quinta-feira, 1 de abril de 2021

A história da "lei-travão" e a desconfiança dos deputados


Comentários feitos ao meu post anterior e a troca de argumentos levaram-me a procurar mais elementos, o que eu devia ter feito logo à partida. 

Quis perceber o que estava na cabeça dos deputados que aprovaram a "lei-travão" na Constituição de 1976. O texto que se segue é a transcrição das actas da sessão realizada no dia 10 de Março de 1976, quando se discutiu esse artigo. Como se verá, talvez se deva recuar ainda mais no tempo, porque a norma já existia na Constituição de 1933 e mesmo ao tempo da 1ª República. Na sua carne - como se verá - está presente uma desconfiança clara dos deputados sobre... os deputados - mas não de todos os políticos... -  e da sua demagogia, a qual os levaria a aprovar despesas públicas ou decidir sobre impostos sem olhar às consequências. Algo que atravessa toda a teoria neoliberal e que impregna as regras orçamentais vigentes. 

O deputado então independente Mota Pinto levanta precisamente essa questão: 

«Com isto pode-se travar a demagogia.» Eu aceito que isso seja efectivamente uma consequência possível deste preceito, mas eu pergunto: estamos a fazer a democracia e a instituir uma Assembleia dos Deputados já à partida com tanto medo da demagogia? O problema que se põe e o que pode, na verdade, ser prejudicial à correcta ordenação da administração é a aprovação das disposições. Mas o que está aqui em causa é uma privação de iniciativa. Sem dúvida, assim se impedem as pessoas de tomar iniciativas demagógicas. Eu pergunto se a melhor maneira de combater a demagogia será pôr uma mordaça aos demagogos. 
Risos. 
A demagogia situar-se-á apenas na Assembleia dos Deputados? Também o Governo não poderá fazer demagogia? E os partidos, fora dos parlamentos, não poderão prometer mundos e fundos?

Dado a extensão da transcrição, permitam-me sublinhar algumas passagens apenas para chamar a atenção  da leitura, não para evitar a leituras das restantes passagens. Estava em discussão o seguinte artigo:  

ARTIGO 56.º (Iniciativa legislativa) 

1 - A iniciativa da lei compete aos Deputados e ao Governo. 

2 - Os Deputados não podem apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam directamente aumento de despesas ou diminuição de receitas do Estado criadas por leis anteriores. 

3 - Os projectos e as propostas de lei definitivamente rejeitados não poderão ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia dos Deputados. 

4 - Os projectos e as propostas de lei não votados na sessão legislativa em que foram apresentados não carecem de ser renovados nas sessões legislativas seguintes, salvo termo de legislatura, dissolução da Assembleia e, quanto às propostas de lei, demissão do Governo. 

O Sr. Presidente: - Está em debate. Mais ninguém pede a palavra? 

Pausa. 

O Sr. Deputado Jorge Miranda. 

 

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo 56.º, respeitante à iniciativa legislativa, é um artigo fundamental para a dinamização da competência legislativa da Assembleia, porque não bastará atribuir a uma Assembleia amplos poderes legislativos se ao mesmo tempo não forem atribuídos amplos poderes de iniciativa aos seus membros. A experiência portuguesa, nomeadamente a experiência da Constituição de 1933, mostrava que aí, praticamente, era o Governo quem detinha o monopólio da iniciativa legislativa. E mesmo em países democráticos é isso que se verifica. Eu suponho que deveria ser preocupação da jovem democracia portuguesa que a iniciativa legislativa não pertencesse apenas ao Governo, mas também aos Deputados. É evidente que há limites, nomeadamente o limite de carácter financeiro, derivado de razões óbvias, que se encontra no n.º 2, mas deve ser fundamental ressalvar o direito de iniciativa legislativa dos Deputados, nomeadamente das minorias. Deve depreender-se deste artigo 56.º que o futuro Regimento da Assembleia dos Deputados não poderá por qualquer forma tolher o exercício da iniciativa legislativa por parte dos Deputados ao voto ou ao parecer favorável de qualquer comissão parlamentar. (O orador não reviu.) 

O Sr. Presidente: - Continua o debate. Pausa. O Sr. Deputado Mota Pinto, tenha a bondade. 

