domingo, 20 de dezembro de 2020

Cavaquices


O título e a foto foram roubados a Vítor Dias. Quem tenha lido o último livro de Cavaco Silva e a sua desmontagem por João Ramos de Almeida no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Dezembro, terá aprendido que só os seus governos encarnaram o que designa por social-democracia moderna e que surpreendentemente Olof Palme é uma das duas grandes referências social-democratas (a outra é Sá Carneiro, claro). 

Olof Palme, o que chegou a considerar a CEE sinónimo de quatro c - conservadora, capitalista, colonialista e clerical - (citado pelo historiador Bernard Moss), é certamente a antítese da tradição euro-liberal de Cavaco. Qualquer social-democrata a sério só pode repudiar a convergência com a extrema-direita, isto para não falar dos elogios a Salazar já feitos pelo próprio Cavaco, como lembrou Ramos de Almeida. Já agora, a social-democracia sueca foi consequentemente favorável aos movimentos nacionalistas, em luta contra o colonialismo salazarista. 

É épica a falta de respeito do grande promotor da neoliberalização da economia política nacional pelos leitores, pela verdade histórica. E por falar em falta de respeito pela verdade: Passos Coelho, o líder da poderosa JSD nos tempos de Cavaco, está de regresso. Um susto, realmente, sobretudo quando se sabe da reacção favorável de Ventura, um dos seus subprodutos mais tóxicos. Está tudo ligado, realmente.

Entretanto, e ainda no quadro das culturas das direitas, a ascensão da iniciativa liberal confirma que certa esquerda precisa urgentemente de superar o complexo liberal que a mina desde o cavaquismo e que inclina, com a imprescindível ajuda do resiliente império liberal que dá pelo nome de UE, o plano na direcção das políticas das direitas, por muito que alguns insistam em iludir-se. 

Tudo começa nos nomes: a nossa democracia não é liberal, palavra que de resto nem aparece na Constituição, ao contrário de socialismo. A nossa democracia, dadas as suas origens sadiamente revolucionárias, superou, com o que isto implica de ter retido o que houve de meritório nessa tradição, o liberalismo. Qualquer liberal consequente só pode rejeitar a ordem constitucional saída de 1976. E daí que o projecto, ainda não totalmente vitorioso, de expurgar a Constituição das suas origens antifascistas e socialistas, em sentido amplo, tenha feito parte da reconstrução desse ideário em Portugal, sob a forma neoliberal que é hoje a sua. Uma doutrina, qualquer uma, identifica-se em primeiro lugar por aquilo a que se opõe. Em Portugal não foi diferente.

Esta ronda pelas direitas não ficaria completa sem uma nota sobre o líder de um cadáver político adiado, o CDS: apoiou ontem convictamente no Público Marcelo Rebelo de Sousa, o candidato anti-socialista, como bem o definiu. É realmente trágico ver autodenominados socialistas a apoiar o candidato de todas as CUF, do que Rodrigues dos Santos chama de economia social de mercado, nome de código fácil de deslindar para o patrocínio à entrada do capital nas áreas do Estado social, tendo ainda o topete de se declarar contra experimentalismos sociais.

Que mais não seja numa lógica de puro poder, estes socialistas com tantas aspas terão amplas oportunidades para arrependimentos tardios no caso de Marcelo conquistar um segundo mandato. Conhecem a história do escorpião e do sapo? A travessia poderá ir a meio. E a natureza dele é clara e ninguém a capta melhor do que João Ramos de Almeida: da polícia nacional aos ataques ao SNS, passando pelos reveladores pés de dançarino. Riam, riam, que depois choram.

E já que alguns estão mais próximos ideologicamente da sua economia política do que doutra coisa qualquer, aconselho a que falem com Cavaco sobre o segundo mandato de um presidente republicano, socialista e laico que ele apoiou no início dos anos noventa. Aprende-se, olhando para todos os lados. A história é novidade, mas também é recorrência.

14 comentários:

Jose disse...

