Ficámos a saber através dos jornais que a “Europa” está «preocupada com falta de crescimento português». Uma afirmação destas, nos dias que correm, parece uma declaração de bom senso por parte dos dirigentes europeus. Já deve ser claro para todos que só crescimento económico, e não mais austeridade, nos pode tirar da crise.
Parece bom senso, mas não é. Logo a seguir na notícia ficamos a perceber o que isto quer dizer na prática: a chamada ‘ajuda externa’ virá amarrada a exigências de ‘reformas estruturais’ nos domínios da legislação laboral, do sistema de justiça, da regulação da actividade económica e veremos que mais.
Este estudo do FMI mostra de forma clara por que razão a economia portuguesa cresceu tão pouco na última década – e, já agora, porque é que o desempenho exportador alemão tem sido tão positivo. A economia portuguesa está especializada em sectores cuja procura internacional tem crescido pouco e onde a concorrência das economias emergentes mais se tem feito sentir. Já a Alemanha tem a sua estrutura produtiva assente em bens de equipamento para a produção industrial e para consumo de luxo – isto num mundo marcado por processos recentes e massivos de industrialização (que exigem equipamentos para a produção), originando algumas centenas de milhar de novos bilionários (ávidos de Mercedes, BMW e Audi alemães) – a par de centenas de milhões de trabalhadores industriais a viver em condições miseráveis.
Parece bom senso, mas não é. Logo a seguir na notícia ficamos a perceber o que isto quer dizer na prática: a chamada ‘ajuda externa’ virá amarrada a exigências de ‘reformas estruturais’ nos domínios da legislação laboral, do sistema de justiça, da regulação da actividade económica e veremos que mais.
As almas liberais lusas, crentes de que os problemas de competitividade da economia portuguesa se resolvem com a facilitação dos despedimentos e, de forma geral, com a redução dos chamados ‘custos públicos de contexto’, exaltam perante a perspectiva de conseguir impor a sua agenda sem ter de a sujeitar às regras da democracia. Essas almas continuam a viver utopias perversas.
Mais lucidez, ainda que menos escrúpulos, têm os membros do grupo alemão Europolis que entregou uma providência cautelar para impedir a Alemanha de participar no apoio financeiro a Portugal. Segundo o porta-voz deste grupo, Portugal «não tem futuro como uma economia competitiva» na zona euro.
A ideia não é difícil de perceber. A economia portuguesa tem um problema estrutural central – e não, não é a legislação laboral, a lentidão da justiça ou a burocracia – trata-se do seu perfil de especialização produtiva. A estrutura produtiva portuguesa é assente em sectores de baixa intensidade de conhecimento, de baixo valor acrescentado, com procuras internacionais pouco dinâmicas e/ou em que a concorrência internacional é muito intensa.
Este estudo do FMI mostra de forma clara por que razão a economia portuguesa cresceu tão pouco na última década – e, já agora, porque é que o desempenho exportador alemão tem sido tão positivo. A economia portuguesa está especializada em sectores cuja procura internacional tem crescido pouco e onde a concorrência das economias emergentes mais se tem feito sentir. Já a Alemanha tem a sua estrutura produtiva assente em bens de equipamento para a produção industrial e para consumo de luxo – isto num mundo marcado por processos recentes e massivos de industrialização (que exigem equipamentos para a produção), originando algumas centenas de milhar de novos bilionários (ávidos de Mercedes, BMW e Audi alemães) – a par de centenas de milhões de trabalhadores industriais a viver em condições miseráveis.
Quando a União Europeia negociou a entrada da China na OMC e uma redução generalizada das taxas sobre as importações dos bens das economias emergentes, fez um óptimo negócio… para alguns. Os grandes produtores europeus (em particular, os alemães) obtiveram um acesso privilegiado aos mercados emergentes. As economias da periferia ficaram à rasca.
Da mesma forma, quando a UE embarcou num apressado alargamento a Leste (em nome da estabilidade do continente), os produtores alemães passaram a ter acesso a uma reserva de mão-de-obra barata e qualificada mesmo à porta de casa. À rasca ficaram as economias periféricas, como Portugal, que viram deslocalizar-se muitas multinacionais - que agradeceram o brinde da nova geografia europeia.
Em ambos os casos, a economia portuguesa (entre outras) viu-se a braços com uma situação estrutural insustentável – com custos demasiado elevados para concorrer com as economias emergentes e do Leste europeu, mas pouco qualificada (não apenas em termos individuais, mas também de recursos e estratégias empresariais) para concorrer em segmentos de maior valor acrescentado. Já se sabia que o resultado não ia ser bom. Menos bom seria num contexto de aumento dos custos das matérias-primas e de apreciação do euro face ao dólar.
