segunda-feira, 17 de maio de 2010

O que o bloco central não nos diz

A selectiva pressão dos mercados financeiros ainda liberalizados estilhaça todos os contratos que estão na base da democracia, em especial nas periferias da União Europeia. Para todos os efeitos, em Portugal passamos a ter um bloco central que governa com o programa de austeridade de Ferreira Leite e dos economistas do choque e do pavor que cirandam por Belém. Este programa foi derrotado nas urnas em Setembro. Convém lembrar que Sócrates foi eleito com um programa que tinha como palavras-chave o emprego, a promoção do investimento e a justiça social.

O resto da minha crónica no i pode ser lido aqui.

7 comentários:

Fernando Torres disse...

Convém ler o artigo todo.
Convém dizer quem são as elites. Como diria o comendador Torcato, é preciso chamar os bois pelos nomes.

Anónimo disse...

Bom, bom era antes de 1989. Isso é que eram países com economias fortes na Europa Oriental. Mas tivémos o azar de vir o capitalismo e destruir tudo....

DCF disse...

Oh João, desculpe lá mas para economista você está a confudir (deliberadamente?) uma série de resultados das suas sugestões.

Exponho em baixo o que realmente aconteceria se seguíssemos a sua sugestão de abandonar o euro:

1) restruturar a dívida a exemplo da Argentina em 2001 - deve estar a esquecer-se que o haircut médio dos investidores foi de 75%. Pressupondo que o haircut se Portugal tivesse que restruturar a sua dívida fosse inferior (vá lá, uns 40%), e desvalorizasse a nova moeda nacional, acha mesmo que alguém voltaria a emprestar-nos dinheiro? Os custos de serviço da dívida aumentavam brutalmente porque a nova moeda não estaria ancorada à estabilidade que a Alemanha garante à Zona Euro. Se acha que os juros estão altos agora, imagine se tivéssemos uma moeda sem credibilidade externa e que tinha acabado de cortar 40% dos capitais investidos nesse país. Não seríamos capazes de captar capitais no exterior para financiar nada: nem investimentos públicos, nem investimentos privados, nem consumo privado.

(continua)

DCF disse...

(continuando)

2) Ao abandonarmos o Euro e adoptarmos uma moeda nova, acha mesmo que os Portugueses iriam transferir os seus depósitos a longo prazo para a nova moeda? Claro que não, iriam transferi-los para instrumentos financeiros expressos em Euros, retirando divisas à Economia, tornando-a mais pobre e incapaz de se sustentar. Como é que financiaríamos os investimentos públicos (que creio que deve defender como único método de dinamizar a Economia)? Através de mais défice orçamental? E como seria impossível retirar fundos dos mercados financeiros internacionais, o que é que sugere? Monetarização do défice? Quer aumentar a inflação em 20%? Ou em 300%? Já agora porque não fazer como o Zimbabué e ter inflação na ordem dos 4000%? E a importação de energia? Pagaríamos o dobro ou o triplo pelo barril de petróleo; as energias renováveis não chegam para cobrir as necessidades energéticas do país.

3) Suponho que os seus argumentos para nos retirarmos do Euro e desvalorizarmos a moeda para aumentar a competitividade das nossas exportações seria tendo em vista termos a mesma situação da Polónia ou da República Checa. Isso seria impossível dado que nesses países as pessoas são produtivas, os sectores públicos não estão demasiado inchados como em Portugal e Grécia, os privados não estão alavancados acima dos 200% do PIB, a dívida pública está controlada e há políticos responsáveis que não endividam o país acima das suas possibilidades. Isso acontecer por cá era, no mínimo, lírico. Temos sindicatos que não defendem verdadeiramente os trabalhadores mas antes os seus próprios interesses; temos uma mentalidade de viver acima das nossas possibilidades (verdade seja dita que somos mais comedidos que os Gregos); temos demasiada corrupção na sociedade (é sempre o jeitinho que se faz aqui e ali); temos um sistema de ensino público ridículo que não ensina mas antes certifica-se que os alunos saiam do liceu sabendo ler e escrever ainda que de forma sofrível (quanto a saberem fazer contas deixe lá isso!); um sistema judicial que primeiro que leve processos a julgamento já os factos ocorreram há tanto tempo que a memória dos intervenientes está, no mínimo, turva e uma mentalidade de comodismo e indisciplinada (primeiro deixa cá exercer os meus direitos e só depois é que se pensa em trabalhar).

(continua)

DCF disse...

(continuando)

4) Quanto à sua querida Argentina: sim, é verdade que está a crescer. Mas está a fazê-lo de forma insustentada, através da procura interna, como Portugal nos anos 90 e Espanha nos últimos 15 anos. Acredito que possa, mesmo assim, dar-se melhor que Portugal. A Argentina é um país grande que pode dar uso aos seus extensos territórios para sectores bem produtivos como a agricultura e a pecuária. As vantagens comparativas de Portugal sempre foram os salários baixos na indústrias onde o factor trabalho era intensivo. Se quer aumentar os salários acima da produtividade, perdemos competitividade. Somos um país pequeno e com solos pobres, não teríamos vantagens comparativas nos produtos que utilizassem intensivamente o factor terra (excepto talvez no vinho e nas hortifrutícolas). E não se esqueça que a Argentina não é o Brasil nem a Venezuela: não tem gás natural nem petróleo. A Economia tem que ser capaz de se sustentar não só pela procura interna mas também pela externa: acreditando que a Argentina está em melhor posição que Portugal (e mesmo assim não está tanto como diz), como quer que Portugal copie a Argentina?