O que se entenda por social-democracia está eivado do que de contraditório há na exploração dos seus termos.
O social introduz a extensão socialista.
A democracia logo sugere a igualdade que no socialismo significa comum subordinação a um Estado totalitário.

É assim a social-democracia o terreno onde se abrigam os que nem se querem socialistas nem liberais e consequentemente todo o rebotalho ideológico aí encontra terreno de jogos oportunistas, e por tal moldados a conveniências.
Mas é sobretudo o abrigo de covardes em que uns se temem de que os denominem de direita, como se esta fosse necessariamente não social e não democrática, outros se temem de ser designados de comunas e por tal totalitários.

Bem-vindos os tempos de esquerda/direita que a geringonça tão oportunamente introduziu!

Anónimo disse...

A foto é um achado

Anónimo disse...

Joker-blog
Quem disse a frase seguinte, em 20/9/2016: "Os Portugueses podem confiar no BES, dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa."?
A: Jacinto Leite Capelo Rego
B: Daffy Duck
C: Cavaco Silva
D: Shrek

E a sua resposta está... incorreta. Não foi o Shrek, não senhor.

JE disse...

Não é só a foto que é um achado, embora concorde inteiramente com essa qualificação

Este é mesmo outro precioso texto

Que deixe sem pio jose sobre a cavacal personagem não é de estranhar, dada a teia de relações complexas entre um e outro. Desde o apoio de jose à condecoração por Cavaco a dois pides, até ao amuo por este não ter tido a coragem ( que remédio, que remédio) de não
nomear Costa para primeiro-ministro, jose terçou todavia demasiadas vezes armas por este traste.
Traste que mistura a pusilanimidade com o espírito vingativo abjecto, a fazer lembrar alguns bufos de antigamente. E que não se coíbe de mentir tão descaradamente que mesmo um seu defensor eleitoral se tem que calar perante a idiotice ousada de nomear Olof Palme como sua referência. Ignorância, estupidez, tacanhez, desonestidade, manipulação, reescritor da História e da sua própria estoriazinha, feita de actos de vilania e de posições bafientas a fazer lembrar outros trastes

Jaime Santos disse...

Por acaso, se há coisa que a nossa democracia não é, é socialista, João Rodrigues, se por socialismo entendermos o socialismo real que você continua a apoiar, de forma velada, mas evidente.

Afinal, lamenta o fim da URSS e canta loas a regimes ditatoriais, como Cuba, a China ou o Vietname, que nem sequer são ainda socialistas, promovem antes um capitalismo de Estado que deve fazer Marx e Engels darem voltas no túmulo. A mesma coisa para Angola, aliás.

E, já agora, a nossa CRP também defende o princípio do primado da Lei, quando diz que a soberania, que reside no Povo, é exercida pelos seus representantes de acordo com a dita Constituição (a Lei é que é soberana). Tudo princípios que um liberal a sério aprovaria.

Keynes era um liberal e Beveridge também, recorda-se?

É fácil malhar no liberalismo quando os seus exemplos de liberais são iliberais como Passos Coelho ou Cavaco Silva, que do liberalismo só retiveram a defesa da iniciativa privada. Ou melhor, de facto o que defendem é uma economia rentista. A IL também não anda longe disso. Já o CDS, infelizmente, já não conta, a mostrar que a Democracia-Cristã morreu também entre nós.

Nada aliás que a Esquerda não defenda quando diz que o Estado deve proteger todos os empregos na TAP mesmo que isso implique fazer nela o mesmo que se faz no NB (sendo que o seu salvamento é provavelmente essencial para a Economia, coisa que o da TAP não é).

Os beneficiários podem ser outros e mais merecedores, o resultado final é mais ou menos o mesmo, a falência do Estado, e as troikas (ou o FMI), porque, como se sabe, a prazo esse é o resultado da política de 'os ricos que paguem a crise'. Foi assim depois da 'Economia de Abril', não se lembra?

