sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Sob o manto diáfono do populismo

«Nos últimos anos, várias pessoas na redacção do Notícias ao Minuto levantaram grandes dúvidas sobre a pertinência das notícias sobre André Ventura, uma figura que recebia um nível de atenção extraordinariamente superior ao papel que desempenhava na política portuguesa. (...) Mesmo antes de ser deputado, Ventura já contava com a insistente atenção de Patrícia Martins Carvalho, a jornalista que, segundo as contas da equipa da página Os truques da imprensa portuguesa, publicou mais de 100 notícias relacionadas com o líder do Chega. (...) O percurso de Patrícia Martins Carvalho é especialmente interessante devido ao facto de que ela alternou entre as funções exercidas no grupo do Correio da Manhã (que serviu de incubadora a André Ventura) e no Notícias ao Minuto. (...) Podemos até dar o benefício da dúvida e acreditar que isto é apenas uma mera coincidência, mas, dado o facto de que a jornalista passou directamente para os quadros do Chega, isso parece francamente ingénuo. Recordamos que André Ventura declara frequentemente que entrou para a política para combater a corrupção e os "tachos", alega que é "anti-sistema" e que enfrenta "os poderes instalados"» (Uma Página Numa Rede Social).

Em entrevista recente, Paulo Pena sublinhava os mecanismos associados à ascensão de notoriedade de figuras que, de outro modo, não se destacariam no espaço público. Para lá das situações de «infiltração» nas redações (que sugerem por vezes a conivência ou mesmo intencionalidade das respetivas direções), há todo o universo das redes sociais, onde pequenos grupos conseguem disseminar desinformação com grande eficácia, num negócio digitalmente vantajoso e associado, em vários casos, a projetos políticos. Como refere Paulo Pena, «não é uma coincidência tenebrosa a forma como foram eleitos Donald Trump, Bolsonaro, Boris Johnson, Duterte ou o presidente da Índia», nem o crescimento, em simultâneo, de vários partidos de extrema-direita na Europa.

Se tudo isto é muito certo (e mais ainda a dificuldade de encontrar formas de lidar com estes processos de mediação), a verdade é que importa não esquecer o mal-estar social que alimenta a adesão aos populismos e aos discursos do ódio. Ou seja, o papel das políticas e do quadro de orientações políticas que, desde logo à escala europeia, permitam esvaziar a insatisfação e a revolta, invertendo a trajetória de degradação generalizada das condições de vida, com perda de rendimentos do trabalho, agravamento das desigualdades e aumento da pobreza e do risco de pobreza.

10 comentários:

João Pimentel Ferreira disse...

Como se o PCP ou BE não tivessem também os seus arautos nas diversas redações dos jornais nacionais.

Jaime Santos disse...

Eu tenho um problema com a deposição das culpas pela ascensão do populismo de Extrema-Direita exclusivamente à porta da degradação das condições sociais. É que se assim fosse, como já disse aqui vezes sem conta, os Partidos de Esquerda que defendem agendas pró-sociais e de expansão da Economia sem se preocuparem muito com o controle do deficit e da dívida, teriam sido os primeiros a beneficiar da crise do Centro Político, primeiro da social-democracia e a agora da ex-democracia-cristã. Ora, isso não acontece.

A Esquerda tem que assumir que existe um elemento de rejeição do outro na atitude de parte do eleitorado (que é amplificada pela instabilidade social) e tem que o combater. Defender um qualquer nacionalismo 'progressista' que forçosamente levará a fronteiras fechadas às mercadorias e às pessoas não resultará porque, como disse Ventura, entre o original e a cópia as pessoas preferem sempre o original.

A primeira atitude responsável é aceitar a complexidade dos problemas existentes e das soluções necessárias. E trabalhar em conjunto em lugar de dar a imagem de divisão a que assistimos na Grã-Bretanha, nos EUA agora nas primárias e no Parlamento Português esta semana (com o PCP a mostrar que Jerónimo de Sousa percebe mais de política a dormir que todo o BE bem acordado)...