Discutir os problemas da economia portuguesa na actualidade sem ter este quadro por referência é embarcar numa mistificação lamentável. Na verdade, nada do que foi descrito se alterou. Neste contexto, não são as reformas estruturais que nos querem agora impor que vão fazer a diferença.
Tem, pois, razão o tal grupo alemão quando afirma que Portugal não irá crescer o suficiente no quadro da zona euro. Pelo menos, no quadro que existe na actualidade. Estão os dirigentes da UE preocupados com o crescimento português? Encontrem-se, pois, soluções que ajudem a relançar a competitividade da economia portuguesa de forma sustentável – criem-se fundos para investimento em sectores transaccionáveis (para fazer face à quase indisponibilidade de crédito ao investimento produtivo no presente), reforcem-se os fundos para I&D e formação, abram-se excepções temporárias às regras de auxílios de Estado da UE de forma a replicar uma desvalorização cambial.
Promover uma desinflação competitiva através da redução forçada dos salários (via aumento do desemprego e liberalização dos despedimentos), como ditam as condições de quem nos vem 'socorrer', vai condenar-nos não apenas a uma recessão prolongada, mas a um modelo de crescimento que tem os dias contados há muitos anos.
9 comentários:
originando algumas centenas de milhar de novos bilionários
bilionário tem peferência por carrinhos ingleses daqueles com uma vitória de samosáta na frente como o do Herman José Krippahl
que num é bilionário acho
(ávidos de Mercedes, BMW e Audi alemães) 400mil portugas por este critério são ou foram bilionários
– a par de centenas de milhões de trabalhadores industriais a viver em condições miseráveis.
mas que apesar disso vivem muito melhor do que há 10 anos atrás
obviamente se centenas de milhões de asiaticos e sul-americanos vivem um pouco melhor
dezenas de milhões de burocratas algures no norte vão passar a viver pior
são fases
Diria mesmo mais....
são fases
os mineiros galeses
tamém detestavam os polacos e ucranianos
escavavam carvão por dinheiro que nem dava para passar férias em espanha
Caro Ricardo
Tem bastante razão quanto às alterações tectónicas que estão subjacentes a isto tudo, mas leia as minhas ressalvas a isso no fim do comentário, sff.
Ainda assim, e desde logo, não desprezar por favor as diferenças de terapia entre: a) o caminho necessariamente recessivo-deflacionário, como acontece connosco, amarrados que estamos ao euro, com o corolário no anunciado "protectorado"; e b) o caminho potencialmente muito mais benigno duma terapia inflacionária-expansiva, a qual evidentemente impõe soberania monetária, isto é, saída do euro.
A segunda via é, creio, condição necessária, mas obviamente não suficiente, duma terapia simultânea de redistribuição do rendimento de sentido igualitário.
Em paralelo, claro, necessidade de políticas industriais de apoio à requalificação dos sectores exportadores, claro que sim...
Se isso não existiu, porém, digamos que A CULPA NÃO É DOS ALEMÃES... E MENOS AINDA DOS CHINESES!
A emergência de países como a China, o Brasil, atrás deles a Índia, a recuperação parcial da Rússia... tudo isso são, no fundamental, boas notícias à escala global; e não induzem necessariamente descida do nível de vida dos povos das economias mais desenvolvidas - ao contrário do que a direita xenófoba classicamente argumenta de forma mistificadora e, infelizmente, também alguma esquerda...
Aliás, os efeitos esperados do comércio internacional são mesmo esses, não? Se aqueles países estão aparentemente a ultrapassar os círculos viciosos do atraso, congratulemo-nos com isso. Tal deverá ser bom para eles... e também para nós!
Estes países têm problemas com as respectivas distribuições do rendimento? Decerto que sim. Mas aprender a respeitá-los como países diferentes e independentes parece-me bem melhor do que o costumeiro discurso de "defesa dos direitos humanos" com o rabo imperial e neocolonial (e bem mais do que isso) de fora...
Em suma, permita-me que desabafe consigo: já me vai fartando a estafada cantiga sinófoba de tanta gente tão bem-pensante e tão oficialmente de esquerda... Se os chineses têm os "nichos de mercado" deles, nós, o que devemos mesmo fazer... olhe, é aprender com os alemães a tratar de arranjar os nossos em conformidade com isso!
