Este é o título do artigo onde procuro fazer o diagnóstico da actual crise e avançar algumas pistas para a sua superação. Foi publicado no número deste mês do Le Monde Diplomatique - edição portuguesa. Um número com muitas razões para uma visita ao quiosque mais próximo. Deixo aqui um excerto, sublinhando a sua actualidade, já que, aparentemente, boa parte do empréstimo agora negociado está destinado à banca nacional:
Dívida pública e privada: as duas faces da mesma moeda
Se a dívida pública está no centro da actual turbulência financeira, ela não pode pois ser dissociada dos problemas que afligem a economia portuguesa nas últimas duas décadas. O endividamento externo privado, no final de 2009, totalizava três quartos de todo o endividamento externo, sendo que, destes, outros três quartos eram dívida bancária. De facto, ao contrário do que o debate nacional pode levar a pensar, é no sector bancário que se jogam hoje os principais riscos futuros da economia portuguesa. Os bancos portugueses perderam há pouco menos de um ano a confiança dos mercados financeiros de que precisavam para refinanciar a sua dívida. O enorme endividamento, as pessimistas previsões de crescimento económico e a elevada percepção de risco da dívida pública traduziram-se na impossibilidade de recurso aos mercados. Esta crise de liquidez – na medida em que diz respeito a compromissos de curto prazo – foi solucionada através de empréstimos de emergência do Banco Central Europeu (BCE). No entanto, a imprensa económica internacional tem assinalado a vontade do BCE de acabar quanto antes com estas linhas de financiamento. Assim se percebe a pressão exercida pelo governo português para que os bancos diminuam o tamanho dos seus balanços (vendendo activos e reduzindo o seu endividamento) e aumentem os seus capitais próprios. Tal processo terá como imediata consequência a redução do crédito concedido à economia, agudizando a recessão, ao mesmo tempo que não é de todo certo que consiga ser bem sucedido.
No actual contexto de pressão financeira sobre as famílias e as empresas é provável que o crédito mal parado aumente consideravelmente, devido não só à redução salarial e ao aumento do desemprego, mas também à mais do que previsível subida das taxas de juros praticadas pelo BCE durante este ano, obcecado que está pelo actual aumento da inflação decorrente da subida dos custos das matérias-primas e não por qualquer questão monetária. Por outro lado, deve sublinhar-se que os bancos portugueses, na tentativa de melhorarem a sua própria posição internacional – ao mesmo tempo que beneficiam dos elevados juros –, têm sido os grandes compradores (só superados pelo BCE) de títulos de dívida pública nacional. Títulos de que cujo valor os bancos provavelmente não vão ser reembolsados. Ou seja, a crise de liquidez pode transformar-se numa crise de solvabilidade, isto é, na incapacidade dos bancos de cumprirem os seus compromissos de longo prazo.
O resultado de um sistema financeiro fragilizado num contexto de crise económica pode, por isso, dar origem a um cenário irlandês para a economia portuguesa: recusa de financiamento do BCE, que se soma à recusa dos mercados internacionais, necessidade de capitalização dos bancos por parte do Estado, nova explosão da dívida pública, ruptura económica geral. Tudo isto num contexto em que o Estado português se aproxima do cenário grego de insustentabilidade da dívida pública. De qualquer forma, na ausência de mais e melhor informação sobre a actual situação da banca, que nos permita um diagnóstico mais detalhado, importa sublinhar a inegável relação íntima entre a situação financeira do Estado e da economia privada. Por isso, qualquer proposta de saída da crise deve articular estas duas dimensões: nos efeitos imediatos da ruptura financeira iminente e nas suas causas estruturais.
