terça-feira, 9 de setembro de 2025

Em festa, em síntese


Respaldada a partir de certa altura pelo magnifico Coro das Mulheres da Fábrica, foi como se A Garota Não sintetizasse em duas frases de canções suas o que me pareceu ter sido o espírito da Festa do Avante! de 2025: “podem decretar o fim da arte e a gente faz uma canção sobre isso”, “é urgente o amor, é urgente permanecer”. 

A bandeira da Palestina nunca deixou de ser agitada durante os três dias desta festa internacionalista e patriótica. 

Por falar em síntese, mas de economia política, no comício de domingo que precedeu este concerto, no mesmo Palco 25 de abril, igualmente com muitos milhares de pessoas presentes, Paulo Raimundo sintetizou a orientação de política prevalecente e que tem de ser derrotada com a máxima unidade de pensamento em ação: 

“Enfrentamos uma política ao serviço dos grupos económicos e das multinacionais, submissa às ordens e à hipocrisia da União Europeia, dos EUA e da NATO, e que abdica da soberania nacional, fragiliza o aparelho produtivo e põe em causa o desenvolvimento do País.” 

Nesse comício, o meu filho achou por bem agitar uma bandeira do PCP. Foi de resto como se tivesse sido a sua primeira Festa, dada a cada vez maior liberdade, rumo à maioridade, que isto passa mesmo num instante: “vai ter ao Vietname para jantarmos”. 

Jantámos em pleno espaço internacional da festa, ali onde se celebrava os 80 anos da proclamação da independência nacional e os cinquenta anos da libertação integral deste notável país, exemplo de perseverança anti-imperialista e de desenvolvimento: um, dois, três, muitos Vietnames, já dizia o Che. Comemos bem, já antes tínhamos comido muito bem em Coimbra, na Madeira, em Setúbal e no Algarve (nos espaços das organizações regionais). Gastronomia patriótica e internacionalista. 

Patriótico e internacionalista foi também o concerto de música clássica que celebrou os oitenta anos da derrota do nazi-fascismo. Duvido que haja em Portugal um concerto de música clássica com mais gente a assistir, como aquele que habitualmente tem lugar à sexta-feira na Festa. 

No sábado, ao fim da tarde, tive o privilégio de ter o livro A economia política do antifascismo e outros textos a ser generosamente apresentado por Vasco Cardoso, como, já em 2022, o tinha feito com o livro sobre o neoliberalismo. Feliz de quem tem leitores assim. Estava muita gente a assistir, incluindo muitos camaradas e amigos, em relação aos quais contraí dívidas intelectuais e políticas imensas. Referi alguns, não pude referir todos. Sem as razões comunistas inscritas na história não teria escrito este livro, isso é certo.

Achei por bem carregar umas cadeiras e assim depois das 23h, depois do fecho da Festa, nada de especial: “É [mesmo] urgente o amor, é [mesmo] urgente permanecer”. Saí da Festa já passava da meia-noite, cansado e feliz. Saímos. Voltarei. Voltaremos.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Ter casa custa. Mas quanto?

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A julgar pelos indicadores oficiais, o crescimento da economia portuguesa nos últimos anos parece ter-se traduzido no rendimento das pessoas. Quando olhamos para a evolução dos salários reais – isto é, a subida dos salários ajustada à inflação, ou seja, aos preços que pagamos por tudo aquilo que consumimos -, o que vemos é que, depois de terem diminuído de forma expressiva em 2022, voltaram a subir em 2023 e 2024 e os dados mais recentes sugerem que o poder de compra já foi recuperado.

Apesar disso, o custo de vida continua a ser uma das principais preocupações referidas pelas pessoas nos inquéritos. No Eurobarómetro do Parlamento Europeu, a inflação e a subida dos preços são, a par da saúde, a segunda principal preocupação expressa pela maioria dos portugueses. Parece haver uma discrepância entre os indicadores estatísticos usados para medir o poder de compra e a experiência concreta de boa parte das pessoas. Para perceber o que explica, é preciso perceber o que medem os indicadores que utilizamos e o que podemos (ou não) concluir a partir destes.

Notícias: aquiaqui e aqui

A taxa de inflação mede a subida média dos preços num país. Não é fácil calcular esta média, uma vez que é preciso incluir os preços de centenas de produtos (desde o pão, a carne ou os ovos aos eletrodomésticos, passando pela roupa) e de serviços (como um corte de cabelo, uma ida ao restaurante, um pacote de telecomunicações, etc.), além de que, para cada um destes produtos ou serviços, é preciso considerar diversas categorias/marcas. Para calcular a média, o indicador atribui um peso a cada um destes produtos ou serviços, correspondente ao seu peso na despesa média das pessoas, como discutido num post anterior.

Os preços aos quais se atribui um peso maior são aqueles que representam as principais despesas das pessoas: alimentos, energia, transportes e, como seria expectável, habitação. É isso que se verifica no cabaz utilizado pelo INE para medir a inflação (no gráfico abaixo, à esquerda). No entanto, há algo que salta à vista: a despesas com habitação, água e eletricidade/gás representam cerca de 10% do orçamento das pessoas. Este valor contrasta com a experiência da maioria das pessoas no contexto atual, onde os custos com a habitação são a principal despesa do mês. No inquérito realizado pelo próprio INE sobre as despesas das famílias, a habitação é, de longe, a maior fatia, representando quase 40% do orçamento familiar (também no gráfico abaixo, à direita).

Fonte: INE (aqui e aqui). Dados para 2023.

A prestação paga ao banco, no caso de quem tem casa própria, ou a renda paga ao senhorio, no caso de quem arrenda, são muitas vezes a principal despesa do mês. Seria de esperar que esta despesa fosse particularmente relevante para o cálculo da inflação. O problema é que a despesa com prestações é excluída do cálculo da inflação. E embora se inclua uma categoria que corresponde às rendas das casas, esta tem um peso muito pequeno, uma vez que a percentagem de pessoas que arrenda casa é reduzida (22,2%) face à de quem tem casa própria (77,8%) e, por isso, não paga renda.

Não é possível avaliar o poder de compra das pessoas sem ter em conta os custos da habitação, sobretudo num contexto em que estes têm crescido a um ritmo muito superior ao da maioria dos preços na economia. Entre o início de 2021 e o fim de 2024, enquanto a inflação total foi de cerca de 18%, a prestação média dos empréstimos para aquisição de habitação em Portugal aumentou 80,4%, passando de menos de €250 para mais de €440.

Fonte: INE

As rendas das casas também subiram acima do nível médio dos preços na economia. Entre 2021 e 2024, as rendas de novos contratos aumentaram 32%, mais do dobro do valor da inflação registada (aqui medida em termos anuais e não mensais, o que explica a diferença face ao gráfico acima).

Fonte: INE

O indicador da inflação é, por isso, pouco adequado para avaliar o custo de vida de boa parte das pessoas. O gráfico abaixo apresenta dois exemplos que ilustram este problema, comparando a inflação com a evolução do índice de preços que seria calculado se, em vez de usar o cabaz de consumo assumido no cálculo da inflação, usássemos aquele que resulta dos inquéritos às famílias e que nos dá uma ideia mais aproximada das despesas das pessoas.


