quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Linguagem e trabalhadores

Nenhum português gostaria de ter de estar a gerir a questão TAP. 

E muito menos o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos (PNS), que tem sido a voz à esquerda no PS, partido que tem aplicado, desde 1976, uma agenda laboral alavancada pelas instituições como o FMI, a OCDE ou a Comissão Europeia, responsável por grande parte do que está a alimentar a extrema-direita na Europa e em Portugal - precariedade, baixos salários, desigualdade social. 

Apesar disso, PNS tem sido um ministro corajoso, frontal, claro, assertivo, conhecedor dos dossiers, eficaz na sua argumentação, arcando sozinho - no PS - com a responsabilidade de desbaratar opositores à direita (sem coragem de assumir a sua vontade de fechar a transportadora nacional) ou os comentadores enviesados. Foi inigualável a pancada dada na entrevista à SIC notícias aos jornalistas José Gomes Ferreira e João Vieira Pereira, jornalistas que aplaudiram a troica em 2011 (ver caderno nº7), obrigados a resguardar-se alegando: "Isto não é um debate”. 

Fica, contudo, por debater uma questão (perigosa) para a esquerda que é a de se assumir um conjunto de argumentos que presupõe certos conceitos teóricos, os quais se sobrepõem ou colam aos usados pelo patronato para justificar a desvalorização salarial e a fragilização das relações laborais. 

A solução oficial para a TAP é apresentada no quadro de uma crise pandémica, sem que por isso disponha de apoios próprios e adequados, antes sujeitando-se - por contrapartida da injecção de capitais públicos - a uma vistoria da Direcção-Geral de Concorrência. A DGC vai querer cortar na capacidade instalada, alegadamente para não desvirtuar a concorrência europeia, mas que na realidade servirá uma concentração europeia no sector. 
Ao mesmo tempo, o Governo - pela voz de PNS - alega que a TAP tem “um conjunto de ineficiências” que a tornam “menos competitiva face aos seus concorrentes directos (as companhias de bandeira)", que decorrem dos acordos colectivos de empresa que - apesar de terem sido “vitórias dos trabalhadores da TAP” – “tornam mais difícil o ajustamento que temos de fazer agora”. Apesar de ser assumido que a responsabilidade da situação da TAP não é dos trabalhadores, “os custos laborais que a empresa enfrenta são um peso na TAP que tornam difícil a sua recuperação e a sua capacidade de competição, de concorrência no resto da Europa”, porque “tornam a TAP menos produtiva". Isto é, a TAP usa "mais trabalhadores e mais pilotos para produzir o mesmo trabalho que os nossos concorrentes”. Face à redução da actividade e face a esses custos acrescidos, a TAP tem de fazer aquilo que vão fazer as companhias concorrentes – cortar fortemente a massa salarial, seja por cortes salariais ou despedimentos. 
Ao reduzir de 108 para 88 aviões, a TAP terá de reduzir 2 mil postos de trabalho (que "não são necessários"), reduzir salários para não despedir mais mil trabalhadores, suspender os acordos colectivos de empresa – “a suspensão dos acordos de empresa é uma ferramenta fundamental para que possamos proceder a redução da massa salarial” - de forma a aumentar horas de voo e reduzir tempos de descanso, para que se consiga um novo “patamar de maior competitividade para que possa crescer e voltar a recuperar algum emprego que neste momento infelizmente não é possível manter”, o qual, quando voltar entrar, será com salários mais baixos. 

Esta reestruturação permite a "flexibilidade necessária" para a empresa poder aproveitar a recuperação do mercado e,  assim, salvar a empresa. 

Estas medidas irão gerar uma "poupança" acumulada de 1,4 mil milhões de euros até 2025. E, ou se obtém estes "ganhos de competitividade" ou então "todos os portugueses" terão de injectar esses 1,4 mil milhões dinheiro na TAP, além dos 3,7 mil milhões já previstos até 2024. Por outras palavras, ou há reestruturação ou pagam os contribuintes.

A acumulação destes argumentos/conceitos é particularmente flagrante quando PNS tem sido o militante socialista que tem feito uma pedagogia ideológica. Há quase 10 anos, lembrava como o PS tinha escorregado para uma deriva de direita ao aceitar todos os seus conceitos. Em Junho passado, PNS dizia: “Há um combate que temos ainda de travar e que está longe de estar ganho: é o combate da linguagem, das palavras que foram tomadas pela direita” (1'15).