É, garanto-lhe, mais sensato, mais verdadeiramente respeitador dos direitos humanos (de toda a gente, chineses incluídos), menos arrogante e menos intrusivo... Aliás, se a China fizer o catching up de forma verdadeiramente independente (mesmo que mantendo-se um regime monopartidário), isso talvez seja, tudo pesado, bem menos lesivo para eles e para nós do que se ocorrer um cenário do tipo Europa de Leste pós 89, o qual, mesmo que com instauração do pluripartidarismo, correspondeu a uma satelização fáctica desses países pela Grande Alemanha e está, portanto, na origem da capacidade das elites alemãs para imporem... bom, aquilo que impuseram e que nós estamos hoje a sofrer tão vivamente!
Mas, quanto às questões de distribuição do rendimento nossas, é bom considerá-las como mesmo nossas. É conveniente abordá-las sem a ameaça do "dumping social" global, claro, mas também aprendendo o que toda essa conversa traz de hipócrita junto consigo. Tudo isso tem uma dimensão "institucional", cultural, política, etc. que não se esgota nem se reduz a conversas sobre salários na China... que aliás têm sido largamente crescentes e com possibilidades notáveis e também elas crescentes de ascensão social individual nas últimas décadas (ao contrário do que sucede connosco); ou mesmo na Alemanha (onde, sim, têm estado estagnados).
Não façamos dos chineses bodes expiatórios, em suma... ou mesmo dos alemães. Eles não merecem - e nós também não merecemos.
Caro João,
Interessa-me muito pouco a questão da culpa (com maiúsculas ou sem elas), deixo-a para os seguidores das religiões do Livro.
Pelo contrário, preocupa-me o facto das pessoas que participam no debate público se deixarem afogar na espuma dos dias, entrando em contradição sem se darem por isso.
Todos os analistas internacionais concordam que o problema fundamental da economia portuguesa é a falta de capacidade competitiva, reflectida num fraco crescimento na última década e sem perspectivas de melhoria. Este problema já exitia antes de haver uma dívida pública de 90%. Existia até quando essa dívida aparentava estar controlada.
As fontes principais dos problemas de competitividade estavm identificados há muito tempo: uma estrutura produtiva pouco favorável e um nível de qualificações pouco propenso a alterações estruturais aceleradas.
Ora a estrutura produtiva não se tornou desfavorável porque sim. Ela foi uma importante fonte de crescimento enquanto a economia portuguesa funcionou como resreva de mão de obra barata para a UE. A certa altura, os grandes grupos económicos europeus (principalmente alemães, ingleses e franceses) perceberam que ganhariam mais em aproveitar as oportunidades de negócio noutras paragens. A maioria destes ganharam - e muitas pessoas nos países de destino dos investimentos também - outras nem por isso. Mas neste processo - como em quase todos que envolvem alterações drásticas nas estruturas de fluxos económicos - as vantagens e desvantagens não foram equitativamente repartidas.
Não estou a dizer nenhuma novidade ao afirmar que a economia portuguesa está do lado dos perdedores imediatos dos processos de globailização comercial e do alargamento a Leste.
E também não deveria constituir novidade que Portugal não determinou os termos da adesão da China à OMC, nem do alargamento a Leste.
Se a liberalização dos mercados internacionais é uma receita infalível para a felicidade dos povos é algo que cai no domínio da crença religiosa e, como já deve ter percebido, os temas teológicos interessam-me pouco.
Insisto, no entanto, que discutir a situação da economia portuguesa na actualidade sem ter este quadro em consideração está entre a ignorância, a credulidade e a perversão.
Caro Ricardo
Agradeço a resposta esclarecedora. Completamente de acordo consigo, penso, quanto ao facto de que a "liberalização dos mercados internacionais NÃO é uma receita infalível para a felicidade dos povos"; e também quanto ao facto de o ambiente da discussão em Portugal se caracterizar sobretudo por um misto de "ignorância... credulidade e... perversão".