Enquanto a inflação acumulada entre 2021 e 2024 andou à volta dos 15%, os dois exemplos acima tiveram uma subida mais expressiva do custo de vida neste período. No primeiro exemplo, uma pessoa que tenha visto a sua renda subir de €600 para €850, o custo de vida aumentou mais de 21%. No segundo exemplo, em que a prestação de alguém com casa própria e crédito com taxa variável tenha passado de €300 para €550, a subida do custo de vida foi ainda mais expressiva (mais de 37%).

As limitações do indicador da inflação não são apenas detalhes técnicos, uma vez que este é o referencial usado nas negociações salariais e na atualização das pensões e de outros apoios sociais. Se o indicador subestima o aumento do custo de vida, traduz-se em aumentos de salários ou pensões que acabam por ser mais baixos do que os que seriam necessários para travar a perda de poder de compra.

Quando lemos notícias sobre a “recuperação” do poder de compra nos últimos anos, é preciso ter em conta os indicadores em que assentam estas análises. Como o indicador da inflação subestima o custo de vida de muitas pessoas, utilizá-lo para avaliar a evolução dos salários reais pode levar a conclusões erradas. Com a subida dos preços das casas a um ritmo superior ao da maioria dos países, não se pode avaliar o poder de compra das pessoas sem ter estes custos em conta.

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A economia política dos incêndios em Portugal


A prevalência de um enorme número de propriedades de dimensão muito reduzida é, em si mesma, uma fonte de baixa rentabilidade da floresta. Boa parte das actividades associadas à produção florestal — construção de acessos, preparação do terreno, plantação, manutenção, gestão técnica e mobilização de maquinaria — envolvem custos fixos elevados. Isso significa que os custos médios por hectare são mais reduzidos em propriedades de maiores dimensões, aumentando a rentabilidade. Pelo contrário, prédios florestais exíguos têm retornos proporcionalmente baixos. A pequena dimensão da propriedade também penaliza a rentabilidade da floresta por outra via: reduz o poder negocial dos fornecedores de madeira e derivados face aos grandes compradores (que, em Portugal, nos sectores da pasta de papel e da cortiça, são particularmente concentrados e poderosos). 

O ciclo natural da floresta é um desafio adicional. Até ser rentável, pode demorar 8 a 10 anos (no caso do eucalipto), 15 a 30 anos (no caso do pinheiro) ou 40 a 50 anos (para o montado de cortiça). Acresce que grande parte das florestas se encontra em terrenos de baixo potencial produtivo, devido ao tipo de solo, disponibilidade de água, exposição solar, relevo ou clima. 

Nestas condições, a mera clarificação dos direitos e deveres dos proprietários não vai resolver o problema. Mesmo que se consigam identificar todos os donos dos terrenos, não será fácil garantir a fiscalização de milhões de propriedades. Também será difícil encontrar investidores disponíveis para convencer uma miríade de pequenos proprietários locais a concordar, em simultâneo, com a venda de terrenos contíguos. Em muitos casos, a rentabilidade expectável será simplesmente insuficiente para mobilizar investidores. O risco de destruição por incêndios torna o negócio ainda menos atractivo. 

Os poderes públicos têm de estar disponíveis para fazer muitos mais do que garantir as condições para o funcionamento do mercado de compra e venda de terrenos florestais. É preciso apoiar, ao nível financeiro e técnico, as associações de pequenos produtores, incentivando a partilha de recursos, a acumulação de competências e a profissionalização da gestão. É preciso aumentar a propriedade pública da floresta (que representa em Portugal uns meros 3%, contrastando com cerca de metade na Alemanha e na Holanda, ou ¼ em Espanha e em França), aceitando que o retorno desse investimento não se mede apenas em lucros. Acima de tudo, acabar com a tragédia dos incêndios em Portugal exigirá determinação, perseverança e responsabilidade de sucessivos governos ao longo de décadas. 

O resto do meu texto pode ser lido no Público de hoje.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Avante


A Festa do Avante! começa hoje. É o jornal que tem o recorde mundial na clandestinidade e que cobre, como nenhum outro, as lutas sociais de norte a sul do país. Voltei a ganhar o hábito de o comprar semanalmente por essa e por outras boas razões dos comunistas portugueses. 

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Certeiro


Roubei a fotografia antiga a Paulo Coimbra e a formulação também: “Isto começa a ser demasiado semelhante a uma caquistocracia na aparência e a uma plutocracia na essência”. 

Segundo o dicionário, “a caquistocracia é o sistema de governo onde os líderes são os piores, menos qualificados e/ou mais inescrupulosos cidadãos”. 

Plutocracia todos têm a obrigação de saber o que é. Os efeitos políticos perversos do poder do dinheiro concentrado em poucas mãos estão por todo o lado.

A conferência de imprensa de hoje, dada por Montenegro e Moedas, sem direito a questões, como vem sendo hábito, confirma a desgraçada justeza da formulação.

Trágicos mecanismos


O que faz um cidadão perante a tragédia no ascensor da Glória, em Lisboa? Procura informar-se, ouvindo quem sabe, ou seja, Carlos Cipriano, numa primeira conversa, necessariamente cautelosa, com Rúben Martins.

Apurem-se responsabilidades sempre políticas, tanto mais que estamos a falar de uma infraestrutura pública, de um serviço público. 

Os sindicatos servem para defender os interesses dos trabalhadores e a primeira vítima a ser conhecida é um trabalhador da Carris: André Marques, guarda-freio do ascensor. Mas os sindicatos servem para muito mais, já que são expressão de conhecimento que só os trabalhadores detêm. 

E a empresa pública é um repositório de conhecimento que pode ir sendo perdido, pela destruição de serviços e das respetivas competências técnicas. Como sublinhou Carlos Cipriano, “antigamente, com a manutenção a ser assegurada dentro das empresas, o conhecimento técnico, o saber fazer, era transmitido, ao longo do tempo, entre gerações de engenheiros e de operários, no quadro de carreiras estáveis”. Está a falar das Carris, mas também de outras empresas, como o Metro de Lisboa ou a IP. 

Sabemos já que houve alertas sindicais recorrentes acerca da externalização da manutenção do equipamento social, uma empresa privada, o chamado “mercado”: podem até cortar nos custos pecuniários no curto prazo, pela exploração intensificada da força de trabalho mais precária e pela degradação da qualidade do serviço prestado, mas aumentam os custos sociais em todos os prazos. 

Um dos mecanismos foi sintetizado por Rúben Martins, em resultado da conversa: “na prática, a cada concurso público, a equipa que vem tratar da manutenção dos equipamentos pode ser completamente nova, sem haver passagem de conhecimento, como era habitual quando a manutenção era internalizada”. 

Realmente, podem ser muitos os mecanismos liberais que matam.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Haja multiplicador da igualdade


Os liberais até dizer chega do mais liberdade para explorar, menos liberdade para florescer, como Fernando Alexandre, querem transformar o ensino superior público, o ensino que garante a melhor qualidade na formação, num privilégio, operando uma regressão social. Fazem-no com o mesmo argumento falso de sempre. 

