domingo, 16 de maio de 2010

PEC e Alegre

O artigo publicado por Manuel Alegre no DN é sintomático da confusão na análise da actual crise que afecta boa parte da esquerda portuguesa. Se as dimensões global e europeia da crise são correctamente diagnosticadas nas suas responsabilidades e insuficiências, a análise do PEC e da situação nacional é contraditória, sem pistas para uma saída progressista desta crise. Poder-se-á interpretar o PEC como forma de preservar a soberania e autonomia nacional nas suas escolhas políticas? O PEC, sobretudo a sua segunda versão, é claramente uma imposição externa que coloca a economia nacional ao serviço dos credores internacionais em detrimento dos seus trabalhadores.

Mais incompreensível é a exigência de enquadramento das medidas de austeridade por uma “visão estratégica para o futuro, com garantias de que são transitórias e serão completadas por outras que tenham em conta a economia e abram perspectivas ao crescimento e ao emprego.” Por mais combate ao desperdício que haja na administração pública (certamente pertinente), o ajustamento que é exigido a Portugal é consensualmente aceite como conducente a uma nova recessão, maior desemprego e mais austeridade. Esta “visão estratégica” com medidas complementares que assegurem o crescimento e o emprego é, pois, um oximoro. A discussão sobre política económica à esquerda não pode estar confinada à distribuição, mais ou menos justa, dos custos do ajustamento que nos é imposto. Esse é um beco sem saída. É na sua necessidade, justeza e consequências, bem como na apresentação de alternativas, que o debate económico tem agora que se situar. Eu retomo o que escrevi no inicio do mês de Abril, em artigo no Público, quando a sequela do PEC ainda não tinha sido apresentada. Existem duas alternativas ao nosso dispor: ou se constroem as alianças políticas necessárias para que uma reforma profunda das instituições europeias esteja em cima da mesa, promovendo maior liberdade orçamental para os estados, um aumento substancial do orçamento europeu, transferências dos países ricos para os mais pobres, medidas de protecção laboral ao nível europeu e uma refundação do BCE; ou se abandona a zona euro, o que resultaria na desvalorização das moedas nacionais, reestruturação da dívida denominada em moeda estrangeira e imposição de controlos de capitais. Tal caminho, aliado à necessária nacionalização do sector financeiro (cuja exposição externa se tornaria insustentável) e à prossecução de uma efectiva política industrial, garantiria assim a margem de manobra para a economia mista que Alegre parece defender. Só através destas alternativas podemos pensar numa efectiva saída para a crise.

Mas se os anteriores pontos mostram algumas contradições de Alegre no diagnóstico da crise e dos caminhos para a sua superação, a avaliação política do PEC parece mais uma tentativa de conciliar a sua candidatura com a direcção do PS. Este plano de estabilidade não mostra qualquer “esforço na repartição da carga fiscal”. Pôr toda a gente a pagar não é assegurar uma repartição justa. Quem tem mais deve contribuir com mais e quem nada tem deve ser poupado. O esforço acrescido de 0,5% no IRS para quem ganhe mais de 1285 euros ou uma sobretaxa de 2,5% sobre os bancos que, ainda assim, não pagarão os 25% (ou os agora 27,5%) de IRC que nos devem, não compensam as subidas de impostos regressivos, como o IVA, ou os cortes anunciados no subsídio de desemprego e no rendimento social de inserção. Sobretudo, quando existem alternativas para o nosso sistema fiscal: reintrodução do imposto sucessório para patrimónios superiores a 50 mil euros, introdução de um imposto sobre as grande fortunas, fim do off-shore da Madeira, novo escalão do IVA para produtos de luxo (normalmente importados), etc. Finalmente, em relação às anunciadas privatizações no âmbito do PEC, que Alegre tem justamente criticado, nada é dito. Um silêncio só explicado, novamente, pela tentativa de apaziguamento político com o PS.

5 comentários:

Anónimo disse...