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É indiscutível que corresponde a um interesse nacional inequívoco o apontamento rápido da Constituição, cuja elaboração foi cometida a esta Assembleia. Tenho, todavia, a impressão de que, em algumas matérias muito importantes, que dizem respeito ao sistema de Governo que ora estamos a analisar, esta Assembleia está a caminhar de uma forma algo apressada. Estou convencido de que é possível realizarmos esse objectivo de pronta conclusão da Constituinte com uma reflexão mais cuidada destes tão importantes aspectos que estão neste, momento perante nós. Isto é-me sugerido pelo artigo 56.º, e intervenho para pedir um esclarecimento. Parece-me que o n.º 2 do artigo 56.º é uma disposição importantíssima. Diz assim: Os Deputados não podem apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam directamente aumento de despesa ou diminuição de receitas do Estado criadas por leis anteriores. Está aqui consagrada uma importantíssima restrição da capacidade de iniciativa dos Deputados. Uma disposição precisamente igual a esta, se não estou em erro, existia na Constituição de 1933. E, durante a I República, uma disposição que ficou conhecida na nossa história constitucional por «lei-travão» sancionou uma orientação correspondente a este pensamento, não sei se em termos exactamente iguais ou com alguma diferença, mas de alguma maneira exprimindo o mesmo tipo de preocupações. Eu suscito, portanto, um esclarecimento: este n.º 2 significa, por exemplo - parece-me, entendo que a Câmara devia ser esclarecida a este respeito - que os Deputados não podem apresentar projectos de lei ou propostas de lei que, por exemplo, importem um aumento de salário mínimo nacional, ou que, por exemplo, estabeleçam um aumento do limite de isenção do imposto (por exemplo, do imposto profissional), que isso serão matérias de que os Deputados não poderão tomar a iniciativa de propor à discussão e à aprovação do Plenário? Eu creio que o que é importante, para coordenar o planeamento financeiro constante do orçamento e a actuação executiva cometida ao Governo nesta matéria com actuação de outro órgão, não é tanto o problema da iniciativa dos Deputados quanto o facto de a Assembleia aprovar ou não leis que venham repercutir-se nessa matéria. Não há dúvida de que estes exemplos que eu dei, que parecem ser retirados à iniciativa dos Deputados, podem ser apreciados na Assembleia. Se for o Governo a fazer um diploma sobre esta matéria, a Assembleia pode chamar esse diploma à discussão em Plenário para conceder ratificação ou para tomar uma deliberação contrária a esse diploma. Se é assim, por que motivo os Deputados não poderão tomar a iniciativa, não poderão ser eles a suscitar uma tomada de posição da Assembleia sobre esta matéria, sendo certo que nesta matéria não é retirada a possibilidade de uma intervenção da Assembleia, a não ser que esteja nas matérias de competência exclusiva do Governo, o que não me parece ser o caso? Algumas delas são até matérias da competência da Assembleia. Por exemplo a legislação sobre impostos que é matéria de competência exclusiva da Assembleia. Eis aqui um ponto que eu entendo que deve suscitar alguma reflexão, porque efectivamente é uma apreciável restrição da capacidade de iniciativa dos Deputado. (O orador não reviu.) 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Oliveira Dias, tenha a bondade. 

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente ...

O Sr. Presidente: - Depois, a Comissão, através de um seu intérprete, poderá responder, naturalmente, às duas intervenções. Faça favor. 

O Orador: - Tinha pedido a palavra justamente para solicitar a V. Ex.ª que a votação acerca deste artigo fosse feita ponto por ponto, e não globalmente, como tem acontecido ultimamente, adiantando desde já que iríamos votar contra o n.º 2, pelos fundamentos que acaba de expor, e muito bem, na nossa opinião, o Sr. Deputado Mota Pinto, porque entendemos que, através de uma disposição deste género - e temos experiência bem viva a este respeito no nosso país -, o monopólio da iniciativa legislativa pode, de facto e apesar de tudo isto, ficar confinado ao Governo. Não são só as disposições fundamentais, mas as variações, as modificações, das taxas mais simples, uma iniciativa no sentido de ser abolida a mais simples das taxas, que pode ser vedada a um Deputado com fundamento numa disposição deste género. Por outro lado, sendo da competência exclusiva da Assembleia legislar sobre o sistema fiscal - por exemplo, também sobre a remuneração do Presidente da República, dos Deputados e membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores -, mal se entende como compatibilizar o n.º 2 do artigo 56.º com estas disposições que acabamos de aprovar. (O orador não reviu.) 

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Emídio Serrano, tenha a bondade. 