Os serviços públicos universais, sem barreiras pecuniárias à entrada, na melhor lógica de direito social, são mais eficientemente igualitários. De facto, serviços genuinamente partilhados, em igualdade de circunstâncias, geram maior confiança social, o tal “estamos todos no mesmo barco”, aumentam a moralidade fiscal, reduzem os custos administrativos e de controlo burocrático, geram pressão para aumento da qualidade, diminuem o estigma social dos serviços para pobres, que tendem a ser pobres serviços, etc. 

Para lá dos serviços públicos universais (e das prestações sociais tendencialmente universais, claro), e de forma complementar, há três outros grandes mecanismos igualizadores, formando o chamado “multiplicador da igualdade”. 

Em primeiro lugar, a existência de um sistema fiscal fortemente progressivo. Infelizmente, temos cada vez mais um Estado fiscal de classe, dado o peso avassalador dos regressivos impostos indiretos, a panóplia de benefícios fiscais ou o tratamento de favor dado aos rendimentos de capital, entre outras desigualdades fiscais que este governo, não por acaso, quer aprofundar.

Em segundo lugar, mais direitos laborais e menos direitos patronais garantem uma menor desigualdade na distribuição funcional de rendimento, entre trabalho e capital, e menor desigualdade dentro dos rendimentos do trabalho, ainda antes de impostos, de prestações sociais e de serviços públicos. Quanto mais centralizada e mais abrangente for a negociação coletiva, melhor; quanto maiores forem as liberdades sindicais e a taxa de sindicalização, melhor. Obviamente, para este governo, só há direitos patronais e correlativos deveres laborais.

Em terceiro lugar, o Estado que institui os direitos e os deveres associadas às relações de propriedade pode e deve controlar setores estratégicos, da energia à banca. Também assim se garante a “eutanásia dos rentistas”, enviando duas mensagens poderosas aos capitalistas: portai-vos bem; ide trabalhar para os setores mais concorrenciais, para os mercados interno e externo, malandros. Este governo de vende-pátrias só pensa em privatizar, claro.

Tudo ligado pela mesma política que há que derrotar: é um governo dos ricos, pelos ricos e para os ricos.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Miss Universo - Ser português


Confesso que desconhecia por completo, não tendo sequer alguma vez ouvido falar da banda. Até ao concerto num jardim de Albufeira, em noite de ventos fortes, no final do querido mês de agosto. Soube apenas, a caminho do local, que um dos músicos, Afonso Branco, era neto de um gigante (que isso não afete, num sentido ou noutro, pensei).

A primeira reação foi de surpresa, pelo inesperado da viagem - assim me pareceu - a sonoridades dos anos 80, trazendo à memória uma magnífica e saudosa banda que, como outras, as periferias votam ao desconhecimento. Noutros temas, um certo exercício de rock sinfónico, sofisticado e de execução apurada. Talvez o vento, e a qualidade acústica bem conseguida para um jardim ao ar livre, também me tenham levado a recordar isto.

Não se pense, contudo, que se trata de um projeto revivalista. Longe disso. O que resulta é a soma de influências e escolhas, que criam identidade própria e um registo novo, cruzando espaços e ambientes, numa combinação e alternância, por exemplo, entre ritmos e sons de música africana e matizes mais urbanos e sombrios. E também, claro, com a influência assumida, mais percetível em alguns temas e letras, do avô gigante.

Recensão, apresentação e festa


Feliz de quem tem leitores tão generosos: Jorge C. recenseou A economia política do antifascismo e outros textos no AbrilAbril

A apresentação do livro será feita por Vasco Cardoso na festa do livro da Festa do Avante. Até sábado, dia 6 de setembro, às 18h30m. 

Livros, música, exposições, debates, comida, desporto, teatro, cinema, amigos e camaradas: não há mesmo festa como esta.

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Milhares de milhões


Miguel Milhão acha que não sabemos nada, porque saíram do país 8 mil milhões em dividendos, mas entraram 13 mil milhões de Investimento Direto Estrangeiro (IDE), em 2024, considerando, aparentemente, que a saída é a contrapartida automática da entrada. Este fulano sabe captar apoios públicos aos milhões, enquanto regurgita harmonias económicas. 

Enfim, o Investimento Direto Estrangeiro é bom ou é mau? Depende, como muitas coisas na economia. 

Note-se previamente que o IDE não abarca todos os fluxos de capitais estrangeiros, mas geralmente o investimento que implica o controlo de mais de 10% de uma empresa já existente ou a criação de uma nova empresa, geralmente filial da estrangeira, no território nacional. 

Não abarca fluxos mais impacientes, ditos de carteira, geralmente de mais curto prazo, que tantas crises financeiras têm gerado desde a liberalização financeira, iniciada nos anos 1980, felizmente longe de ser universal por esse mundo afora. 

Os países que se desenvolveram, como a China, sempre dissuadiram os fluxos de curto prazo, mantendo controlos de capitais, e atraíram IDE, mas geralmente fixando condições de reinvestimento dos lucros, de transferência tecnológica, de parcerias com empresas nacionais ou de compras no mercado interno. 

Entretanto, se for para a economia do tijolo e do rentismo fundiário (e 3,5 mil milhões, dos tais 13 mil milhões, foram para o imobiliário, em 2024, no nosso país), do turismo e de outros setores estruturalmente pouco produtivos, então o IDE não é grande coisa. Neste caso, pode bem fazer parte de um círculo vicioso por quebrar.

Se for para controlar antigas empresas públicas, da banca à energia, passando por infraestruturas públicas, geradoras de poder e logo de superlucros (há quem fale de rendas), então o IDE é péssimo. Muito do IDE tem ido para aí. Demasiados dividendos enviados para o exterior têm aí origem. Esta é uma das críticas às privatizações, mas sobre isto os liberais naturalmente não falam. Para os vende-pátrias, tanto dá. É como se fosse tudo igual.

Se o IDE servir para criar capacidade produtiva adicional, com alguma transferência tecnológica, pode ser positivo, desde que se encaixe numa estratégia de desenvolvimento que não gere dependência excessiva. Haja planeamento, até porque não é tudo igual. 

Na economia mista que se defende nas presentes circunstâncias históricas, a resposta é mesmo muitas vezes: depende. Os que que captam milhões de recursos públicos sabem disso, mas a sua economia é como a sua política, ou não fossem inseparáveis: predadora.

domingo, 31 de agosto de 2025

É mesmo preciso reverter


Repito-me, perante a notícia de que os dividendos enviados para o estrangeiro atingiram, em 2024, quase 8 mil milhões de euros, o valor mais elevado desde 2010:

Desde os anos 1980 que os comunistas portugueses alertam para os efeitos negativos no desenvolvimento soberano, no controlo democrático da economia e, portanto, no resto da vida social, da reconstituição de grupo económicos privados em setores estruturalmente geradores de poder e de superlucros, provando-se, de resto, que aí só a propriedade pública é propriedade nacional. O país tem sido sangrado pela transferência de recursos para o exterior, sob a forma de juros, lucros e rendas, dado o controlo externo crescente de setores nacionais absolutamente estratégicos, geridos em função de negócios cada vez mais estrangeiros.  

