sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Liberdade a sério



«Eu valorizo muito a presença da Iniciativa Liberal no debate político português, porque torna mais claro aquilo que uma grande parte da direita quer mas não tem coragem de dizer. E portanto ainda bem que o senhor tem. Eu peço-lhe é que nós consigamos fazer um debate um bocadinho mais sério do que dizer "o Estado tudo quer controlar e connosco, o liberalismo, as pessoas serão mais livres de decidir". O senhor deputado consegue dizer melhor que isto e nós todos temos capacidade para perceber um bocadinho mais que isto, acredite em nós.
O senhor deputado reduz a liberdade à escolha. À escolha de onde estuda, à escolha de onde se trata. Mas para nós a liberdade é mais que isso, senhor deputado. Para nós a liberdade é um ser humano, homem ou mulher, se poder desenvolver na plenitude. E para se poder desenvolver na plenitude, para ser verdadeiramente livre, o que ele tem que ter é cuidados de saúde com qualidade e garantidos, tem que ter escola com qualidade e garantida. E é isso que o Estado, que somos nós, coletivamente organizados, providencia. Os instrumentos para que o ser humano, independentemente do meio onde nasce, do meio onde cresce, tenha as mesmas condições. E isso é o Estado que, coletivamente, organiza.
Muitos dos senhores deputados passaram o debate de sexta-feira a falar de impostos, e o senhor deputado também, "porque o povo paga impostos, porque o povo paga impostos...". Olhe, senhor deputado, sabe quem é que paga o tratamento de um cancro? É a comunidade toda, que se organizou através do Serviço Nacional de Saúde - que deve ter estado aqui a levar do senhor deputado durante as últimas sete horas. (...) A comunidade organizou-se para que todos nós, independentemente da nossa capacidade financeira, sejamos livres. Livres de ter cuidados de saúde com qualidade, livres de ter escola com qualidade, livres de termos uma casa. Livres, isso é que é liberdade.
Não é a liberdade de ter o Estado português a financiar negócios privados da educação e da saúde, que é o que o senhor deputado quer. Isso não é liberdade. Isso é a liberdade de pôr o Estado, o povo português, a pagar a meia-dúzia de empresários da educação, e a meia-dúzia de empresários da saúde, o negócio deles. Eu valorizo é o negócio dos pequenos e médios empresários que não vivem do Estado e que têm que se bater todos os dias para conseguir vender encomendas. O que o senhor quer, em nome da liberdade, é pôr o Estado, e os portugueses todos, a pagar o negócio dos empresários da saúde e dos empresários da educação.»

Via «Uma Página Numa Rede Social», excertos da resposta de Pedro Nuno Santos ao deputado da Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim de Figueiredo, no âmbito do debate em especialidade do Orçamento de Estado de 2020.

10 comentários:

Anónimo disse...

Excelente intervenção.

Jose disse...

«Não é a liberdade de ter o Estado português a financiar negócios privados da educação e da saúde,..» é a liberdade de uma matilha de políticos pôr o Estado a financiar emprego para as suas hostes, dar-lhes as mordomias que os mantém fidelizados aos chefes, sem que se avaliem desempenhos mem se punam abusos.
É o 'nós é que sabemos', é o 'nós é que somos serviço útil' tudo o mais são gananciosos em busca de lucro quando 'nós é que merecemos ser compensados pelo nosso generoso serviço público'.

Treteiros!

Jaime Santos disse...

E convinha aliás fazer lembrar a Cotrim de Figueiredo que o Liberalismo também não é aquilo que ele diz que é, mau grado a tendência de muitos anti-liberais, alguns neste espaço, tentarem amalgamar tudo no Liberalismo Neoclássico do Sr. Hayek, que é a doutrina que presumivelmente os meninos da IL pensam que imitam. Stuart-Mill era um Liberal, Keynes era um Liberal, Beveridge era um Liberal.

E, já agora, poderiam também lembrar a Cotrim de Figueiredo que a criação de um Estado Providência forte foi obra de Conservadores Alemães (o SPD de então era contra as caixas de saúde criadas por Bismarck)?

Quanto à ganância de que fala o José, não foi o Sr. Gecko que disse que 'greed is good'? O espírito do capitalismo é o do lucro e de preferência do lucro fácil leia-se, da renda. Só que nós não temos que andar a pagar rendas a uns quantos capitalistas que nem sequer se dão ao trabalho de criar riqueza e serem inovadores porque não precisam... Não venha você com tretas, sim?

José Cruz disse...

Quer melhor exemplo de financiamento de privados,do que a continuada recapitalização do NB,pelo Estado,para a resolução de imparidades e saldos de malparado?

Jose disse...

