terça-feira, 11 de maio de 2021

Chega e sobra


Em coerência com a subscrição de apelos que incluem ministros do governo da troika, Rui Tavares insitiu ontem na ideia: o europeísmo até está para lá da esquerda e da direita. Em Portugal, a direita é toda europeísta e faz muito bem, dado que a condicionalidade externa tranca o essencial das suas políticas, restando-lhe esperar pela lógica da alternância. O processo europeu de federalização teria explicitamente como horizonte distópico a realização de uma espécie de EUA num continente de nações, confirmando que esta esquerda termina num caldo tão pós-nacional quanto euro-liberal, com uns assomos de ambientalismo de mercado e sem luta de classes, ou seja, com assomos de jardinagem

Para lá da metáfora, a jardinagem propriamente dita é preferível a esta política, que não polariza, nem mobiliza, feita de convenções europeias em modo zoom ou em modo passageiro frequente, com vista a mimetizar uma economia política nacional que continua a não ser recomendável. Se é para isto, então a apatia política é perfeitamente racional: nada de sociedade, só indivíduos e suas famílias. O vazio e o simulacro ocupariam definitivamente o lugar da política dita progressista nesta periferia. Nas ruas do Porto, graças à CGTP, houve outras possibilidades. 

Aproveitando umas infelizes declarações de circunstância europeísta da Ministra do Trabalho espanhola, oriunda do PCE, Tavares crítica o saudável eurocepticismo que ainda existe na esquerda portuguesa, do PCP até ao BE, sublinhando negativamente a “desilusão” de Catarina Martins com a operação de propaganda portuense, que muito terá favorecido a carreira europeia de Costa. A redução dos direitos laborais, já tão causticados, seguirá dentro de momentos, bem como a aposta no desmantelamento da Segurança Social ou na fragilização de um Serviço Nacional de Saúde rodeado de capitalistas da doença por todos os lados. 

No quadro da UE, em geral, e da Zona Euro, em particular, o máximo que que esta esquerda consegue é uma política defensiva de mínimos, a que a mobilidade dos factores se vai furtando, e de apelos à suposta razoabilidade das elites do poder, mesmo quando tem posições governativas, o que de resto é cada vez menos o caso. Experimentem reverter a herança laboral das troikas e verão a reacção da UE. A social-democracia nacional já nem experimenta e até alinha por cá com a defesa maximalista dos direitos de propriedade intelectual patente na acção da UE, ou seja, da Alemanha. Porque será?

Já agora, contraste-se a ilusória propaganda em jornais como o Público com a quase ausência de referências na imprensa internacional a esta recuperação portuense de todas as vacuidades sociais da Agenda de Lisboa de má memória. Duas décadas de estagnação e de regressão socio-laboral não bastaram? Pelos vistos, não. Não há imaginação para mais, dada a manifesta decadência da terceira via, essa diluição da social-democracia. 

Pela minha parte, não estou desiludido com os simulacros europeus, porque não tenho ilusões sobre a “Europa social”. Os Estados sociais são nacionais e têm sido erodidos pela integração associada ao mercado único e à moeda única. Os mecanismos são claros e a forma de os reverter passa também por menos integração. A UE é do domínio das relações internacionais assimétricas e quanto menos intrusiva e mais variável melhor para as relações sociais nos espaços da produção e da provisão. Neste contexto, é claro que qualquer passo no reforço dos poderes supranacionais diminui a soberania democrática e aumenta o controlo externo, o que não nunca é neutro em termos de políticas, como se confirmará com novas condicionalidades, à boleia de fundos, sobre o povo deste rectângulo. Nunca ninguém se desenvolveu dependendo desta forma cada vez mais intensa do exterior.

O espaço da luta soberanista não pode ficar vazio em Portugal, aliás a política tem horror ao vazio. Os Estados nacionais estão para ficar, com prejuízo para quem prescindiu de alguns dos seus atributos em matéria de política consequente. Aliás, se é para europeísmo, o extremo-centro chega e sobra em termos de oferta. 


2 comentários:

Jaime Santos disse...

Saúda-se a coerência, mas apenas isso. Porque o 'modelo alternativo' proposto, a julgar pelas companhias, elogiadas com frequência, não é nem soberano, nem social e muito menos é democrático.

A UE é um oásis de democracia comparada com a China, Cuba, etc. Honra seja feita ao BE que sabe chamar a uma Ditadura uma Ditadura, seja ela de Esquerda ou de Direita.

As alternativas sérias fazem-se de propostas políticas concretas, quantificadas, e que não escondem os riscos e as oportunidades, não se fazem de propaganda e demagogia.

Como a hipocrisia de quem defende um levantamento de patentes, medida simbólica mas inconsequente: https://www.publico.pt/2021/05/07/ciencia/entrevista/ana-santos-rutschman-ferramenta-certa-aumentar-producao-vacinas-sao-contratos-1961642.

Ou de quem cria uma vacina que exporta mas que é incapaz de produzir em quantidade para imunizar o seu próprio povo. Misseís germano-americanos, Marte, misseís russos, Novosibirsk (eu sei, é infantil, mas é só para chatear :), e sempre tem mais graça que o coro russo ou a fábula da raposa e das uvas)!

E essas alternativas também levam em conta a pirâmide social, longe da dicotomia maniqueísta entre proletários e capitalistas, válida talvez para o sec. XIX...

A classe média, João Rodrigues, beneficia da liberdade de movimentos e de capitais do mercado único, assim como da melhoria da infraestrutura, da qualidade da educação e da investigação científica, todas as alavancadas pelos programas da UE, longe quer da mediocridade salazarista, quer da mediocridade da 'Economia de Abril'. Como bem expressou aquela enfermeira na sua carta à Presidente da Comissão.

E sem a classe média, a Esquerda nunca mais formará maioria.

A alternância naturalmente acontecerá (é a alma da democracia representativa e limitada pela Lei), mas parece que pelo menos o BE tudo faz para a acelerar. Talvez sonhem com uma pasokização do PS, temo é que se o que acontece noutras paragens serve de indicação, o que acontecerá será uma sangria de votos à Esquerda.

Mas talvez o destino da Esquerda seja afundar-se em nome da defesa de princípios em que cada vez menos gente acredita (os 15% do PCP-PEV e BE não são nenhuma maioria).

Enfim , cuidado com o que se deseja...

Anónimo disse...

Grande artigo.

Logo atacado pelo desmoralizador de serviço encarregado de fazer a marcação a este blog. Mostra que o blog ainda incomoda aos que se querem donos disto tudo. E que vale a pena continuar a denunciar a propaganda de que depende o projeto anti-democratico dito de união europeia.
Não arranjar melhores armas os seus defensores que tentar desmoralizar e desmobilizar quem vê os factos.