O Sr. Emídio Serrano (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Primeiro que tudo quero-me referir à intervenção do Sr. Deputado Mota Pinto, que começou por dizer que nós estávamos a tentar trabalhar depressa de mais. Ora sucede que este projecto - praticamente e textualmente o mesmo artigo que aqui está - foi entregue à apreciação da Assembleia dos Deputados em Novembro do ano passado. Ainda nessa altura o Sr. Deputado Mota Pinto era leader de um grupo parlamentar. Portanto, não foi assim com tanta pressa nem sobre o joelho que foi apresentado para apreciação. Houve até um ano de projecto. Não foi assim de ânimo leve que foi apresentado este projecto para a apreciação da Câmara. De qualquer modo, foi bastante pensado. E há uma justificação: como em todas as coisas, não podemos ir ou pretender ir para um simplismo ou para atitudes menos ponderadas. Aliás, poderia aqui, assim, até referir vários autores sobre estas atitudes demagógicas, que se podem considerar. Nomeadamente, até poderia citar, se entendessem - mas não vale a pena -, Ho Chi-Min. Não vale a pena citá-lo já, neste momento. Eu apenas lembro que há um assunto bastante importante, que é a possibilidade de, através de uma abertura total na aprovação de propostas que envolvam aumentos de despesas, demagogicamente se fazer com que caia um Governo, de que se torne absolutamente impossível governar. Se, havendo um planeamento económico do Estado, havendo um plano geral do Estado, com todas as receitas e despesas devidamente orçamentadas, for deixado ao livre arbítrio dos Deputados fazer novos decretos ou novas leis em que não se pondere o aumento das despesas, o que isso poderá provocar, muito naturalmente, será a apresentação de projectos ou de propostas absolutamente demagógicos, única e simplesmente para ganhar o eleitorado. A esse ponto nós temos que obstar com a maior calma e ponderação, porque, de outro modo, estaremos sujeitos a uma qualquer situação em que se pretenda, no momento, ganhar qualquer eleição e por isso fazer apresentar as propostas mais descabidas e impossíveis e insustentáveis para o País. (O orador não reviu.) 

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Oliveira Dias está à espera de uma resposta. Tenha a bondade, Sr. Deputado Jorge Miranda. 

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Emídio Serrano - e muitíssimo bem - já esclareceu as dúvidas postas, quer na intervenção do Deputado Mota Pinto, quer na intervenção do Deputado Oliveira Dias. Eu limitar-me-ei a acrescentar duas notas. Em primeiro lugar, que só quem desconheça a história portuguesa, a história política portuguesa desde século, poderá, de ânimo leve, pronunciar-se contra este artigo. Este artigo não tem origem na Constituição de 1933, tem origem na lei travão de Afonso Costa. Além disso, disposição semelhante encontra-se em muitíssimos países, nomeadamente em Inglaterra, o país da democracia parlamentar. Os exemplos que o Sr. Deputado Mota Pinto deu são, precisamente, os exemplos da demagogia parlamentar eleiçoeira que poderia fazer-se se este artigo não existisse. Este artigo - chamo a atenção ainda para isso - fala em projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam directamente aumento de despesas ou diminuição de receitas. Na Constituição de 1933 não existia o advérbio «directamente», e daí uma interpretação extremamente rígida. Pelo contrário, com este advérbio «directamente» introduzido pela 5.ª Comissão será perfeitamente possível resolver problemas controversos quanto à iniciativa legislativa por parte dos Deputados. Essa iniciativa legislativa não sofrerá os impedimentos, os obstáculos que havia na Constituição de 1933. Além disso, chamo a atenção para isto: só se impede a diminuição de receitas do Estado criadas por leis anteriores. Não se impede obviamente que qualquer Deputado proponha uma alteração relativamente a uma proposta de lei que crie receitas para o Estado. No que toca ao Sr. Deputado Oliveira Dias, parece-me que a sua intervenção vem apenas confirmar a ideia que temos de que se trata de um partido de oposição e que por isso não está preocupado com equilíbrio orçamental. (O orador não reviu.) 

Risos. 