A incompetência do Estado ao pagar rendas excessivas - mesmo em negócios de que o Estado tem experiência de execução directa - só deve alertar quem tenha bom senso sobre o quanto menos arriscado é promover que haja concorrência à obtenção de rendas do que pôr o Estado a gerir actividades económicas.

Jaime Santos disse...

A resolução do Novo Banco foi um ato de necessidade em face de um perigo sistémico. Bush achou que podia deixar cair o Lehmann Brothers e depois 10 dos 11 maiores bancos dos EUA ficaram em risco, segundo Bernanke. E se os bancos caem, então é que não há mesmo dinheiro para nada. Zero.

Os bancos, privados ou públicos, de facto exercem um poder de chantagem sobre o resto da Economia e parece-me que não é preciso dizer mais nada.

É evidente que a melhor solução provavelmente não era a resolução e sim o aumento de capital, tornando o Estado num accionista maioritário e decretando o arresto da participação dos Espírito Santo.

Com a resolução e depois com a movimentação de créditos do NB para o BES mau, criou-se um imbróglio jurídico sem fim que levou inclusive investidores internacionais a deixarem de comprar dívida portuguesa enquanto os seus direitos como credores do BES não fossem salvaguardados. E fizeram muito bem, e quem chamar a isto chantagem não sabe o que é a chantagem. Se alguém não me paga o que me deve, só se eu for parvo é que lhe vou emprestar dinheiro outra vez.

Depois do aumento de capital, dava-se tempo ao Dr. Vítor Bento e vendia-se no final, procurando recuperar pelo menos algum do capital investido.

Mas para isso era preciso que Passos e Portas tivessem tido a coragem de assumir a possibilidade de perdas à cabeça, em vez de virem dizer que a resolução custaria zero aos contribuintes. Costa, mais recentemente, quando disse que os 3,8 mil milhões só seriam usados em último recurso entrou num registo semelhante, o que lhe ficou mal, porque teve bastante mais coragem no caso do Banif...

Agora, lá porque temos que segurar os bancos (também porque a supervisão pública falhou redondamente e o Estado chegou inclusive a empenhar a sua palavra, lembram-se do que disse Cavaco?), não temos que segurar o resto. Há uma diferença entre ser-se realista e estúpido...

Por isso, para responder ao João Ramos Almeida, já agora, a recapitalização do NB não representa a glória de Centeno, claro (isso foi, claro, a redução do déficit a zero). Representa a capacidade de fazer o que tem que ser feito, mesmo com um dedo no nariz...

Jaime Santos disse...

E já agora, se me acusarem de cinismo, respondo que têm toda a razão, mas lembro o seguinte:

A crise das dívidas soberanas poderia ter sido evitada se Merkel e Sarkozy tivessem aceite o risco moral e tivessem dito o que Draghi depois disse, ou seja que não deixariam cair nenhum País do Euro. Tinha-se provavelmente evitado muito sofrimento e poupado imenso dinheiro se as torneiras do crédito para a Grécia continuassem abertas.

No caso do NB, faz-se exactamente a mesma coisa, não porque se julgue que é óptimo pôr o erário público a pagar os disparates de gestores privados (ou de públicos no caso da CGD, o que mostra que as nacionalizações da banca por si só não são garantia nenhuma de transparência e competência na gestão), mas porque as consequências da falência desordenada de bancos podem ser bem piores e custar muito mais, vide o caso do Lehmann Brothers...

Doutrina do mal menor, penso que se chama assim... Por que é que é tão difícil perceber isto?

Anónimo disse...

Fantástico, isto vindo de um partido que tem dezenas de deputados com empresas em que o único cliente é o estado.

João Pimentel Ferreira disse...

Vai por aí uma grande confusão. A Holanda é liberal, muito liberal economicamente, no código do trabalho, na saúde, na educação, etc. e todavia não há nenhuma criança que não tenha cuidados de saúde ou educação por questões de carência financeira. Chama-se social-liberalismo, aquilo que a IL defende.

https://www.veraveritas.eu/2014/02/lei-e-estado-na-holanda-em-comparacao.html

Anónimo disse...

Para Jaime Santos.
«Mas para isso era preciso que Passos e Portas tivessem tido a coragem de assumir a possibilidade de perdas à cabeça, em vez de virem dizer que a resolução custaria zero aos contribuintes. Costa, mais recentemente, quando disse que os 3,8 mil milhões só seriam usados em último recurso entrou num registo semelhante, o que lhe ficou mal, porque teve bastante mais coragem no caso do Banif…»

Tudo se passa quando a Grecia acabava de reestruturar a sua dívida. Algo do qual ainda não recuperou…
A nacionalização implica para alem de óbvios prejuízos, a nacionalização da carteira de divida publica do NB, que não deve ser pequena…

Hoje, tudo não passou de um certo alarmismo… , mas naquela altura era mesmo a doer… parece os comentadores de futebol no fim do jogo...