Nem de propósito, no próximo sábado, pelas 16h30m, na festa do livro da Festa do Avante!, Paulo Coimbra apresentará um livro coletivo importante sobre as privatizações na companhia de Manuel Gouveia.

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Os vende-pátrias saem-nos caros


Esta semana ficámos a saber que, no ano de 2024, foram transferidos para o exterior quase 8 mil milhões de euros só em dividendos, o maior valor em 14 anos. Falta o resto, incluindo os juros e as rendas. Este país é drenado pelo controlo estrangeiro de setores estratégicos geradores de superlucros, o culminar de décadas de privatizações, como se avisou com iluminismo radical

Também temos exceções, como a Galp, desgraçadamente privatizada, que é controlada em 36,7% pela família mais rica do país, a Amorim: esta parqueia os dividendos em jurisdições fiscalmente mais vantajosas, beneficiando da liberdade de circulação de capitais instituída e garantida pela UE desde o início dos anos 1990. Anti-Amorim, por muitas e boas razões.

Entretanto, há dois tipos de vende-pátrias: os liberais, que desde o cavaquismo dominam a política económica do país, e os que, dizendo-se até muito de esquerda, são os seus idiotas úteis – o “capital não tem pátria”, como se isso fosse um estado da natureza e não o resultado de um quadro institucional, e, assim como assim, o patriotismo, incluindo o económico, é reacionário. Ignoram a melhor história económica, a melhor economia do desenvolvimento, bem como as tendências pesadas da presente economia política internacional. 

A propriedade pública conta, já que é a melhor forma de manter o controlo nacional de setores estratégicos, indispensável para não assistirmos a esta drenagem de recursos para o exterior, entre outras vantagens. A fronteira política deve contar economicamente. Deverão, por exemplo, voltar a existir controlos à entrada e à saída de capitais, até se queremos que a democracia volte a contar economicamente.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Pouca terra


Sou um firme crente no progresso das sociedades, mas sei que há retrocessos que são fatais para muitos, se bem que eventualmente superáveis com ação coletiva persistente. Quando penso em retrocessos, penso, por exemplo, na ferrovia e no jornalismo, penso no jornalista Carlos Cipriano, no seu notável trabalho ferroviário ao longo de décadas no Público

Sei que isto não vai lá com tudólogos, embora conseguir fazer ligações seja crucial, dado que a verdade talvez se encontre na totalidade. Há cada vez menos jornalismo especializado, como o de Cipriano. Lá está, retrocesso e logo melancolia. 

Portugal acumulou um atraso fatal na ferrovia, fruto de uma política neoliberal, iniciada no cavaquismo, ao serviço do automóvel. Esta política decapitou conhecimento, capacidade de produção industrial e recursos localizados no meio de transporte do futuro. Os prejuízos foram multidimensionais: da fatura energética à poluição, passando pela balança corrente, pela qualidade de vida. 

Da China a Espanha, sempre se soube participar na aventura de descoberta que é planear nesta área. No Portugal dominado pelas elites vende-pátrias, moderno era encerrar linhas e empresas industriais nesta fileira. Moderno era destruir a administração pública. Moderno era “desplanear”, expressão do saudoso engenheiro João Cravinho, logo em 1983. 

Moderno era imitar os EUA. Afinal de contas, a muito influente Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, perdão, a Nova School of Business and Economics, passou a dominar com base na socialmente custosa americanização da Economia e da economia (economics e economy...), secando quase tudo à volta. Para isso, houve que destruir centros de conhecimento, como o Gabinete de Estudos Básicos de Economia Industrial (GEBEI) junto do ministério da Indústria.

Os economistas convencionais, com influência crescente nas políticas públicas, têm pesadas responsabilidades e contaminaram demasiados engenheiros, gente que tinha uma saudável cultura desenvolvimentista e que hoje fala tristemente na televisão e não só, como se tivesse engolido um mau manual de economia pública, com conversas sobre “incentivos” e “externalidades” e outras trampas genéricas, maleáveis pelos grandes interesses. A televisão é uma janela distorcida, bem sei, por isso deixei de ter e de ver. Tenho tido a felicidade de conhecer grandes engenheiros. Derivo, mas não muito. 

Bom, só no comboio de alta velocidade, insisto, acumulámos um atraso que já vai em três décadas com Espanha, aqui ao lado. Para um país com a localização de Portugal é obra. O país tinha já de ter um eixo vertical, de norte a sul, com ligação à Galiza e à Andaluzia, mais um eixo horizontal ao centro, com ligação a Madrid. E Viseu, onde tenho raízes, repito, é a maior capital de distrito europeia sem ligação ferroviária desde 1989, ano fatídico em várias escalas, à sombra do qual se viveu e se sobrevive. Foi preciso odiar-se muito o povo deste país, de resto. 

Com a austeridade permanente, imposta de fora e aceite pelas elites de dentro, tudo se tornou pior, já lá vão mais de duas décadas desde o mito do país de tanga, alimentado pelo fulano que foi para a Goldman Sachs, não quero lembrar-me do nome dele. Tardiamente, lá se recomeçou a pensar em investir na ferrovia. Houve umas oficinas que reabriram e tudo. 

Quando há um arrastamento penoso, o interior é particularmente sacrificado. A linha da Beira Alta está encerrada para modernização desde abril de 2022, com aberturas sucessivamente adiadas. Há mais de três anos que as populações têm de usar autocarros, lá estão eles à saída da Estação de Coimbra B, ela própria um espelho do estado a que se chegou. Há obras agora, à boleia do tal autocarro a que chamam metro. Diz que a linha da Beira Alta vai abrir até ao final do ano. Já se disse isso de outras vezes. Há-de reabrir. Abrir linhas novas fica para depois. Qual é a pressa? 

É o interior, conta pouco. É o país, conta pouco. Pouca terra.

É rápido


“Metro de superfície” (José Luís Carneiro)? Não, afinal passamos a ter um “modelo Bus Rapid Transit”, segundo Miguel Pinto Luz. Um vende-pátrias usa o inglês no meio do português. São incapazes de chamar o bói pelo nome: autocarro, ainda que com via dedicada, ou seja, com estrada própria, em grande parte no sítio onde antes existiam carris. 

No fundo, eles sabem o que fizeram a Coimbra e ao ramal da Lousã. Como lembrava voluptama: “Este foi um dos maiores crimes de estado. Antes de ser encerrado, transportava mais de um milhão de passageiros por ano. Uma das linhas com mais movimento da CP”.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Mobilidade descendente


Contado não se acredita, mas José Luís Carneiro teve o atrevimento de dizer isto

“Entre a Lousã e Serpins, viajamos no novo Metro de Superfície do Mondego: uma infraestrutura decisiva para aproximar territórios, reduzir desigualdades e afirmar a mobilidade sustentável como prioridade para o futuro do país.” 


O comboio foi destruído há uma década e meia e o metro nunca chegou. Trinta e cinco quilómetros de linha, construída entre os anos 1880 e 1930, foram arrancados, culminando na destruição da estação central de Coimbra (Coimbra A) em 2025, com o correspondente encerramento da ligação ferroviária a Coimbra B. 