Mas o apaziguamento do PS só pode ser conseguido através do esvazia
mento daquilo que a candidatura de
Alegre traria de diferente.
Moral da história: o apoio do PS
implica «o bebé e a água do banho» o PS e as suas políticas governativas.
Aliás A. J. Seguro só parece vir a
poder ser lider do PS se abdicar do
que na verdade critica nas opções
governativas do PS.
Porque, ao contrário de outros países e de outros momentos históricos, parece que ninguém no PS está disposto a arricar ter de alguma vez chegar ao poder seja porque ideais for.
Basta ver que entre os antigos apoiantes do Alegre na época da sua candidatura contra Sócrates e João Soares poucos foram aqueles que recusaram aceitar cargos de confiança política de Sócrates.
De facto no momento em que Alegre receber o apoio do PS (se acaso o PS não decidir não declarar apoio a nenhum candidato, dizendo que as eleições presidenciais não provêm dos partidos e devem ser autónomas e ser decisões livres dos cidadãos)acaba-se o traço distintivo da candidatura de Manuel Alegre.
Depois de ter votado em Alegre em 2006 pensei que a construção de uma identidade política (legislativa, autónoma, reformista na área da social-democracia) teria sido o passo seguinte.
Porque 20% de CDU-BE dão para fazer oposição mas não chegam para governar à esquerda.
E enquanto Portugal não tiver à esquerda pelo menos 30% de votos não haverá capacidade política da esquerda ganhar eleições e efectuar mudanças que terão de ser históricas na sociedade portuguesa.

antónio m p disse...

Quando Passos Coelho dá uma mão "ao país", os preços sobem e os impostos também. Isto não é muito convidativo para o eleitorado.

Mas se Coelho se tornasse 1º Ministro tendo Alegre como presidente da República, ainda haveriamos de rir-nos muito. Por pouco tempo, é certo.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Nuno Teles,
excelente post. Se é importante, apesar de tudo, contestar a repartição iníqua dos encargos da estabilização, você vai bastante mais longe do que isso e é o próprio regime que se quer estabilizar que põe em causa, e aponta como obstáculo à extensão da democracia, dos direitos e capacidades políticas dos cidadãos activos (de que o MIC se reclama um tanto decorativamente).
A única reserva que ponho tem a ver com a hipótese da saída do euro, ou resposta "nacional" à crise da Europa. Quanto a mim, seria desastroso - a menos que com outra federação política efectiva em marcha. Desastroso para a Grécia, para a região portuguesa, e por aí fora; mas desastroso também para as perspectivas de democratização global e para as condições de extensão da liberdade e igualdade a essa escala. A integração, avançando a par da democratização e na medida do que formos capazes através desta, das instituições europeias, a construção e afirmação de uma cidadania europeia activa refundadora da democracia política e da reorganização da economia através da participação generalizada e regular; parecem-me ser não só as melhores vias de transformação social para a própria Europa e para cada um dos seus povos, como também o contributo melhor que a Europa e os seus cidadãos devem - e se devem - dar para a premente democratização global.
Com as mais cordiais saudações republicanas

msp

João Aleluia disse...

Mas alguém acredita que Manuel Alegre é solução para alguma coisa?

Acreditem antes no Pai Natal que é mais saudável.

Prosseguir politicas industriais com estes politicos e com as instituições actuais (educação, justiça, etc...)? Tenham dó!

Estou mesmo a ver a industrialização que não procederia daí, só se fosse em oficinas para os ferraris dos Ruis Pedros Soares desta vida.

João Aleluia disse...

"reintrodução do imposto sucessório para patrimónios superiores a 50 mil euros, introdução de um imposto sobre as grande fortunas, fim do off-shore da Madeira, novo escalão do IVA para produtos de luxo (normalmente importados)"

Tem noção que, a menos que a sua definição de produtos de luxo seja muito abranjente, as receitas destas medidas representam tostões no orçamento de estado.