na mesa do PSD.

O BE é um partido algo inconsequente que meteu o trotskismo na gaveta (talvez a mesma gaveta em que o PS trancou o socialismo) e aprecia, sobretudo, causas que lhe dêem visibilidade, com o prestável engodo de pretensa superioridade moral que tanto parece excitar os burgueses complexados. Ganha relevância quando assume um discurso mais económico e político do que com causas de vaidade.
O PCP será uma tábua de salvação se tiver votos suficientes para manter o PS "na linha". É o menos vendido ao capitalismo e não pode com BE porque o BE burguês que se preocupa sobretudo em chamar a atenção e ficar bem na foto (e tem-no conseguido). É o mais tradicional dos partidos de esquerda.

Posto isto, antes PS+BE+PCP com coligação, acordo parlamentar, ou outro estratagema qualquer do que os PaFientos. Estes últimos demonstraram ter um especial talento para se vergar perante os fortes e vergastar os fracos, como qualquer bom cobarde que se preze.

Anónimo disse...

Diógenes que faz uma boa primeira parte, depois mostra algo muito feio.
Que há tipos de esquerda que não podem ver o PC nem pintado, mesmo que o pintem das cores que alguns (bloquistas ou não) o queiram pintar.
Um que estava um pouco acima disso era o Semedo. Que nunca quis mostrar a inutilidade de ninguém à esquerda. Embora por aqui haja quem o tente provar.
Entretanto mais uma achega.Uma entrevista de Jerónimo de Sousa ao DN. Algumas surpresas ( ou talvez não)
https://www.dn.pt/edicao-do-dia/15-jul-2018/interior/o-pcp-nao-parte-para-o-debate-do-orcamento-com-pedras-no-sapato-9593957.html

Anónimo disse...

É pá, peço muita desculpa ao Diógenes. Não é este caro comentador que andou a inutilizar aí alguns. Foi o Jorge Alves. As pintas atribuídas aos verdadeiros pintas

Jose disse...

« after the destruction of almost all productive sectors throughout four decades of European integration.»

Após este vómito desinteressei-me do caso...

Anónimo disse...

É só um pormenor, mas convém que o José Gusmão não nos queira tornar a todos por tontos. Vou citá-lo: "Começando pelo desafio lançado por Catarina Martins a António Costa". Calma José Gusmão, a Catarina Martins em tom espalhafatoso e a despropósito, veio alardear a subida de votos do BE e ponto final. Depois, quando o PS já estava de cabecinha baixa e o BE atirava foguetes pela sua estrondosa subida de votos (o que haveria de fazer toda a diferença na realidade política nacional, a manter-se a governação da direita/extrema-direita que estava e queria manter-se no poder) surgiu a declaração do João Lopes, que o Expresso definiu como "O PCP está em estado de negação". Quando finalmente se viu que não era negação mas afirmação, lá veio a tralha toda atrás, inclusive o BE que se colocou na crista da onda pronto a cavalgá-la como de costume. Tal como disse no início, será só um pormenor, mas importa que a história se escreva com os factos e não com as leituras que agora dão jeito ao BE e ao Gusmão, mesmo que desvirtuando a realidade.

Anónimo disse...

Alves alvitrou há dias que "O PCP já teve poder a mais neste país e chegou a altura do seu ocaso", pelo que "temos que deixar o PCP acabar a sua vida política com dignidade" [Refiro-me a Clara Ferreira Alves, no último Eixo do Mal].

Anónimo disse...

Em vez de olhar para sondagens mais que duvidosas, vale a pena observar a evolução dos resultados eleitorais.

Desde o início do século, as percentagens do PS e do BE andaram para cima e para baixo em eleições legislativas, num impressionante sobe-e-desce:

- O PS subiu para 45,05 % em 2005 (conquistando a maioria absoluta), desceu para 36,55 % em 2009 (pelo que teve de se contentar com uma maioria relativa), continuou a descer até 28,06 % em 2011 (perdendo a maioria para a direita); voltou a subir em 2015 - depois de quatro penosos anos de governação PSD/CDS - mas sem ir além de 32,31 %, pelo que Costa, sem ter atingido sequer uma maioria relativa, só conseguiu chegar ao cargo de primeiro-ministro depois de negociadas as "posições conjuntas" que definem a Geringonça.