A obra do chamado Metro Mondego tem décadas e foi originalmente pensada para ser de facto um metro de superfície. Tornou-se na expressão da desigualdade territorial que a austeridade permanente não cessa de gerar. Acabou num imenso retrocesso, dado que o comboio é o transporte do futuro. As populações tiveram razão na sua contestação.


Em lugar do metro, acabámos num autocarro com via dedicada que entra pela cidade de Coimbra adentro. É um autocarro, é um autocarro. Nem falo do impacto visual da via dedicada, uma obra pesada, ainda em curso na cidade. Coimbra teve elétricos até aos anos 1980. Foi tudo desmantelado, expressão do triunfo do automóvel. Sobreviveram os tróleis num ou noutro percurso citadino.

E que podemos esperar do P sem S? Já só que perca o P...

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Da desordem liberal até dizer chega


Quem não quiser falar sobre capitalismo televisivo, deve calar-se sobre o fascismo televisionado. O fascismo sai do ventre do liberalismo económico, unidos pelo cordão da grande propriedade levada até às suas últimas consequências políticas. 

Estas duas hipóteses são corroboradas por figuras como Miguel Morgado, liberal até dizer chega, com tempo de antena sem contraditório na sociedade indigente de comunicação: “Não vamos conseguir gerir as nossas florestas enquanto não pagarmos aos proprietários a gestão dos terrenos com dinheiro dos contribuintes”. 

Duvido que faça ideia do que está a dizer, a começar pelo “dinheiro dos contribuintes”, tema para outro texto sobre a natureza da moeda e dos impostos. No que à “gestão dos terrenos” diz respeito, os proprietários até já são subsidiados, sobretudo os muito grandes, dominantes lá para o sul, que isto anda mal distribuído, diz-se há muito. 

Escrevo também enquanto co-proprietário de terrenos agrícolas-florestais. Arderam-nos cerca de um quarto dos castanheiros, contados hoje, com fotos e tudo, até para efeitos de pedido de apoio no quadro dos incêndios. 

Como eles se repetem, repito a introdução do editorial que escrevi há um ano para o Le Monde diplomatique - edição portuguesa

Perante mais uma desolação cinza e negra de muitos milhares de hectares, desta vez em Setembro, um refrão proprietário ecoou nas televisões, acompanhado de uma exigência: os donos dos terrenos não têm a obrigação de os limpar se estes não gerarem rendimento adequado, pelo que o Estado deve subsidiar os proprietários florestais. Afinal de contas, os proprietários gerariam benefícios para o conjunto da comunidade, o que os economistas convencionais chamam de “externalidades positivas”. 

Na realidade, os donos de terrenos rústicos florestais têm a obrigação legal de os limpar regularmente. É, entre outras, a contrapartida pelos múltiplos custos em que a comunidade política incorre para lhes garantir a criação e protecção do direito de propriedade privada. É necessário reconhecer que as acções e as omissões proprietárias têm implicações, tantas vezes negativas, sobre o que é dos outros, sejam indivíduos ou colectivos. Na União Europeia, não há outro país onde a propriedade privada da floresta seja tão prevalecente. Por todo este país de propriedade privada esmagadora e tantas vezes pulverizada, multiplicam-se histórias de quem tem os terrenos limpos, lado a lado com o desmazelo e a irresponsabilidade proprietária. 

Tudo o que fazemos com o que é nosso tem implicações sobre o que é dos outros, sejam bens materiais ou imateriais, digamos: saúde, segurança, tranquilidade. A propriedade é sempre uma relação social, politicamente determinada. E, por exemplo, uma coisa é plantar e cuidar de floresta autóctone, outra coisa é plantar milhares e milhares de hectares de eucalipto no quadro de um capitalismo verde-negro, totalmente desadequado na época das alterações climáticas. Este capitalismo é demasiado tolerado por um Estado com capacidades e conhecimentos brutalmente enfraquecidos nesta área, graças à destruição de serviços florestais pelos processos de neoliberalização em livre curso desde o cavaquismo. 

A Constituição da República Portuguesa prevê o direito de propriedade privada, mas subordina-o ao interesse geral e incrusta-o num feixe de direitos e deveres económicos e sociais que o transcendem e limitam, até pela existência de outros direitos de propriedade, pública ou cooperativa, no quadro de uma economia mista, condição material mínima para a subordinação do poder económico ao político. Apesar disso, quem se deixe intoxicar pela comunicação social dominante, ficará convencido de que ser proprietário é só ter direitos, cada vez mais direitos, com nulas obrigações, com nulo reconhecimento de qualquer função social; ou melhor, com todos os deveres a serem transferidos para o Estado e, assim, socializados. 

A ideologia proprietária televisionada afiança falsamente que o que é de todos não é de ninguém, o que significaria que poderíamos retorquir: será que os deveres que são de todos, sem os quais de resto não existiria propriedade privada, não são de ninguém? As televisões ditas privadas usam e abusam de um bem público licenciado pelo Estado — o espectro hertziano terrestre destinado à radiodifusão —, furtando-se aos seus deveres de formar e informar, sem que haja qualquer consequência: claramente, a ideologia dominante é a dos seus proprietários, num capitalismo televisivo sem freios e contrapesos, até pelo enfraquecimento do poder dos jornalistas. Sim, por todo o lado, as relações de propriedade são relações de poder.

Ir de férias nesta economia?

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Nesta altura do ano, as praias são um dos destinos mais procurados por quem faz férias em Portugal. Com o turismo a bater novos recordes de receita em 2025, têm surgido notícias sobre a proliferação de praias de luxo no Algarve ou no litoral do Alentejo, onde se anunciam serviços exclusivos e ofertas especiais para quem não quer andar carregado com o guarda-sol e a geleira.

Em Vilamoura, o Beachfront Experience apresenta-se como “um oásis criado para os nómadas que respiram o verdadeiro lifestyle de verão”, prometendo “uma experiência totalmente exclusiva, imersiva e inovadora”. O diretor criativo do projeto acrescenta que “estamos a oferecer aos turistas uma experiência imersiva que combina perfeitamente moda, estilo de vida e viagens de luxo”. Reservar uma cama balinesa com direito a toalhas, comida e uma garrafa de champanhe custa €130. Um quarto no hotel associado a este clube, com acesso às espreguiçadeiras na praia, começa nos €495 por noite.

A pergunta que se coloca é: num país em que mais de metade das pessoas recebe menos de €1000 por mês, a quem se destina esta economia? Quando olhamos para os dados do Eurostat, o que vemos é que Portugal continua a ser um dos países onde maior percentagem das pessoas é incapaz de comportar uma semana de férias por ano. Mais de um terço das pessoas (35,2%) tem rendimentos que não lhes permitem pagar uma semana de férias, bem acima da média europeia (27%) e apenas superado pela Grécia e pelos países mais pobres do Leste europeu.