5) Não sendo capaz de financiar investimentos próprios e tendo grandes reservas à nossa capacidade de captar investimento, como queria que as nossas exportações fossem competitivas? Só seriam através dos salários baixos! Os custos energéticos seriam tão expressivos na estrutura de custos das empresas que ou a) teríamos salários muito baixos ou b) teríamos desemprego altíssimo.

E agora, João? Continua a achar que é desejável abandonar o Euro? Faço-lhe estas perguntas com todo o respeito por um colega economista. Trabalho em risco soberano e sei do que falo. O João, pelos vistos, passa da casa de partida para o fim, sem passar pelas outras casas, onde o ajustamento da Economia se faria à custa dos que menos têm: os pensionistas, os que não têm habilitações nem idade para ganhar novas habilitações e os verdadeiramente pobres - aqueles que não pedem emprestado para fazer férias todos os anos nem para comprarem telemóveis novos todos os anos, televisões HD e câmaras digitais.

Cumprimentos

Patife disse...

Em 1959 Portugal entrou na EFTA, em 1973 fizemos o acordo de comércio livre com a CEE, em 1986 Portugal torna-se membro da CEE, em 1992 Portugal entrou no mercado único e em 1999 no Euro. Em todos estes momentos os portugueses tiveram sempre a certeza de que ia correr mal. Os factos são meramente secundários. O mais importante é esta nossa convicção de que vai correr mal. É uma das poucas coisas que todos os portugueses sabem. É que vai correr mal.

E o Patife não gosta de discutir política. Mas hoje acordou com escritorreia nos dedos.

João Aleluia disse...

1. "Convém lembrar que Sócrates foi eleito com um programa que tinha como palavras-chave o emprego, a promoção do investimento e a justiça social."

Mas será possivel que em domacracia seja eleito um sem essas palavras chave? Um governo que diga a verdade, que diga às pessoas que estas levam um estilo de vida insustentavel, que vão ser inevitavelmente bastante mais pobres, e que quanto mais tarde se fizer o ajustamento mais pobres serão, não é eleito.

2."...a desvalorização cambial como mecanismo crucial para a promoção das exportações;"

Este é um mecanismo extremamente limitado, uma vez que os paises importadores e os paises credores rapidamente se apercebem do esquema, e o unico resultado é a hiper-inflação. A historia está cheia de exemplos destes.

Em segundo lugar, já pensou o que aconteceria se todos os paises, ou pelo menos todos os paises pobres fossem promover as exportações por via da desvalorização monetaria? Aliás, não precisa imaginar, basta ler sobre o que aconteceu no pós primeira guerra mundial. Os alemães ainda não se esqueceram, mas portugueses sempre tiveram memoria curta.

3. "...sem que à escala da União estivessem previstos mecanismos de solidariedade geradores de crescimento e de emprego"

Ai não? e os biliões em fundos estruturais e afins? foram porquê? E a livre circulação de trabalhadores? que permitiu que que muitos portugueses fossem trabalhar em paises onde efectivamente se produz alguma coisa?

Portugal beneficiou infinitamente mais com a UE do que a UE alguma vez beneficiou com Portugal. O que é que os alemães e franceses ganham em ter Portugal na UE? melhor acesso a um mercado minusculo e estagnado? vendem mais uns BMs e Mercedes aos nossos ministros e a todos os que vivem á grande à pala do estado? Se fossemos comparar o beneficio do melhor acesso ao mercado portugues para as potencias europeias com as transferencias liquidas que fazem para portugal (incluido emprestimos abaixo do custo de mercado), chegariamos à conclusão que o beneficio é curto, ou se calhar nem é beneficio.

3."...nacionalização do sistema financeiro"

Sem duvida que o sistema financeiro precisa de regulação pesada, de maiores racios de capital, e da presença de um banco publico no mercado que conduza politica economica ao ajudar corrigir falhas de mercado. Agora a nacionalização da banca?!? Isso já foi feito depois do 25 de Abril e com os resultados que se viu.

4."...ou pela criação de uma verdadeira política industrial."

Com os politicos actuais e com as instituições actuais, não possivel é conduzir nenhuma politica industrial que não leve apenas a destruições massivas de valor. Vocé quer pessoas como josé socrates, vitalino canas, antonio costa, rui pedro soares, etc... (ou os dos outros partidos) a conduzir uma politica industrial? Não está bom do juizo! Só pode!

5. Quanto á questão da argentina, já o DCF respondeu. Só queria acrescentar que os CDSs da Argentina também estão actualmente num nível bem catita, o que bem demonstra os "maravilhosos" resultados de crescer pelo consumo, eliminando a poupança e recorrendo ao endividamento externo.