Ainda assim:
1) mais do que de liberalização do import-export, parece-me que a origem dos nossos problemas releva sobretudo da liberalização dos fluxos de capitais;
2) existe uma importante série de coisas que está ao nosso alcance fazer, mesmo com este quadro global, nomeadamente (e de forma mais premente) escolher entre estratégias de aceitação da terapia auteritária-recessiva ou rejeição desta, com uma caminhada de abandono do euro, desvalorização, default, etc. Embora reconheça riscos em ambas, devo dizer que me parece esta última sem dúvida muito menos má;
3) num prazo mais dilatado, ter uma estratégia de politica industrial própria, a qual deverá orientar-se para concertação de esforços precisamente com os países emergentes, procurando aproveitar "nichos" que o crescimento destes sempre origina (os alemães aliás já fizeram isso, certo?). Pelo menos à nossa escala, isso é sem dúvida propiciado pela existência de um sector nacionalizado importante (pelo que a estratégia privatizadora que nos é agora sugerida só vai piorar tudo muito mais ainda);
4) abandonar pretensões quixotescas de condicionar significativamente o debate destes assuntos na cena "europeia". As elites alemãs ganharam a guerra em 1989-91, com a realização do seu "wet dream" multissecular de conquista duma enorme reserva territorial de mão-de-obra dócil a Leste, e não são tão parvas que vão perder "o pote" ou aceitem de bom grado partilhá-lo com os demais;
5) quaisquer que sejam os caminhos futuros em matéria de recuperação da competitividade, eles deverão passar por uma estado fortemente interveniente e "desenvolvimentista". A elite empresarial portuguesa sabe lidar com MdO desqualificada, mas é algo inepta e mesmo hostil face a MdO qualificada (aliás, em parte porque é ela própria pouco qualificada nesse "tabuleiro"), pelo que nos arriscamos a transformar-nos de novo num país de emigrantes... mas de emigrantes que são agora precisamente os segmentos mais jovens e mais qualificados da população. Receita segura para a acentuação dos atrasos e para a tragédia, portanto;
6) finalmente - e porque a demagogia vinda da direita é super-matraqueadora quanto a isso e da esquerda não aparecem respostas suficientes nessa matéria - as questões de distribuição do rendimento têm em todo o caso uma notável autonomia relativamente aos assuntos de que falámos antes, sendo imensamente vantajosa (de todos os pontos de vista, aliás mesmo o da promoção continuada das aptidões para o desenvolvimento) uma terapia de redistribuição igualitária do rendimento.
Saudações cordiais e, de novo, obrigado pela resposta esclarecidora.
P. A. Lerma a vitória é se Samotrácia e não de Samosáta.
Samosata é uma cidade: http://en.wikipedia.org/wiki/Samosata
A estátua é Samotrácia : http://pt.wikipedia.org/wiki/Vit%C3%B3ria_de_Samotr%C3%A1cia
FONTE --JORNAL DE HOJE
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Interior.aspx?content_id=1829701
AMEAÇAS PARA Espanha, Itália e Bélgica
PARTE DO TEXTO
Portugal foi vítima da "pressão injusta e arbitrária" dos mercados financeiros internacionais, que ameaça Espanha, Itália e Bélgica e outras democracias em todo o mundo, defende o sociólogo norte-americano Robert Fishman, num artigo no "New York Times".
No artigo, intitulado "O Resgate Desnecessário de Portugal", Fishman diz que o pedido de ajuda português, depois do irlandês e do grego, "deve ser um aviso a democracias em todo o lado", porque "não é realmente sobre dívida".
"Portugal teve um forte desempenho económico nos anos 1990 e estava a gerir a sua recuperação da recessão global melhor que vários outros países na Europa, mas foi sujeito a uma pressão injusta e arbitrária dos negociadores de obrigações, especuladores e agências de 'rating'", afirma o professor de sociologia da Universidade de Notre-Dame.
Estes agentes dos mercados financeiros conseguiram, por "razões míopes ou ideológicas" levar à demissão de um governo democraticamente eleito e potencialmente "atar as mãos do que se lhe segue", adianta Fishman, autor de um livro sobre o euro. "Se forem deixadas desreguladas, estas forças de mercado ameaçam eclipsar a capacidade dos governos democráticos - talvez mesmo dos Estados Unidos - para fazer as suas próprias escolhas sobre impostos e gastos", sublinha Fishman.
Profecia
O sociólogo estabelece semelhanças entre Portugal e a Grécia e Irlanda, mas ressalva que enquanto estes dois países apresentavam "problemas económicos claros e identificáveis", Portugal "não tinha subjacente uma crise genuína" e foi sim "sujeito a ondas sucessivas de ataques por negociadores de obrigações".
AURÉLIO ( TIO)
Caríssimo Ricardo Paes Mamede,
Esta análise que aqui nos apresenta é bem pertinente e, por isso, o citei no meu último "post" intitulado: "A CRISE FINANCEIRA PORTUGUESA DA DÍVIDA SOBERANA - AS CRISES HISTÓRICAS NACIONAIS (1891-2011) E A CONJUNTURA GEOESTRATÉGICA MUNDIAL – BREVES CONSIDERAÇÕES".
Com efeito, a ajuda financeira simples com exigências de reforma ao estilo neoliberal apenas vão agudizar a crise social sem nada resolver em particular sem curar como diz com acerto da competitividade da economia portuguesa.
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
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