Os preços do alojamento e de serviços como a restauração excluem boa parte das pessoas que vivem e trabalham em Portugal. O presidente da Associação de Hotéis e Empreen­dimentos Turísticos do Algarve reconhece que “o mercado interno reage muito ao preço, é notório que as dificuldades económicas têm afastado os clientes nacionais”, explicando que “quanto mais hotéis de cinco estrelas são construídos, mais qualidade adquire o resto da oferta, o que leva à gradual subida dos valores praticados” e que “somos acessíveis para mercados com outra disponibilidade” financeira.

No Alentejo, o caso de Tróia é emblemático: nos últimos 20 anos, os preços dos barcos entre Setúbal e Tróia quadruplicaram, com o preço do bilhete a subir de €1,15 para €5,50 por passageiro e de €5,70 para €21 por carro, o que fez com que o número de passageiros tenha caído para metade. Estas praias deixaram de ser acessíveis para muitas pessoas e tornaram-se um luxo reservado a quem pode pagar.

A situação que se verifica no Algarve ou no litoral alentejano reflete o modelo de crescimento do país na última década, crescentemente dependente do setor do turismo. O peso do turismo na economia atingiu máximos históricos e os serviços associados ao turismo - hotelaria, alojamento local, restauração, entre outros - têm sido responsáveis por boa parte da criação de emprego no país.

No entanto, é preciso ter em conta o tipo de emprego de que estamos a falar. O setor do alojamento e restauração tem o 2º salário médio mais baixo do país, de acordo com os dados do INE. Mais de 40% dos trabalhadores do setor recebem o salário mínimo. Apesar das receitas recorde, o turismo e os serviços associados criam emprego precário e mal pago, o que ajuda a explicar porque é que Portugal é o país da UE em que o salário mínimo se encontra mais próximo do salário mediano.

Fonte: Boletim Económico do Banco de Portugal (Março de 2025)

Além da qualidade do emprego, há outras tendências para as quais este modelo de crescimento tem contribuído, como a escalada dos preços da habitação. Entre 2014 e 2024, o preço das casas em Portugal subiu mais de 135%, enquanto o salário médio cresceu apenas 36%. A discrepância explica-se pelo aumento dos fluxos de investimento estrangeiro no imobiliário e pela recomposição da oferta de casas para satisfazer a procura turística, através da expansão do alojamento local e dos hotéis. A subida dos preços da habitação tem um impacto significativo no poder de compra de quem vive no país.

O Algarve é a região em que as consequências deste modelo económico se tornaram mais visíveis. Embora seja a segunda região com maior PIB per capita do país, o que poderia ser visto como um sinal de prosperidade dos seus residentes, o Algarve tem índices de pobreza acima da média nacional. O estudo elaborado pela Comunidade Intermunicipal do Algarve indica que faltam pelo menos 10 mil fogos para alojar residentes em condições de pobreza e combater a precariedade habitacional, mas há 200 mil casas vazias para turistas na região.

O sucesso de um modelo de crescimento não se mede apenas pela riqueza criada, mas também pela forma como esta é distribuída. Embora a economia portuguesa esteja a crescer a taxas mais elevadas do que no período anterior à pandemia, a dependência crescente do turismo tem efeitos perversos e contribui para o aumento do custo de vida no país. Há motivos para crer que este não é um modelo sustentável.

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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Haja história, haja memória, haja pátrias


Gamal Nasser, Sukarno, Tito, Ho Chi Minh, Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral, Patrice Lumumba, Agostinho Neto, Salvador Allende, Nelson Mandela, Yasser Arafat, Fidel Castro, Evo Morales, Lula da Silva... 

O que têm em comum estes líderes, e haveria muitos mais, do que já se chamou o Terceiro Mundo, esse grande projeto não-alinhado e derrotado, mas que continua hoje de outras formas num mundo felizmente mais multipolar (detesto a atual designação de “sul global”)? 

Todos disseram, de uma forma ou outra: “pátria ou morte, venceremos”. Todos souberam, na teoria e na prática, que patriotismo, ou nacionalismo se quiserem ser mais rigorosos, e internacionalismo estão profundamente imbricados, até pelo inimigo internacional comum: o colonialismo e o neocolonialismo, o sistema imperialista. A historiografia fala de “nacionalismo internacionalista”, precisamente. 

Pensaram e ensinaram-nos a pensar no projeto de nação, como se diz no Brasil, na criação de uma vontade coletiva nacional-popular hegemónica e internacionalmente contagiante. 

Há uma “esquerda” eurocêntrica, que hoje pensa como se fosse uma sucursal para progressistas do eixo Washington-Bruxelas e que quer opor internacionalismo e patriotismo. Por sinal, é a mesma “esquerda” liberal que rejeita nacionalizações, que apoia a corrida armamentista e que já soçobrou moralmente na Palestina. 

Sim, estou a pensar em mais um artigo sem história, nem memória, escrito por um dirigente do Livre. É todo um programa de submissão, baseando-se, entre outras, na ignorância contumaz da história do marxismo, como se Marx tivesse alguma coisa que ver com tal programa. Confirma-se a hipótese: a imaginação historiográfica euro-liberal contemporânea de Rui Tavares causa danos intelectuais na esquerda, também por via dos seus discípulos políticos.

Na semana passada, mero exemplo revelador, assinalou-se o aniversário do derrube, em 1953, do governo nacionalista iraniano de Mohammad Mosaddegh, por um brutal golpe de Estado apoiado pelos governos britânico e norte-americano. Os seus pecados: dar direitos a quem trabalha e querer controlar a riqueza nacional, o petróleo. 

A doutrina do Conselho de Segurança Nacional dos EUA era clara nessa época, tal como sublinharam Noam Chomsky e Natham Robinson, citando fontes primárias: “regimes nacionalistas, mantidos através de apelos às massas”, tinham de ser removidos. Alguns foram-no, outros não. Essa doutrina anda por aí, de golpes de Estado financeiros, como na Grécia, à destruição pura e simples do Estado, como na Líbia. E houve gente, que ainda hoje se considera progressista, a aplaudir.

A “esquerda otanizada”, sem qualquer fibra anti-imperialista, não imagina o que é viver numa situação geopoliticamente tensa de verdade. Não, não estou a pensar nas fabricações da OTAN.

Haja história, haja memória, haja pátrias.

Adenda. Texto editado, eliminando um trocadilho infeliz. 

domingo, 24 de agosto de 2025

Este povo


Vila Franca de Xira é o centro do neorrealismo no nosso país, do museu à biblioteca, luxos comunais merecidos, esta última com uma secção inteira dedicada a quem se lançou corajosa e generosamente a retratar e a imaginar um povo, uma nação, transpondo criativamente lutas de classes para livros. 

Fizeram, da pintura à literatura, o melhor que puderam em circunstâncias muito mais difíceis e quem nos dera o mesmo tipo de gesto coletivo e tão internacionalista hoje: cuidaram de explorar e agigantar os elementos progressistas do contraditório e mutável fundo comum de uma cultura nacional que nunca esteve parada, até porque estava sendo produzida por esse mesmo povo, como todas as culturas, como toda a cultura universal. 


