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A UE aprovou
medidas históricas, medidas que vão no sentido de ‘mais Europa’ e que há muito eram defendidas neste blogue. Mas fê-lo a muito custo, perante a iminência do colapso do euro. Parece poder conclui-se que só nestas condições é que o projecto europeu avança.
Ficou também decidido um controlo mais rigoroso dos PEC, em particular antecipando e agravando as medidas mais recessivas nos países com maiores dificuldades financeiras. O resultado global será o mergulho da Eurozona em nova e mais profunda recessão. E como
nenhum dos seus membros pode conduzir sozinho o relançamento da sua economia, o que é que nos espera?
Por agora vejo três cenários:
a) Mantermo-nos na moeda única custe o que custar, com uma distribuição dos custos que penalize o menos possível os grupos sociais de mais baixos rendimentos, sabendo que o processo de “consolidação” orçamental em curso à escala europeia vai agravar a crise e repercutir-se sobre a própria Alemanha. A ideia seria ganhar tempo até que a Alemanha mude de orientação política, por pressão interna e externa (ver
aqui), já que os seus cortes orçamentais vão reduzir ainda mais a sua procura interna e, por outro lado, não vai poder manter o nível anterior das suas exportações para a ‘Europa deficitária’, ou mesmo para outros países como os EUA (ver
aqui). Mas será que a Alemanha muda mesmo? Não haverá que considerar a inércia da sua “cultura” anti-défice que, para a generalidade dos alemães, está associada ao medo de uma “hiperinflação” (cultura do Bundesbank transposta para o BCE )?
b) Abandonarmos a moeda única, o que permitiria recuperar a margem de manobra da política económica pela desvalorização drástica da taxa de câmbio com reestruturação da dívida pública. É um cenário com prós e contras, a estudar melhor à luz do que aconteceu na Argentina (ver
esta opinião). Em todo o caso, estou convencido que a Grécia vai acabar por abandonar, mais ano menos ano, porque a recessão em que vai mergulhar não permite gerar a receita fiscal necessária para pagar o imenso volume da sua dívida que os juros a 5% só agravam (‘efeito bola de neve’). A Irlanda e a Letónia já estarão na descida para o abismo: ‘cortes na despesa – mais recessão – mais cortes na despesa/subida de impostos – mais recessão’ (ver
aqui). Com algum desfasamento temporal, Portugal e a Espanha far-lhes-ão companhia (ver
aqui). E quando será a vez da Itália? Será isso mesmo que muitos alemães pretendem, uma reconfiguração da Eurozona?
c) Provocar um efeito de choque sobre a opinião pública alemã e a sua liderança política. Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda (com o apoio tácito da França), têm uma alternativa. Negociar em segredo uma posição colectiva e, daqui a uns meses, confrontar colectivamente Angela Merkel (entretanto enfraquecida politicamente) com a seguinte escolha: (1) regresso ao projecto, prematuramente abandonado, de relançamento coordenado do crescimento europeu pelo investimento público e por medidas de apoio social (a financiar pela 'economia da droga', pelo sector financeiro e por uma taxa sobre as suas transacções especulativas, por tributação altamente progressiva e, como agora se decidiu, por monetarização da dívida pelo BCE); reforço substancial do orçamento comunitário e revisão do Tratado de Lisboa para expurgar a ‘constituição económica’ da sua implícita ideologia monetarista, ou ... (2) saída simultânea dos quatro países com reposição das respectivas moedas, acompanhada de reestruturação unilateral das respectivas dívidas, nacionalização da banca, controlo rigoroso dos movimentos de capitais de curto prazo … e, em consequência, falência dos bancos que detêm dívida destes países,
com destaque para os bancos alemães (ver figura).
A minha preferência vai para o cenário (c) que já
aqui defendi há muito tempo. Na impossibilidade política desta ‘prova de força’ concertada, começo a ponderar seriamente se, quando confrontado com o cenário (a), o cenário (b) não acabará por criar, no médio/longo prazo, condições mais favoráveis ao desenvolvimento do nosso país (uma saída do euro ‘à Argentina’). Bem fazem os Polacos ao
adiarem a entrada no euro.
Persistindo a Alemanha na sua estratégia de ‘política da oferta’ (“reforma do mercado do trabalho”, “revisão das funções do Estado”, “mais rigor nos critérios de Maastricht”) para enfrentar uma ‘crise de procura’, não percebendo que as empresas só produzem se tiverem expectativas de que podem vender, os empréstimos de emergência que vários países (além da Grécia) vão ter de pedir não poderão ser reembolsados. A estagnação geral na Europa, ou mesmo a sua recaída na recessão, vai começar a tornar-se insustentável (ver
aqui). Como vão todos crescer pelas exportações? (ver
aqui) Estará a Alemanha à espera que os EUA e os “países emergentes” nos tirem da crise?
Na ausência de uma viragem
completa na política da eurozona (como se explica
aqui), os especuladores vão continuar o seu trabalho (ver
aqui), só que agora será com o euro e já não com as obrigações de pequenos países.
Antes que seja tarde, a UE tem de pensar o impensável: a subordinação da finança ao poder político e, rapidamente, dar mais passos em direcção ao federalismo. Menos do que isto não chega.