O Sr. Presidente: - Foi sugerido pelo Sr. Deputado Oliveira Dias ... Tenha a bondade, faz favor.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente: Era para fazer um pedido de esclarecimento que pode ser dirigido a qualquer dos Deputados que me precederam. Em primeiro lugar, eu queria dizer que de facto não nos passou pela cabeça a hipótese de que fosse construído um sistema para rebater a posição que tomamos, numa pretensa demagogia que se poderia fazer pela não aprovação deste artigo. É evidente que é possível fazer demagogia com isso, mas também é evidente que se pode pretender um sistema correcto que não permita demagogias, mas que não permita também cercear gravemente a nosso ver a iniciativa legislativa dos Deputados. O que eu queria perguntar era o seguinte: sendo da competência legislativa exclusiva da Assembleia o sistema de planeamento, nos termos da alínea g) do artigo 53.º e presumindo eu que qualquer novo programa de planeamento envolveu necessariamente despesas, como é que a Comissão entende que é possível tomar iniciativas referentes a esta competência legislativa exclusiva da Assembleia justamente acerca do planeamento de que falou o Sr. Deputado do Partido Socialista se for aprovado o n.º 2 do artigo em debate? (O orador não reviu.) 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes. 

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate pode ter, certamente, mais importância do que à primeira vista a gente possa pensar. Nós definimos na nossa Constituição dois aspectos que se interpenetram, mas que, de certa maneira são diferentes. Em primeiro lugar, definimos a competência global da Assembleia e, em segundo lugar, definimos a competência global das iniciativas dos Deputados. O que é que acontece na prática? Na prática acontece que no início de cada ano legislativo a Assembleia será chamada a aprovar uma lei, que dantes se chamava «lei de meios» e que se pode chamar agora outra coisa qualquer, não vem ao caso, mas que autoriza as receitas ou que autoriza as despesas. Em princípio é isto. Feita essa lei, tomada em consideração essa lei, parece que se cairia, ou que havia o risco de se cair em certo tipo de anarquia económica e financeira se se permitisse aos Srs. Deputados que pudessem tomar determinado tipo de iniciativas que fossem contra leis anteriores de receitas e despesas. E é por isso que aqui se fala, como já foi dito pelo meu camarada e amigo Emídio Serrano, no adjectivo «directamente». Mas não se fala tão-só no adjectivo «directamente», fala-se também em leis anteriores e, quando se fala em leis anteriores, pura e simplesmente está-se a consagrar o princípio anteriormente definido da prioridade da lei de planificação económica, que de certa maneira limita, e, na nessa maneira de ver, bem, a iniciativa dos Srs. Deputados. Não se trata, portanto, de uma limitação global e total da iniciativa dos Srs. Deputados; trata-se de uma limitação a essa iniciativa no quadro de leis anteriormente aprovadas o que é diferente. E, dentro desta medida, nós damos a aprovação a este normativo. (O orador não reviu.) 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alfredo de Sousa, tenha a bondade. 

O Sr. Alfredo de Sousa (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pessoalmente sou sensível a esta objecção que foi posta, relativamente a esta limitação de iniciativas da parte dos Deputados, nomeadamente, sabendo que a economia portuguesa se regerá por um plano sobre o qual os Deputados serão chamados a pronunciar-se. Creio, no entanto, que a forma como estão redigidos os diferentes artigos que dizem respeito a estas matérias, e a integração desses artigos será suficiente para lhe explicar qualquer objecção e redimir qualquer objecção. Com efeito, a alínea c) do n.º 1 do artigo 89.º da parte que já está aprovada da estrutura do plano, diz que haverá um plano anual que constitua a base fundamental da actividade do Governo, e deve integrar o Orçamento do Estado para esse período. Portanto, haverá uma aprovação do plano, ou uma feitura e aprovação do plano anual, no qual está incluído esse Orçamento do Estado. Consequentemente, sobre a parte respeitante à criação de impostos, e no que diz respeito ao Orçamento, e na criação, por exemplo, da massa salarial ou dos ritmos de aumento da massa salarial, daquilo que diz respeito ao plano. A alínea f) do artigo 50.º também consigna que compete à Assembleia aprovar as leis do plano e do Orçamento. Creio que, com a integração destes três artigos, haverá suficiente latitude de iniciativa à Assembleia dos Deputados para, em matéria de criação de impostos, de contratação de níveis de fiscalidade, suficiente latitude para que não se, sinta cerceado, mas ao mesmo tempo esteja imposta uma suficiente disciplina para que, de repente, aquilo que está programado, pelo menos em base anual, não seja fundamentalmente alterado e ponha em perigo o equilíbrio, ou os grandes equilíbrios económico-sociais. (O orador não reviu.) 

O Sr. Presidente: - Mais algum Sr. Deputado? Pausa. Sr. Deputado Mota Pinto, tenha a bondade. 

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados ... 