Rão Arques disse...

Na pior das hipóteses, um igual entre pares.

Anónimo disse...

"É que se assim fosse, como já disse aqui vezes sem conta, os Partidos de Esquerda que defendem agendas pró-sociais e de expansão da Economia sem se preocuparem muito com o controle do deficit e da dívida, teriam sido os primeiros a beneficiar da crise do Centro Político"

Por acaso Jaime Santos diz isso mas como de costume está errado.

"The proof is in the pudding", que é como quem diz, a prova está no sabor. É que o campo de jogos não está nivelado. O controle dos meios de propaganda mais eficientes está do lado da direita. E apesar disso, quando a esquerda consegue por um esforço de mobilização criar uma solução política moderada e funcional, a direita perde os escrúpulos e alia-se à extrema-direita. Foi assim no passado e continua a ser assim no presente.

Se a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa, parece que as lições da Republica de Weimar não foram bem assimiladas na Alemanha.

Foquem a vossa atenção no que se passa no estado alemão da Turíngia.
Para compreenderem melhor, leiam estes dois artigos da Brave New Europe, um de Heiner Flassbeck e o outro de Mathew D. Rose.

https://braveneweurope.com/heiner-flassbeck-germany-politics-as-farce

https://braveneweurope.com/mathew-d-rose-germanys-thuringia-putsch-reveals-the-eus-political-future

Escrúpulos? Não me façam rir!
Mais uma vez se confirma que a direita "dos negócios" não tem quaisquer escrúpulos democráticos.

Anónimo disse...

Quanto às "... fronteiras fechadas às mercadorias e às pessoas", o surto do coronavirus está a encarregar-se de demonstrar que as cadeias de aprovisionamento demasiado extensas representam uma fragilidade perigosa e sobretudo cara em caso de imprevistos.
Já tinha havido um aviso aquando da crise de Fukushima, mas agora a fragilidade do globalismo torna-se mais evidente.

https://www.zerohedge.com/markets/supply-chain-shock-heres-most-exposed-sp500-industries-china

Por exemplo 30% dos componentes usados na indústria automóvel vêm da China. A produção não pode ser relocalizada a curto prazo e não há redundancia de produtores. Logo... Se não há peças, não há carros!

Anónimo disse...

Para mim é um mistério por que é que este Jaime Santos insiste em vir demonstrar a sua ignorância e pobreza de raciocínio, como se pode demonstrar até com exemplos do mundo dos negócios e sem recorrer a argumentos ideológicamente conotados com a esquerda.

Jose disse...

Pois não é que a direita se decidiu a trilhar os caminhos de há muito desbravados pela esquerda!
Numa antecipação desse movimento, nos idos do PREC conheci um tipo que se dizia fascista-leninista.

Paulo Rodrigues disse...