São intelectuais desconsiderados pela esquerda brâmane. Não é de bom tom falar deles em certos círculos. Aliás, o que passou, por exemplo, pela cabeça de Alves Redol para tentar escrever uma epopeia, sob a forma de trilogia Ciclo Port Wine, dedicada aos “gigantes” durienses, declarando, com modéstia orgulhosa, que pertencia àquele povo, a este povo? Se fosse hoje, seria mais cool dizer que são um bando de ignaros, de apoiantes do fascismo...

sábado, 23 de agosto de 2025

Confesso que nasci


Nasci a 22 de agosto de 1977 na Maternidade Daniel de Matos, em Coimbra, fez ontem 48 anos: João Pedro Amaral Cabouco Rodrigues. A minha mãe ia fazer 25 anos e o meu pai 24. 

Ele estava a dar os primeiros passos na advocacia, então sindical, ela era professora de português e de francês, também a começar na escola pública, então em franca expansão, ambos originários do concelho de Penedono. 

Ele foi o primeiro da família a licenciar-se um ano antes do meu nascimento, um ano depois do pai, sapateiro transformado em operário da construção civil, ter falecido num acidente de trabalho em França. O Estado social já existia em França, graças à classe trabalhadora, e fez diferença. O meu avô materno, pequeno empresário, também já tinha falecido. 

Tive as minhas avós, em Penedono e na Granja, por menos tempo do que seria necessário, nunca é suficiente. Ficaram muitos verões azuis e natais com sincelo e muito mais, incluindo o exemplo do decoro, virtude beirã, sempre achei. E ficaram tios e tias e primas e primos solares. E paredes, sobretudo de granito e de vidro

Ao pé da minha primeira casa, quando havia controlo das rendas (antes destas serem liberalizadas para os novos contratos em 1990...), a caminho da escola primária dos Olivais, que fica ao lado da faculdade onde por acaso acabaria a ensinar, estava escrito numa parede: “não à lei Barreto/77”. Sempre me chamou a atenção por causa do ano. 

Essa lei foi o início de destruição da Reforma Agrária, essa grande conquista da Revolução, soube precocemente, letras maiúsculas. Que essa gente esteja hoje na direita pura e dura, diz tudo sobre certos e determinados percursos, materialmente pavimentadas pelas contrarreformas neoliberais. 

Isto não está nada fácil, mas não há alternativa que não passe por persistir. Memorizei um poema descoberto recentemente sobre o que se faz a quem tritura os sonhos. Memorizai também. 

Se olhar apenas em redor do meu umbigo e decidir não ver o resto, confesso que não me posso mesmo queixar, antes pelo contrário: filho, árvores e livros, por esta ordem; família, amigos, trabalhos e camaradas, sem ordem, está tudo entrelaçado por motivações predominantemente intrínsecas, creio. 

Não generalizo, no entanto, ensinaram-me com convicção a não o fazer desde muito cedo: análise concreta das situações concretas, muita atenção ao contexto, João (afinal de contas, a mobilidade social foi mesmo ascendente; do sindicato à empresa, da cidade ao regresso à aldeia, circulou por muitas esferas). Ouves o eco que faz o avô quando falo, Pedro? 

Como qualquer pessoa, faço o melhor de que sou capaz nas circunstâncias que são as minhas. Simplesmente, tive imensa sorte nas circunstâncias, a começar pela lotaria nacional-familiar. O mérito está tão sobrestimado. 

Se tive a oportunidade de desenvolver algumas capacidades, foi também graças à ação coletiva de muitos que me tocaram, direta e indiretamente, sem o saberem na maior parte dos casos, sem eu o saber demasiadas vezes. 

Nasci com uma imensa dívida social, sobretudo aos que resistiram durante 48 anos, aos que se lançaram na construção do socialismo, mesmo que “só” tenham conseguido um Estado de direito, democrático e social, de resto cada dia mais frágil. A fragilidade começou pela alteração das relações de propriedade, pelas privatizações, e continua com outras formas de ataque, com décadas, à soberania popular.

E ainda há algo para defender e sobretudo muito que (re)construir. Escrevi grande parte destas linhas numa biblioteca pública, luxo comunal à beira Tejo. Infelizmente, já não há a Mague aqui perto, um só exemplo. Ficaríamos todos mais seguros se houvesse uma classe operária mais organizada. Sabemos, pela história da democracia, que dependemos dela.

Penso no meu pai, falecido há 8 anos (feitos há dez dias atrás) e penso no amor comunista, penso em ti. Penso em muitas relações valiosas, num dia em que sempre me deu para a melancolia. Nunca gostei lá muito de fazer anos, de festas de anos. Nasci em agosto, está toda a gente de férias: há, mas são verdes. Ontem, houve telefonemas queridos e mensagens amigas, bacalhau e museu do azulejo, um bolo e amores. Houve tudo. 

Entretanto, alguém já disse que vê o meu pai na quinta, que fala com ele, e eu acredito nos que acreditam. Somos um elo numa cadeia do tempo sem fim, disse-o à minha irmã num momento importante. Enfim, sozinhos não somos nada, haja história e memória, terras e raízes. Haja economia mista e motivações mistas. 

Atentemos nas ligações. Somos seres em relação, como se diz na Igreja quando é verdadeira, e temos a obrigação de olhar e de ver para lá das nossas circunstâncias pessoais, sem, no entanto, descurar a introspeção, até porque ela é sempre necessária, talvez mais para os que têm de trair a sua classe, começando por tentar evitar ser da esquerda brâmane, a posição mais fácil neste caso, neste percurso. Tenta-se.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Um plano para acabar com um plano


É um plano. É nacional. É de leitura. Três palavras que os liberais até dizer chega, os do mais liberdade para explorar, menos liberdade para florescer, abominam. Três palavras que Fernando Alexandre e Luís Montenegro odeiam. O obscurantismo desta gente é cada vez mais claro. Para isso, precisam de um plano. Eles têm têm um plano antinacional. Haja, pela nossa parte, iluminismo radical, indissociável de um antifascismo militante.

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Inesgotável?


Quem supunha que a pressão da procura do investimento imobiliário estrangeiro teria desaparecido, com as alterações introduzidas nos regimes dos Vistos Gold e Residente Não Habitual (RNH), tem razões para ficar inquieto. De acordo com o Expresso, «os fundos de investimento portugueses elegíveis para obtenção de Autorização de Residência para Investimento (ARI), ou visto gold, têm visto a procura disparar este ano», com um dos beneficiários (o 3CC Portugal Golden Income Fund), a registar no primeiro semestre um acréscimo no investimento de 1,2M€ para 16,8M€.

De facto, apesar de as alterações sugerirem uma desvinculação do investimento estrangeiro ao setor imobiliário, o efeito gerado no aquecimento da procura (e dos preços) parece manter-se. Como refere ao Expresso Sara Sousa Rebolo, da Prime Legal, «Portugal apresenta-se como um plano B para os norte-americanos que querem não só uma diversificação financeira como uma hipótese de nova residência», acrescentando que o interesse se intensificou após as eleições nos EUA, com «muitas famílias a virem para cá, já com os filhos nas escolas internacionais em Portugal».