Ouvir Pedro Nuno Santos – como se ouviu na passada 6ª feira em conferência de imprensa - causa, por isso, duplamente um arrepio na coluna, ao imaginar como a direita poderá capturar o discurso daquele que é a esperança laboral do PS, para subverter esse mesmo discurso, em todas as situações relacionadas com o tecido empresarial ou - como foi já tentado na entrevista à SIC Notícias por parte dos jornalistas - em toda a economia. 

11 comentários:

Jaime Santos disse...

Pedro Nuno Santos reconhece algo que as pessoas mais à Esquerda não são capazes de reconhecer, que a TAP funciona num mercado concorrencial, aliás se essa coisa do turismo de massas, próprio de uma sociedade capitalista, não existisse, a TAP não serviria para nada com o tamanho que tem.

Ou não é a Esquerda que ressalva a importância da procura no crescimento da Economia? Crescimento a prazo insustentável do ponto de vista dos recursos, note-se. Não se pode querer ter sol na eira e chuva no nabal, João Ramos de Almeida.

Ignorar isto e vir dizer que cabe ao Estado salvaguardar todos os empregos e salários, implica dizer que o erário público deve suportar uma empresa não rentável, ad eternum, se for preciso. Sabemos bem o que aconteceu à URSS quando tentou fazê-lo em larga escala, faliu de alto a baixo. Um Estado que não dispõe de uma Economia que gere lucros mostra-se incapaz de cobrar impostos, restando-lhe a armadilha da dívida.

Imprimir dinheiro pode resultar para quem tem 'uma moeda de referência', mas para um Estado pequeno e aberto como Portugal, estaria fora de questão. Andamos o sec. XX todo a pagar a nossa falência do final do sec. XIX, é bom que se lembrem disto.

Por isso, aqueles que defendem políticas anti-capitalistas são de facto os maiores inimigos do Estado Social, até porque se mostraram sempre incapazes de providenciar um modelo alternativo sustentável em todos os aspetos, seja na rentabilidade, seja na eficiência, seja na própria sustentabilidade ambiental.

E, na falta dele, socorrem-se de velhos preconceitos ideológicos e da vulgata 'Os Ricos que paguem a crise'...

Aliás, Pedro Nuno Santos, filho de um empresário, já declarou o seu apoio à iniciativa privada e elogiou a postura de Humberto Pedrosa...

Por isso, se o que ele diz provoca calafrios à Esquerda, ótimo...

João Ramos de Almeida disse...

Caro Jaime,

Haveria várias possibilidades de analisar a questão TAP.

A primeira, era dizer: "Portugal não pode assentar a sua estratégia sobretudo no turismo e, portanto, o papel da TAP deve ser redimensionado". Uma abordagem, aliás, que somaria a outra que é: "É preciso ter menos aviões no ar por questoes ambientais". E isso implicaria uma reestruração preparada e faseada para uma outra realidade pensada por portugueses.

Outra possibilidade de enfoque era: "Não, nós queremos manter a estratégia assente no turismo e, portanto, temos um problema conjuntural motivado por uma causa que nada tem a ver com a TAP". E nesse caso, a melhor forma seria - não ser a TAP apagar o ajustamento - mas o Estado encontrar meios de financiamento de um plano de ajustamento, com a participação sindical, de ver como era possível reduzir ao máximo os custos sem fazer delapidar o "capital humano" porque "mão-de-obra" qualificada é algo de essencial e não será a pagar uns cobres salariais, depois da crise ao pessoal que vier a entrar, que se vai melhor o desempenho da companhia. Um plano que salvaguardasse o vinculo dos trabalhadores à empresa para que pudessem voltar noutra altura. Um plano que colocasse os sindicatos no centro da decisão e não os afastasse, só porque geralmente costumam ser críticos - embora pragmáticos - a planos de redução de dimensão...

Sobre as formas de financiamento, talvez fosse de ter em atenção o debate que se está a fazer nos Estados unidos (veja o post do Vicente Ferreira).

Agora, tudo menos aceitar um plano de downsizing (e uso o conceito dos anos 80/90),em plena crise económica, que corre o risco de fazer parte de uma estratégia de concentração a nível europeu. Tudo menos não discutir outras possibilidades alternativas, mesmo que pudessem sair do quadro institucional europeu. Porque é dessa visão larga que pode mostrar-se que esse actual quadro institucional nos tolhe os actos e a soberania e o desenvolvimento.

E não são os militantes anti-capitalistas que se mostram incapazes de encontrar uma alternativa credível. Esses até basta-lhes alegar a utopia galvanizadora. Agora, o actual status-quo bruxelense é a melhor prova de que se vive um colete de forças depessivo, que beneficia apenas alguns de alguns países, e - como numa organização criminosa - pode entrar-se, mas nunca sair de pé.