Os media corporativos (que parecem ser todos, incluindo aqueles pagos pelo erário público) desempenham a função de manter a hipnose coletiva, para que todos continuemos a ouvir falar de reformas, sem pestanejar, sem que ninguém pergunte quais sejam essas reformas (a maior parte dos artolas que falam das reformas nem sequer faz a mínima ideia de quais sejam e os que sabem, não podem dizer).
Este episódio é apenas um de muitos, mas não nos podemos esquecer das responsabilidades da esquerda nesta deriva à direita de muitas democracias.
Primeiro, os partidos ditos socialistas, que apelam ao voto das classes baixa e média, mas que, depois de atingido o poder, passam a ser liberais ou até neoliberais e traem grande parte dos que confiaram neles (e que acrescentarão aos números da abstenção nas eleições seguintes).
Em segundo lugar, os verdadeiros partidos de esquerda, que dão prioridade às causas identitárias e que relegam para segundo plano O PROBLEMA FUNDAMENTAL, que verdadeiramente aflige o eleitorado: o pilim.
Por exemplo, o problema do "racismo" é, em grande parte, uma ficção criada para impor um ponto de vista, o que colide com o senso comum das classes baixas e média. NINGUÉM da classe baixa ou média partilha da opinião que as etnias são minorias discriminados; é mais fácil associar as etnias ao tráfico de droga, por exemplo, do que ao racismo e muitos até acham que o racismo funciona ao contrário.
O mesmo se passa com o dito racismo em relação à população Africana.
Existe racismo, sim senhor e dos dois lados, mas pretender fazer uma bandeira de todos os casos, é estúpido.
Muita desta agitação tem origem na rejeição colonialista dos anos 1960, quando Amílcar Cabral e outros "assimilados" faziam da agitação uma arma revolucionária.
A constante acusação de racismo aos Portugueses são ecos dessa época.
Mas a descolonização foi feita e os Países libertados foram recolonizados pelos americanos/FMI.
As elites Africanas foram incapazes de dar uma vida melhor às populações, do que aquela que viviam sob o jugo do "horrível" colono.
Muitas dessas elites construíram cleptocracias, que roubam tudo o que os países libertados produzem.
E o que os nossos "amigos" fazem?
Não se insurgem contra os tiranos, não se vão manifestar para a porta do FMI.
Para eles, continua a ser Portugal o opressor.

Nuno Serra disse...

Quando diz «Como se o PCP ou BE não tivessem também os seus arautos nas diversas redações dos jornais nacionais», o João Pimentel Ferreira não estar a sugerir qualquer comparação entre uma coisa e outra, pois não? Ou seja, não está a sugerir que a enxurrada de «notícias» (mais de 100 em poucos meses) sobre o André Ventura, num só «jornal» e por uma só «jornalista» seja coisa que se compare aos arautos do BE e PC (sic) nas redações de vários jornais. Pois não?

Anónimo disse...

A história se encarregará de enterrar os passadismos globalistas do Sr Jaime Santos e a irrelevância de "enfant terrible" de Ventura.

Não vale a pena precipitarem-se para as lojas chinesas para aproveitarem a comprar as bugigangas enquanto duram os stocks, mas o coronavirus está a revelar-se mais um prego no caixão do globalismo.

https://www.zerohedge.com/geopolitical/covid-19-contagion-unprecedented-moment-our-hyper-connected-planet

Como acima referimos, a hiper-globalisação ao fazer uso de cadeias de aprovisionamento longas e não-redundantes para maximizar o lucro, comporta uma enooorme fragilidade. A China está perante um dilema terrível: Ou contém o virus paralisando a economia com quarentenas e cordões sanitários ou desiste de conter a epidemia e aceita as perdas de vidas e salva a sua economia.

https://www.zerohedge.com/economics/china-disintegrating-steel-demand-property-sales-traffic-all-approaching-zero

Só que as consequências das quarentenas não ficam contidas dentro das fronteiras nacionais chinesas. Graças à hiper-globalização o choque propaga-se a todo o tecido económico que dependa da China como comprador de matérias primas (petróleo, cobre, minério de ferro), ou como comprador de produtos manufacturados (carros alemães), ou como fornecedor de componentes e produtos manufacturados (como no caso referido acima da indústria automóvel, mas comecem a pensar em electrónica de consumo e numa miríade de pequenas coisas made in R.P.C.). E a Coreia do Sul, outro gigante da electrónica, fica mesmo ali ao lado...

Pois bem, como previsto acima, parece que a primeira vítima vai ser uma fábrica da Fiat Chrysler na Sérvia, que vai fechar por falta de componentes para integrar nos carros que fabrica.

https://www.zerohedge.com/markets/fiat-chrysler-shut-serbia-plant-covid-19-shock-paralyzes-global-supply-chains

Compreendem a extensão das disrupções que se avizinham?