quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Sensibilidade acertada


A minha linguagem não será a mais acertada. Vários colegas descreveriam melhor o impacto da pandemia na vida das pessoas e na sua relação com Deus. Falo apenas daquilo que vejo. E o que vejo todos os dias são pessoas desesperadas, ao frio e à chuva, em filas crescentes para uma refeição. Quando a minha paróquia, da Senhora da Conceição, no Marquês, no centro do Porto, criou o projecto “Porta Solidária”, estávamos vocacionados para os sem-abrigo e preparados para servir 40 refeições. No pico da última crise, em 2013, tínhamos atingido médias diárias de 300 refeições, sobretudo a sem-abrigo e reformados cujas pensões mal chegavam para pagar o quarto, a água e a luz. Desde que esta pandemia começou, logo em Março, os números dispararam para uma média de 550 refeições diárias (...) Já aparecem famílias com bebés nos carrinhos. Quem arrasta os filhos atrás de si e se expõe ao frio e à chuva para conseguir uma refeição é porque tem mesmo necessidade disso (...) Procuro dar-lhes algum apoio espiritual, que a reconciliação seja um momento de libertação, não uma sala de tortura, mas acontece-me muitas vezes no final incentivar as pessoas a procurarem ajuda técnica, e às vezes química, para conseguirem alcançar de novo a paz interior e o equilíbrio emocional. Ainda há tanto estigma em relação a isto (...) Espero que venha aí um programa estrutural de combate à pobreza, que se vai agravar ainda mais. As respostas de emergência como a nossa nem deveriam ser necessárias. Não é aceitável termos cidadãos portugueses que não têm o que comer nem casa para morar. Para a Igreja, o desafio será conseguir transmitir uma mensagem de confiança, de espírito de luta e resiliência. Estamos todos no mesmo barco e temos de ser capazes de cuidar uns aos outros.

Ruben Marques, pároco do Porto, num testemunho pungente ao Público. Excertos do que vê. Se calhar é preciso começar por ver para acabar a crer ou se calhar é preciso realmente crer nos indivíduos em  relação para se poder ver desta forma, se calhar as duas coisas são necessárias, não sei. O que sei é que é realmente preciso intervir em todos os planos da vida, do estrutural ao conjuntural. As práticas colectivas ajudam sempre a ir esclarecendo, acreditem ou não. 

Bom Natal.

2 comentários:

Tavisto disse...

Difícil comentar quando sentimos que as palavras de outro nos embargam o dizer. Podemos discordar da ideia de Cristo, mas quem não se dobra à humanidade do Nazareno?

Bom Natal

JE disse...

Isso mesmo