- O BE subiu para 6,38 % em 2005, continuou a subir até 9,82 % em 2009, desceu abruptamente para 5,17 % logo em 2011 e voltou a subir em 2015, atingindo 10,19 % (a sua melhor percentagem de sempre, mas com menos eleitores que em 2009).

É interessante notar que, no mesmo período, a percentagem de votos da CDU em eleições legislativas - que não passou de 6,97 % em 2002 - subiu sempre, embora muito poucochinho, de eleição para eleição: 7,56 % em 2005; 7,86 % em 2009; 7,91 % em 2011; 8,25 % em 2015.

É claro que, para avaliarmos a forma como está a evoluir a implantação dos diversos partidos - nomeadamente os envolvidos na Geringonça -, é necessário observar também o que se tem passado em eleições autárquicas:

- A quebra eleitoral da CDU nas autárquicas de 2017 (mesmo assim com mais 43.000 votos que nas legislativas de 2015) deveu-se sobretudo à popularidade do actual governo Costa/Centeno, ainda capaz de suscitar grandes esperanças entre eleitores tradicionais do PS em legislativas mas que, em autárquicas recentes, souberam optar pela CDU, em certa medida para apresentar ao PS um merecido "cartão amarelo": é por isso que a quebra - registada tanto nas votações para câmaras municipais como nas que dizem respeito a assembleias municipais e assembleias de freguesia - acontece de norte a sul do país, apanhando desde autarquias em que a CDU tinha maioria absoluta até outras em que, como de costume, não elegeu um vereador sequer.

- No caso do BE, a volatilidade da votação em legislativas - com significativas transferências de votos face a PS e PSD/CDS - e a continuada quase-nulidade da votação em autárquicas - zero câmaras com 3,29 % dos votos, zero freguesias com 3,28 % dos votos -, dezoito anos depois do nascimento do partido, deveriam motivar uma séria reflexão por parte dos militantes bloquistas.

A. Correia

Anónimo disse...

Os blocos com mais peso no Bloco já tinham anunciado que "querem" entrar para o próximo Governo do PS. Entretanto, o líder parlamentar do PCP acaba de anunciar a posição do seu partido: o PCP dá garantias de que não deixará de contribuir para a solução política e para a política a executar, tal como o fez a seguir às legislativas de 2015, se nas próximas legislativas o PS voltar a ser minoritário e o duo PSD/CDS não tiver maioria absoluta (como tudo indica):

http://expresso.sapo.pt/revista-de-imprensa/2018-07-20-PCP-estara-disponivel-para-novo-acordo-com-o-PS-apos-as-legislativas-diz-Joao-Oliveira#gs.bujiY3M

https://www.publico.pt/2018/07/20/politica/entrevista/foi-por-falta-do-pcp-que-nao-se-foi-mais-longe-nao-foi-1838488

João Oliveira lembra que o PCP manifestou a mesma disponibilidade no passado. Contudo, nesses tempos pré-Geringonça, o PS preferiu sempre entender-se com o duo PSD/CDS; aliás, isso continua a acontecer implicitamente no âmbito da UGT (com uma coligação permanente PS/PSD/CDS) e no plano da UE (com os compromissos entre as famílias políticas europeias a que o PS e o duo PSD/CDS pertencem), para já não falar dos compromissos com as confederações patronais e com o mundo dos negócios privados. Se o PS voltar a ser o partido maioritário mas falhar a maioria absoluta que ambiciona, "Costa será um Guterres?", pergunta-se hoje no editorial do "Público" [https://www.publico.pt/2018/07/20/politica/editorial/costa-sera-um-guterres-1838514]. A previsão é fácil: só não será se não puder.

A. Correia

Anónimo disse...

« after the destruction of almost all productive sectors throughout four decades of European integration.»

E após este pedaço de prosa límpida, jose teve uma náusea, quase um vómito e desinteressou-se do caso.

São assim estes florzinhas de estufa. Fazem estas fitazinhas quando confrontadss com a realidade