O Sr. Presidente: - Tomem atenção, Srs. Deputados, que há muitos Srs. Deputados que estão a olhar para o relógio com a gula do seu café. De maneira que eu espero que ainda consigamos votar este preceito antes do período do intervalo. Tenha a bondade, Sr. Deputado. 

O Orador: - Sr. Presidente: Interpreto este implícita nas palavras de V. Ex.ª no sentido de eu ser breve. 

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado! Não é por isso homem! Não é por isso! 

O Orador: - Efectivamente, vou sê-lo. Creio que, em todo o caso, valeu a pena levantar este problema e impedir que o artigo 56.º fosse aprovado de pleno, como foram alguns anteriores. E era apenas esse o sentido da minha intervenção, quando há pouco disse que me parecia que, relativamente a alguns preceitos, não estávamos sequer a equacionar as questões. Eu acho importante equacionar pelo menos as questões quando elas têm a magnitude que tem aquela que o n.º 2 do artigo 56.º visa resolver. Confesso que tenho muitas dúvidas sobre o n.º 2 do artigo 56.º E não é por estar interessado em abrir as comportas à demagogia. Creio que não me escasseia o realismo relativamente à necessidade de articulação entre os poderes do Estado. Este n.º 2 do artigo 56.º foi justificado de duas formas. A primeira foi o entender-se que ele era uma consequência forçosa da existência de um orçamento de uma legislação anterior que define a receita e a despesa do Estado. Não me parece que isto seja forçoso. Haveria muitas outras formas, inclusivamente estabelecer uma vigência, uma aplicação das leis aprovadas por iniciativa dos Deputados condicionada à possibilidade de cabimento ou de inserção orçamental ou pelo menos uma dilação da sua entrada em aplicação para o período em que tivesse que ser elaborado o novo orçamento, relativamente ao qual essas leis seriam dados a tomar em consideração. Portanto, não é forçoso dizer-se, porque há um orçamento, porque há um plano que vem de trás, os Deputados não podem ter a iniciativa a este respeito, visto que era possível compatibilizar a iniciativa dos representantes do, povo com a necessidade de ordenação, com a necessidade de uma correcta ordenação e de um planeamento mais amplo do que aquele que resultaria de um mero mosaico de iniciativas desgarradas. Em segundo lugar, fez-se referência a um aspecto importante: «Com isto pode-se travar a demagogia.» Eu aceito que isso seja efectivamente uma consequência possível deste preceito, mas eu pergunto: estamos a fazer a democracia e a instituir uma Assembleia dos Deputados já à partida com tanto medo da demagogia? O problema que se põe e o que pode, na verdade, ser prejudicial à correcta ordenação da administração é a aprovação das disposições. Mas o que está aqui em causa é uma privação de iniciativa. Sem dúvida, assim se impedem as pessoas de tomar iniciativas demagógicas. Eu pergunto se a melhor maneira de combater a demagogia será pôr uma mordaça aos demagogos. Risos. A demagogia situar-se-á apenas na Assembleia dos Deputados? Também o Governo não poderá fazer demagogia? E os partidos, fora dos parlamentos, não poderão prometer mundos e fundos? 

Pausa. 

Em suma, creio que está imediatamente presente no fundamento do n.º 2, enfim, uma concepção pessimista da natureza dos Deputados. Uma natureza que não é estendida aos políticos, enfim, enquanto não sejam parlamentares, enquanto sejam militantes dos partidos e se pronunciem nos jornais ou nos comícios e aos próprios membros do Governo. Por todas estas razões eu tenho muitas dúvidas sobre o n.º 2 do artigo 56.º, reconhecendo que dele resultaria uma ordenação mais, enfim, isenta de perturbações para a massa dos assuntos financeiros do Estado. Tenho dúvidas, todavia, se não se pretende a este respeito ordem a mais. (O orador não reviu.) 

Vozes: - Muito bem! Aplausos. 

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra. Sr. Deputado. 

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que as objecções do Deputado Mota Pinto começaram por não me impressionar. O que começou por me impressionar foi ó carácter não convincente das respostas a essas objecções

Pausa. 

