sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Por ventura

 O site do Público apresenta não uma, não duas, mas três peças sobre o grande evento nacional que é o facto de o deputado André Ventura usar demasiadas vezes a palavra "Vergonha" ou "Vergonhoso".

E são três peças assinadas por três jornalistas diferentes do mesmo jornal, no mesmo dia. Uma, às 15h43 que foi actualizada às 17h01. Outra, às 18h34. E finalmente, uma às 23h39.


Claro que os jornalistas devem relatar o que acontece. E há dias em que acontecem todas as desorganizações na redacção. E claro que há dias em que nada parece acontecer.

Mas na verdade acontecem tantas coisas que os jornalistas se poderiam dedicar ao que é essencial, e não ao superficial. E, muitas vezes, o essencial é - precisamente! - o que não acontece aos olhos de todos. E isso é que deveria ser relevado pelos jornalistas. Mas se calhar o episódio do deputado Ventura demora menos tempo a escrever. E para o resto - o dito essencial - falta tempo, porque o essencial é complicado, complexo, fragmentado e difícil de lá chegar. Falta tempo para o essencial, fica o acessório.  Embora o acessório seja essencial pra um certo discurso. E tudo parece por acaso, por ventura uma brincadeira até.


Que não se argumente que não cabe aos jornalistas ter um olhar sobre a realidade, porque há sempre um olhar - até na escolha de um título ou de uma notícia. E mesmo a ausência de olhar é, em si, o olhar que pretendem que a comunicação tenha. Um olhar vazio, para ser preenchido pelas artimanhas cozinhadas nos gabinetes dos assessores.  

Se assim for, os jornalistas farão aquilo que é suposto fazerem nesta sociedade. Fabricações artificiais de consensos, em torno de supostas verdades consensuais (ou consensualizadas desta forma), que não passam de construções.   

 Tão fácil, por ventura, construir ideias na comunicação social.

8 comentários:

Rão Arques disse...

André Ventura já tocou no essencial, não está ali para bater palmas a Costa, e é bom que se veja e seja divulgado.
Este deputado bem podia ter perguntado a Ferro quantas vezes em cada intervenção pode usar a palavra vergonha.
E ainda que esse limite até pode ser aplicado a quem não tem vergonha na cara.
Tempo perdido com Marcelo, porque este vai repetir desavergonhadamente que não se mete nos critérios da AR.

OakWood disse...

É assim que se vendem os sabonetes e os presidentes da república, sobretudo se forem das bananas.

Basta olhar para as capas dos jornais para ficarmos com a sensação que estamos presos numa telenovela rasca da TVI, passe o pleonasmo.

O Público tem que correr atrás do prejuízo, afinal não estava entre o lote de patrocinadores do evento sobre a mudança do sistema político dada pelo comentador afecto ao SL Chega.

Artistas destes sabem bem o que fazem, mesmo quando parece que não.

Anónimo disse...

Infantilidade, senilidade ou as duas.

Anónimo disse...

A comunicação social portuguesa acabou há vários anos e o que resta são zombies amestrados que obedecem à voz dos donos neoliberais (uns porque não têm mais discernimento, outros porque têm medo de serem expulsos, perderem o ganha-pão que, com razão, faz falta e o meio é demasiado pequeno e lobista)por isso já se tornou normal todos os atentados contra o código deontológico e o absurdo "é dono disto tudo". Eu já nem ligo aos mass media deste país. Prefiro ler alguns blogs e sites mais confiáveis.Mas, é assim que se vai manipulando a mente da população mais incauta e promovendo "políticos" trapaceiros como gente respeitável..até que um dia acabamos como o Brasil: com um ditador Bolsonaro e o país a ser completamente destruído..depois já não há remédio, sofremos todos os piores horrores.

João Ramos de Almeida disse...

Caro Rão Arques,
Ventura nunca - até agora - tocou no essencial. Toca naquilo que acha que são os seus apoiantes e, depois, como toda a direita, cai naquela contradição de exigir melhores serviços públicos enquanto na mesma frase pede menos cobrança fiscal, sem explicar como faz o milagre das rosas.

Se Ventura quiser ser um líder da extrema-direita - que ele nem é, apenas sabe como se chega lá - terá de estudar um pouco mais os dossiers e afastar a sua conversa de café. Porque quando chegar a vias de facto, fará apenas o que a direita e mesmo a direita do PS já defende e faz.

Rão Arques disse...

Caro João Ramos de Almeida, antes de mais obrigado pela resposta.
Para já o essencial de um certo ponto de vista é que faz perguntas e coloca questões que deixa de um modo geral todos os outros visivelmente incomodados e desconfortáveis.
Prefiro deixar o homem falar, e atendendo a que está chegado de fresco, parece prematuro traçar-lhe o destino semelhante aos seus iguais naquela casa que funcionam como claques vergadas e obedientes, e pendurar-lhe rótulo de amostra sem valor.

João Ramos de Almeida disse...

Caro Rão,

Eu não estava a traçar-lhe um destino igual aos demais. Estava apenas a tentar perceber o que lhe vai - ao deputado Ventura - na alma.

Porque barafustar contra a realidade do que tem sido a aplicação de um colete de forças orçamental, previamente visado por Bruxelas, é o que é mais fácil. A direita gosta desse colete, acha que é necessário, quer "Mais Europa". Mas depois protesta contra os seus efeitos e vive com o melhor de dois mundos, sem perceber a contradição.

Mais difícil é ter uma visão programática, um conjunto coerente de políticas que façam dele um outro projecto político. O deputado Ventura parece estar a cavalgar a onda fácil que ele recolheu ouvindo aqui e ali os protestos de populares. E faz bem. Outros também o deviam fazer. Mas ele devia fazer melhor. E essa é a parte difícil. E, contudo, essa é a diferença entre o político e o demagogo.

Ventura foi apelidado de extrema-direita, e por isso recebe aquilo que designou de "incómodo" dos que lá estão. Não é que ele seja acutilante e pertinente. É apenas porque não sabem como lidar com esse novo fenómeno que nem sequer é muito novo, mas o que parece, é. Ele passou a ser de extrema-direita. E essas forças gostam dele. E acho que ele acha que lhe é útil que parecer que o é. Mas quando ele se aperceber, outros o ultrapassarão, e bem mais perigosos que ele.

Tenha cuidado a analisar o que se passa no palco. E não se deixe levar pelo discurso fácil.

Rão Arques disse...

Caro João Ramos de Almeida,
Sobre "uma visão programática, um conjunto coerente de políticas que façam dele um outro projecto político." atendendo ao que por aí se tem visto estamos conversados. Relativamente ao conselho "Tenha cuidado a analisar o que se passa no palco. E não se deixe levar pelo discurso fácil." aqui concordo consigo mas sempre será preferível alargar o leque a todos os palcos e aos respetivos discursos permanentemente em cena.
Mais uma vez o meu agradecimento pela atenção que me dispensou.