E é assim em Angola depois da rapinagem de Eduardo dos Santos e até na socialista Venezuela, Maduro teve que vender dívida ao Goldman Sachs em condições leoninas em 2017, que os venezuelanos terão que pagar no futuro.

Se esta é a soberania que defende, tragam-me já as grilhetas de Bruxelas...

A Esquerda que sempre combateu a social-democracia não pode vir agora chorar lágrimas de crocodilo por ela...

Por último, uma provocação. Se concorda com as palavras que Palme poderá ou não ter dito, o que anda a fazer a postar os votos de Boas Festas pela Páscoa?

Cristianismo e Socialismo Real são como a água e o azeite, não se misturam...

Paulo Marques disse...

O Jose, que acha que ter que usar cinto de segurança é totalitário e que Salazar não era, e que jura que a sociedade não existe, quer dar lições de política como se soubesse ler e escrever. Cresce e vai estudar, pá.

Zingarelho disse...

Porque é que o povo, esse mirífico ser das esquerdas, lhe deu as maiorias absolutas? E porque não o conseguiu o Louçã e restantes criaturas das esquerdas eivadas de certezas( à posteriori, quase sempre) e infalibilidade ideológica nunca comprovada em lado nenhum? Já agora, já reparam que se removerem o capitalismo de vocês, vocês ficam nús? Chatice, mas é verdade.

E qual de vocês sabia da real situação do BES? E do que aí vinha? Nenhum, mas o cavaco que reproduziu o que o BdP lhe disse é que é mau.

Porque vocês não admitem que a vossa ideologia perdeu em toda a linha? O Arnaldo, que era um duro deixou-o bem claro.

JE disse...

Temos direito à fuga de jose para a sua peculiar erudição histórico-filosófica, em que as definições de social-democracia variam de acordo com os objectivos políticos imediatos de jose:

Jose em diferentes fases das suas teses. Na primeira pessoa:

"Social-democracia é capitalismo, que pode ir do moderado ao amordaçado".

"A social-democracia herdou dos socialistas (os que querem o fim da propriedade privada dos meios de produção) uma tralha ideológica que os faz paladinos do proletariado e gestores da economia capitalista"

"Quanto à social-democracia basta que se saiba que foi criada forçando a partilha mas sem ameaçar a propriedade, exigindo mais mas partilhando responsabilidades, requerendo e prestando rigor profissional"

"É assim a social-democracia o terreno onde se abrigam os que nem se querem socialistas nem liberais e consequentemente todo o rebotalho ideológico "

Jose mem sequer cumpre com os mínimos do rigor histórico. Compete com Cavaco com estas atoardas

Um verdadeiro treteiro.

(Porque de "nomenclaturas percebe jose.

Mais uma vez ao vivo e na primeira pessoa, nos tempos daquele sinistro passos coelho, onde jose pensava que era possível tudo:

"Nazi, fascista, salazarento,...
Tomo-os por elogios quando vindos da canalha que defende trabalhadores de 1ª e de 2ª sendo que os de 2ª têm que sustentar os de 1ª!!!!
Cambada de cabrões a defender a nomenclatura a que pertencem ou a que aspiram!!!!"

JE disse...

Porque a reescrita da história é algo comum entre Cavaco e Jose.

O homem que gosta de se apresentar acima dos partidos, embora tenha presidido ao seu, e até da “política”, como se não fosse um dos que mais dela tenha vivido - PM entre 1985 e 1995 e PR desde 2006-2016, teve ficha na PIDE. Não pelas razões de que muitos se orgulham mas porque, para ter acesso, para efeitos de investigação académica, a documentos "classificados" teve de ser sujeito a aprovação da PIDE e respondeu a um questionário: "Estou integrado no actual regime" e "Não exerço qualquer actividade política".

Mas não se ficou por aqui, e, no espaço destinado a "observações", portanto opcional, o actual Presidente escreveu: "O sogro casou em segundas núpcias com Maria Mendes Vieira, com quem reside e com quem o declarante não priva." ... O homem que não fazia política a politizar a intimidade. Uma espécie de bufo dos bons costumes matrimoniais. Por opção própria.