E, por fim, tudo menos usar conceitos com uma pesada carga ideológica (supostamente técnica) porque geralmente quando são usados visam precisamente isso mesmo: concretizar uma ideia política através da alicação de uma dada "técnica".

E finalmente, o exemplo da URSS e dos países do Leste Europeu tem de facto muitas costas largas. E serve para tudo. Sem o querer ofender, lembro que era usado pelo Estado Novo, pela Legião, pela PIDE (como polícia ideológica), para explicar que a fome na URSS não era alternativa à fome que se vivia em Portugal sob Salazar. A fome na URSS poderia ter sido evitada sem pôr em causa o novo regime. Não caiamos, pois, nesse extremo também. Porque há sempre alternativas que nem têm de passar pela extinção da propriedade privada: apenas um melhor uso dos instrumentos económicos. E uma nova visão global para o país que não este afunilado caminho onde apenas vão passando os cada vez mais magros...

Anónimo disse...

"Agora, o actual status-quo bruxelense é a melhor prova de que se vive um colete de forças depressivo, que beneficia apenas alguns de alguns países, e - como numa organização criminosa - pode entrar-se, mas nunca sair de pé."
Felizmente PNS já demonstrou que não hesitará em fazer "tremer as pernas" ao status-quo bruxelense.

Mudando de assunto. E os comboios portugueses provenientes da grande fábrica de PNS, quando vão circular?

Anónimo disse...

Que tretas
Este Jaime Santos deve arrepanhar os cabelos com os TINA que já não são bem do TINA

Anónimo disse...

Jaime Santos a repetir o TINA dos inimigos do estado social
Não tem emenda. Os convertidos são os piores de todos Às grilhetas dos amigos do Jaime Santos

Anónimo disse...

A análise de JRA está correta mas é preciso ir mais fundo. A questão levantada no post não é apenas a questão da linguagem usada por PNS.
O que o discurso de PNS revelou é que a TAP devia ser privada precisamente porque para a gerir é necessário adotar estratégias típicas da gestão privada dado o contexto de mercado em que opera. Excetuando a questão da continuidade territorial dos Açores e Madeira (uma questão que tem de ser acautelada pelo Estado), o transporte aéreo exibe todas as características de um mercado onde já participam muitos operadores privado. Ao contrário, por exemplo, de uma REN ou IP que essas sim, deviam ser totalmente públicas.
Fica também a ideia de que PNS está a aproveitar para revelar as suas competências de gestão privada. Quem sabe para garantir, no próximo ciclo, um lugar na administração da TAP ou da futura fábrica de comboios que está (?) a criar. PNS está acrescer!

Anónimo disse...

Fica-se também com a ideia que este sujeito quer a privatização da TAP. E mete umas pelas outras, está a crescer mas não esconde os seus desígnios privatizadores
Algum lá na Holanda está interessado no negócio e já o convidou para a administração ?

Anónimo disse...

Subscrevo tudo o que PNS disse. E o caro anónimo?

João Ramos de Almeida disse...

Caro anónimo das 11:51

A opinião e as previsões são livres. Mas era conveniente - digo eu - tentarmos discutir as ideias mais do que as pessoas. Ou as pessoas também, mas diante de factos. Para já, nada - bem pelo contrário - me leva acreditar ser esse o perfil de PNS.

Anónimo disse...

Caro JRA, desculpe intrometer-me na conversa (não sou o das 11:51) mas PNS é um político e como tal o seu comportamento merece escrutínio público, incluindo o seu "plano de progressão na carreira" (PNS já deixou bem claro que pretende suceder a AC, por exemplo). E não seria o primeiro a passar do governo para a administração de uma empresa. PNS não se está a limitar a gerir politicamente o seu ministério: vai criar uma empresa (comboios), e está efetivamente a gerir a TAP. E não se pode negar que a linguagem que emprega e os argumentos que apresenta para defender o plano TAP em nada se distinguem de um qualquer gestor privado. Em nada. Daí a dúvida: quem é afinal PNS? O que fazia tremer as pernas aos banqueiros alemães ou o que justifica o plano "ultraliberal" da TAP? Claro que entretanto passaram 10 anos e todos sabemos que os devaneios de juventude tendem a dar lugar ao realismo ...

Anónimo disse...

Há dois tipos de factos: o que PNS diz (qualquer coisa de esquerda) e o que vai fazer (despedimentos, redução de salários e suspensão de acordos coletivos). Ações falam mais alto que palavras.