Se a dívida pública está no centro da actual turbulência financeira, ela não pode pois ser dissociada dos problemas que afligem a economia portuguesa nas últimas duas décadas. O endividamento externo privado, no final de 2009, totalizava três quartos de todo o endividamento externo, sendo que, destes, outros três quartos eram dívida bancária. De facto, ao contrário do que o debate nacional pode levar a pensar, é no sector bancário que se jogam hoje os principais riscos futuros da economia portuguesa. Os bancos portugueses perderam há pouco menos de um ano a confiança dos mercados financeiros de que precisavam para refinanciar a sua dívida. O enorme endividamento, as pessimistas previsões de crescimento económico e a elevada percepção de risco da dívida pública traduziram-se na impossibilidade de recurso aos mercados. Esta crise de liquidez – na medida em que diz respeito a compromissos de curto prazo – foi solucionada através de empréstimos de emergência do Banco Central Europeu (BCE). No entanto, a imprensa económica internacional tem assinalado a vontade do BCE de acabar quanto antes com estas linhas de financiamento. Assim se percebe a pressão exercida pelo governo português para que os bancos diminuam o tamanho dos seus balanços (vendendo activos e reduzindo o seu endividamento) e aumentem os seus capitais próprios. Tal processo terá como imediata consequência a redução do crédito concedido à economia, agudizando a recessão, ao mesmo tempo que não é de todo certo que consiga ser bem sucedido.
No actual contexto de pressão financeira sobre as famílias e as empresas é provável que o crédito mal parado aumente consideravelmente, devido não só à redução salarial e ao aumento do desemprego, mas também à mais do que previsível subida das taxas de juros praticadas pelo BCE durante este ano, obcecado que está pelo actual aumento da inflação decorrente da subida dos custos das matérias-primas e não por qualquer questão monetária. Por outro lado, deve sublinhar-se que os bancos portugueses, na tentativa de melhorarem a sua própria posição internacional – ao mesmo tempo que beneficiam dos elevados juros –, têm sido os grandes compradores (só superados pelo BCE) de títulos de dívida pública nacional. Títulos de que cujo valor os bancos provavelmente não vão ser reembolsados. Ou seja, a crise de liquidez pode transformar-se numa crise de solvabilidade, isto é, na incapacidade dos bancos de cumprirem os seus compromissos de longo prazo.
O resultado de um sistema financeiro fragilizado num contexto de crise económica pode, por isso, dar origem a um cenário irlandês para a economia portuguesa: recusa de financiamento do BCE, que se soma à recusa dos mercados internacionais, necessidade de capitalização dos bancos por parte do Estado, nova explosão da dívida pública, ruptura económica geral. Tudo isto num contexto em que o Estado português se aproxima do cenário grego de insustentabilidade da dívida pública. De qualquer forma, na ausência de mais e melhor informação sobre a actual situação da banca, que nos permita um diagnóstico mais detalhado, importa sublinhar a inegável relação íntima entre a situação financeira do Estado e da economia privada. Por isso, qualquer proposta de saída da crise deve articular estas duas dimensões: nos efeitos imediatos da ruptura financeira iminente e nas suas causas estruturais.
3 comentários:
Cá por mim se os bancos não querem emprestar mais dinheiro e foram, eles e o PSD, os principais culpados da vinda do FMI(essa organização mafiosa), então vou tirar o meu dinheiro do banco, a CGD, porque também não estou na disposição de lhes emprestar dinheiro.
Não é muito mas grão a grão enche a galinha o papo e se todos fizessem o mesmo queria ver como era.
Excelente texto.
Caro Nuno
Obrigado pelas informações adicionais e pelos sublinhados.
Quanto ao conhecimento detalhado destas matérias, confesso que consigo sobretudo aprendo.
Não espere, portanto, muito do meu lado. Mas, ainda assim, uma coisa lhe aponto agora eu, e a sublinhado: ter moeda própria alivia muitíssimo e abre muitos horizontes para fora deste molho de bróculos, não?
E depois, para além da dor das questões de liquidez, há ainda as tormentas da solvabilidade, certo? E - ponho eu agora a questão ao contrário - teremos de facto nessa outra "missão" a mínima chance sem proceder a uma desvalorização?
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