Foi longe Cavaco Silva.

Anónimo disse...

Por favor alguém dê as grilhetas ao Jaime Santos
Não há pior que um convertido fanático. Ao neoliberalismo

Paulo Marques disse...

JS vem falar de economias rentistas, e esquece-se do umbigo, mandatado pela desunião que tanto gosta que nunca foi, e nunca será, outra coisa. E pior, manda também que as rendas, em moeda importada, sejam cada vez mais para fora do país.
Pois os pobres que paguem outra crise que não causarem nem beneficiaram, que era mau era que não fosse assim.

JE disse...

JS e o disco

Riscado. Como sempre

Lê-se o que João Ramos de Almeida postou sobre o "social-democrata" Cavaco e encontramos autênticos pedaços da prosa de JS arrancados da boca do ex-presidente

Lêem-se as referências às voltas no túmulo de Marx e de Engels e ficamos consternados com tanta hipocrisia da parte dum que fica com tremuras quando é confrontado com o marxismo.

Lê-se a alma sensível que JS revela pelo NB em contraponto à TAP e ficamos ainda assim espantados pelo rancor que este JS tem ao que chama de "economia de Abril"

Lêem-se os habituais exercícios de JS sobre Cuba e China e o Vietnam, mais Angola e Venezuela e ficamos convencidos que este tipo é afinal um tipo desonesto, a agitar no mesmo saco todas as suas frustrações de neoliberal irritado, por não lhe seguirem as novas vestes com que agora se reveste.

Lêem-se as lágrimas de crocodilo pela Venezuela mais o FMI e ficamos divertidos com a enorme lata de falar no seu amado FMI, com quem os seus amigos andaram por aí a negociar e nós todos a pagar

Tragam-lhe por favor as suas grilhetas que ele não pode passar sem elas. Coisas assim para o abjecto,e certo, mas que fazer?

Ele não pode mesmo passar sem elas

JE disse...

Há mais?

Há.

Olof Palme, o que chegou a considerar a CEE sinónimo de quatro c -

Conservadora
Capitalista
Colonialista
Clerical

Olof Palme, um social-democrata. Citado por Cavaco ( mal citado) mas oculto por JS detrás das suas grilhetas

Olof Palme que descreve o ai Jesus de JS ( para além das grilhetas) como Conservadora, como Capitalista, como Colonialista, como Clerical

Olof Palme que dá uma bofetada de todo o tamanho na hipocrisia ideológica agora assumida por JS ( JS e as grilhetas melhor dizendo) e a que JS não pode responder nem com a China, nem com o Vietnam, nem com o PC , nem com a URSS,nem com o seus demónios todos, que o acompanham lá onde se sente bem

E como foge JS com o confronto de quem assim "esbofeteia" quem se bandeou para os braços dos vencedores?

Com esta coisa risível:
"Se concorda com as palavras que Palme poderá ou não ter dito, o que anda a fazer a postar os votos de Boas Festas pela Páscoa?"

Qual a incongruência entre não ser clerical ( de clérigo) e ser crente?
Qual a incongruência entre não ser crente e desejar votos de Boa Páscoa?
Qual a incongruência entre ser o que se quiser e desejar Boa Páscoa?
Qual a incongruência entre saber que há várias Páscoas ( mesmo as pagãs ) e mesmo assim se desejar Boa Páscoa?
Qual a incongruÊncia entre ser uma pessoa de bem e mesmo assim se saudar com Boas Festas

Que sabor a mediocridade e a mesquinhez e a ignorância este, que se desprende deste adorador de grilhetas.

Anónimo disse...

Pingarelho , o prof Cavaco, as maiorias absolutas e os negócios sujos, também no BES
Não foi só a ideologia neoliberal que perdeu em toda a linha. Também os seus amigos estão a sair do sério. Aqui é na Holanda