Na realidade o que está aqui neste n.º 2 é que os Deputados não podem ter qualquer iniciativa que directamente aumente as despesas do Estado ou diminua as suas receitas. Quer dizer que, por si, só podem ter iniciativa que aumente as suas receitas ou diminua as despesas. O contrário, o aumento de despesas ou diminuição de receitas, só podem votá-lo desde que proposto pelo Governo. Compreende-se efectivamente, ou poder-se-á compreender, que os Deputados não possam diminuir as recitas do Estado desde que não seja acompanhado de uma diminuição de despesas, ou compreende-se que não possam iniciar ou ter uma iniciativa que aumente as despesas do Estado desde que não aumentem também as receitas. Mas pergunta-se: e naquelas iniciativas que, aumentando as despesas do Estado, contudo, criam por si mesmas receitas necessárias para cobrir essas novas despesas? Literalmente, segundo este número, estão impedidos os Deputados de as tomar, e nós não cremos que esta seja uma solução correcta só por si. Por que é que a Assembleia, por que é que os Deputados, não podem de per si criar novas despesas desde que criem as competentes receitas? Não vale isto por dizer que o n.º 2 não tenha o sentido que a 5.ª Comissão lhe quis atribuir; vale por dizer que talvez valha a pena reconsiderar estes aspectos que não terão sido tomados em conta pela 5.ª Comissão, sem prejuízo daquilo que lá está ou do principal que lá está. Assim, nós proporíamos a baixa deste número à Comissão. (O orador não reviu.) 

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado Basílio Horta. 

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente: Tinha pedido há pouco a palavra também para propor que  este artigo baixasse à Comissão. Com efeito, os argumentos não são de todo convincentes porque, como disse o Deputado Vital Moreira, há aumentos de despesas que podem ser compensados com aumentos de receitas, quer receitas directamente previstas, quer outras que resultem até indirectamente de receitas que comportem esse mesmo aumento de despesa. Por outro lado, o que acontece é que o tipo de argumentação política utilizada não nos convence de todo; nós não podemos partir para a próxima Assembleia Legislativa com uma desconfiança igual a esta que aqui foi demonstrada. Finalmente, o argumento utilizado pelo Deputado Jorge Miranda também não nos convence duplamente. Em primeiro lugar, porque nós hoje somos partido da oposição, amanhã pode o PPD ser partido da oposição, e, em segundo lugar, porque orçamento mais desequilibrado do que aquele que já está, enquanto o PPD esteve no Governo, desde o I ao VI Governo, com excepção de V, é difícil encontrar-se. (O orador não reviu:) 

Risos. 

O Sr. Presidente: - Temos uma proposta na Mesa no sentido de baixar à Comissão o n.º 2. Vai votar-se. 

Submetida à votação, foi aprovada a baixa à Comissão do n.º 2. 

O Sr. Presidente: - Podemos então votar o n.º 3. Ah! O n.º 1, peço desculpa. Vai ser lido. 

Foi lido de novo. 

O Sr. Presidente: - Vamos votar. 

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade. 

O Sr. Presidente: - O n.º 3 vai ser lido. Foi lido de novo. 

O Sr. Presidente: - Vamos votar. 

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade. 

O Sr. Presidente: - O n.º 4 vai ser lido. Foi lido de novo. 

O Sr. Presidente: - Vamos votar. 

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade. 

O Sr. Presidente: - Também está aprovado por unanimidade o intervalo até às 18 horas e 15 minutos.

2 comentários:

Lúcio Ferro disse...

A resenha que apresenta tem interesse histórico mas de todo resolve o contorcionismo presente de PR e de oposições. Não há como ignorar o óbvio, é uma questão de honestidade intelectual admitir que a promulgação é inconstitucional até ao dia em que haja um golpe de estado ou que democraticamente dois terços dos deputados votem alterações. O que as oposições ensaiaram e o PR (talvez de forma surpreendente para algumas oposições) promulgou é um precedente grave. Sério. Põe em causa, entre outras coisas, qualquer governo minoritário.

Anónimo disse...

Excelente análise. Só que naquela altura partia-se do princípio de que os deputados tinham (teriam) vontade política própria, independente das lideranças partidárias, o que não se verificou, pois são eleitos pelos partidos. O que a Constituição criou foi uma amorfa simbiótica classe política que engloba deputados/governo.
Por fim despido o Presidente de qualquer poder significativo quanto aos OEs, apenas assina de cruz, temos meio século de dívida externa imparável devido a promessas eleitorais de partidos/governo com a prestimosa colaboração de metade do eleitorado, diga-se.
Aumentos da FP com o PM Sócrates, 31 horas de trabalho (huff!), salvar bancos e entregar via governo/AR rendas obscenas via ex-ministros transmotados em administradores...e vice-versa.