Sabemos bem que o investimento imobiliário estrangeiro é apenas uma das novas formas de procura de habitação (a par do turismo e da procura nacional na lógica de investimento especulativo em ativos), que conferem à atual crise uma natureza distinta. Tal como sabemos que o efeito destas procuras na génese da atual crise habitacional, e na constante subida dos preços, continua a ser negligenciado no debate público, insistindo-se na ideia de que tudo se resolve, apenas, com a construção de mais casas e consequente aumento da oferta.

Bastará pensar, contudo - e uma vez reconhecido o efeito de arrastamento dos preços, decorrente do maior poder aquisitivo da procura imobiliária estrangeira -, que estamos perante uma fonte de procura potencialmente inesgotável, até ao eventual e estrepitoso rebentamento de uma bolha. Isto é, uma procura que, a manter-se, revela não só uma significativa capacidade de absorver, direta ou indiretamente, o aumento da construção como, também, de contribuir para manter os preços da habitação em patamares demasiado elevados para os rendimentos das famílias.

Leitura com vistas


A biblioteca de Vila Franca de Xira é um lugar de esperança, de possibilidade de luxo comunal à beira Tejo. As vistas do edifício são para todos e os livros também. Trabalha-se bem ali. E comecei a ler um livro de Sahra Wagenknecht, uma das referências políticas alemãs, oportunamente traduzida por nuestros hermanos: os “arrogantes” ou “presunçosos”. 

Do que já li, fala de cultura cívica, de coesão social e de racionalidade política, da reancoragem material dos valores da esquerda na classe trabalhadora realmente existente, de uma esquerda que não se confunde com a “esquerda do estilo de vida”, o que já se designou também por esquerda brâmane, antes valorizando a defesa e reconstrução de instituições igualitárias, garantidas pelo Estado-Nação, contra os liberalismos de esquerda e de direita que alimentam a extrema-direita.

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Haja fotos, haja memória


Helena Ferro Gouveia faz parte da “escumalha da humanidade”, de que falava um célebre hino da resistência antifascista na Segunda Guerra Mundial. Tem o poder que lhe conferem as ligações à embaixada israelita e a Mário Ferreira, o pirata laboral do Douro que controla a TVI e a CNN. 

Militante recente do CDS, foi até há pouco assessora de Inês Medeiros, do PS, na Câmara Municipal de Almada, e está ligada à candidatura de extrema-direita de um almirante, apoiado publicamente por Mário Ferreira, que quer enviar jovens portugueses para as guerras da NATO. O genocídio é um bom negócio, como se vê na foto. 

Houve uma saudável reação de repúdio quando se soube que este monstro moral é candidato, em quarto lugar, à Assembleia Municipal de Lisboa pela coligação das direitas liderada por Moedas. 


Infelizmente, a rede da embaixada israelita não fica circunscrita às direitas da linha de cor, já que chega ao P sem S, como se vê na foto. Em pleno genocídio, Pedro Delgado Alves, vice-presidente do grupo parlamentar de amizade Portugal-Israel, e Sérgio Sousa Pinto foram a uma reveladora despedida a um embaixador que devia ter sido expulso e foram candidatos do PS às legislativas; o primeiro até foi cabeça de lista por Coimbra, lembrai-vos. 

Haja fotos, haja memória.

A vassalagem foi mesmo fotografada

Instagram da Casa Branca, via Raquel Ribeiro

terça-feira, 19 de agosto de 2025

A única virtude de Trump


Trump tem uma só virtude e é epistémica: revela a realidade do poder, a realidade da vassalagem da elite do poder da UE aos EUA. Isso incomoda muito os euro-liberais, dado que pode levar a urgentes rebeliões anti-imperialistas dos povos dos estados europeus, recusando os indissociáveis militarismo, neoliberalismo e federalismo.

Adenda. A foto foi retirada de uma notícia do Financial Times (só acessível a assinantes), e continua lá, embora não se encontre a foto na fonte indicada pelo jornal. É sabido que circulam muitas fotos falsas, pelo que todo o cuidado é pouco. Aguardemos serenamente pela eventual correção.

Entretanto, o The Telegraph tem uma notícia com a mesma foto e outra tirada de outro ângulo. Custa mesmo a crer em tamanha vassalagem fotografada.


Relações de poder


“Sempre houve influência do poder económico sobre o poder político. Mas nunca foi tão evidente como agora”, informa-nos Augusto Santos Silva em entrevista, tomando como pretexto o seu livro sobre poder, esse bem posicional e relacional por excelência: mais para uns é menos para outros.

Nem sequer é caso para dizer mais vale tarde do que nunca, porque Santos Silva considera a globalização inevitável e porque está a referir-se apenas aos EUA, como se a União Europeia, a do Consenso de Bruxelas-Frankfurt, não fosse um exemplo, tão ou mais acabado, do reconhecido processo de desdemocratização, indissociável da globalização que essa mesma UE promoveu como ninguém. Como se Portugal, em crescente periferização, não fosse um exemplo, com as peculiaridades que são as suas.

No caso português, intelectuais como Santos Silva ainda não estão preparados para reconhecer um facto bruto, porque isso implicaria uma ética da responsabilidade, com a correspondente autocrítica: a subordinação do poder político ao poder económico tem nas privatizações um dos seus principais esteios. Afinal de contas, o PS, onde Santos Silva teve poder nas últimas décadas, privatizou mais do que o PSD. 

A esmagadora maioria dos deputados constituintes reconheceu, há quase cinquenta anos, que as nacionalizações eram conquistas democráticas, esteio da subordinação do poder económico ao poder político. Tinham uma noção adequada das relações de poder. Houve um imenso recuo intelectual. Santos Silva participou dele, lamento dizê-lo.

E que dizer de quem fala de relações de poder cientificamente, mas não fala de luta de classes, a principal relação de poder que se pode cientificamente prever? Falar dessa relação, partindo do caso português e não só, implicaria, por exemplo, analisar a redução dos direitos laborais, correlativa do aumento dos direitos patronais. Estes últimos confundem-se com a inflação dos direitos, com cada vez menos deveres e funções sociais, associados à propriedade privada dos meios de produção.

O incremento da exploração passou por aqui, não é um dado natural, como os intelectuais do P sem S no fundo sabem, ou não tivessem defendido aquelas alterações regressivas na estrutura de direitos e de deveres subjacente às relações laborais. 

E já que Santos Silva está tão atento aos EUA, lembro Warren Buffet, num momento de enorme lucidez: “a luta de classes existe e a minha classe está a ganhá-la”. A social-democracia contribuiu para essa vitória e exauriu-se nesse processo com décadas dos dois lados do Atlântico Norte.

E que dizer das relações de poder entre Estados, mas também entre Estados e organizações supranacionais, como a UE? Santos Silva teria de analisar a forma como este Estado democrático perdeu poder ao perder instrumentos de política, transferidos para cima, para Bruxelas-Frankfurt, ou simplesmente eliminados, com a crescente irrelevância económica da fronteira política, essa grande regressão económico-política. Fazê-lo implicaria, uma vez mais, falar da responsabilidade do P sem S e, em breve, sem P.

Não, não é questão de pureza ter-se uma visão radical do poder, como parece insinuar no fim. É questão de realismo, incluindo do realismo brutalmente científico.