sexta-feira, 26 de abril de 2019

Somos (que) Europa? O discurso do PS para as europeias


A pouco mais de um mês das eleições europeias, o cenário que temos é pouco auspicioso. Aos ataques cruzados entre alguns candidatos somam-se a falta de ideias à direita (exceção feita a Nuno Melo, que descobriu que “a Europa é aqui”, talvez pelo número de faltas que deu em Bruxelas enquanto eurodeputado) e o empenho astuto do PS em tornar o voto numa avaliação ao governo. Sobre a Europa, muito pouco, daí que os momentos de confronto de ideias mereçam atenção redobrada. Recentemente, o cabeça de lista do PS, Pedro Marques, participou no podcast 'Perguntar Não Ofende' para uma conversa com Daniel Oliveira acerca da visão do PS sobre o projeto europeu. Sobre esta conversa e as propostas dos socialistas, deixo algumas notas:

1. Marques começa por defender a necessidade de obrigar a Alemanha a cumprir as regras europeias, evitando que continue a acumular excedentes acima dos limites impostos pelo Tratado Orçamental – “temos que ser tão duros com os países que tenham situações de défice como com os que tenham excedentes, que são insustentáveis no contexto de uma união monetária.” Até aqui, tudo certo. O problema é que não apresenta nenhuma via concreta para o fazer. A Alemanha tem violado sistematicamente os limites europeus sem enfrentar sanções, e a verdade é que a Comissão Europeia aplica dois pesos e duas medidas, punindo com zelo os países incumpridores com menos poder no continente (casos da Grécia, Portugal, Espanha) e ignorando a violação das regras por parte dos países poderosos (caso dos défices franceses ou dos excedentes alemães, por exemplo). Defender o tratamento igual para todos os países é consensual, mas Marques não explicita como seria possível fazê-lo.

2. O candidato do PS insiste na necessidade de “regressar aos valores fundadores do projeto europeu”. Em linhas gerais, a ideia defendida é que o projeto europeu, inicialmente marcado pela influência das tradições social-democrata e democrata cristã, foi perdendo a sua matriz social à medida que o neoliberalismo se instalava no seio da UE. “O projeto europeu continua a ser um enorme projeto de paz, de cooperação económica e de desenvolvimento social. Tem é que regressar à sua matriz fundadora”, um “grande pacto com as classes médias europeias”, que foi “o modelo social europeu”, garante Marques. Embora reconheça que “a Europa se dividiu, não se aproximou”, o socialista afasta qualquer cenário de saída, “veja-se o que está a acontecer no Reino Unido com o Brexit”. Mas a história da UE conta-nos algo diferente: a construção do projeto europeu foi feita desde o início com base em princípios liberais. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, primeiro passo da integração europeia, tinha como objetivo a proteção destas indústrias europeias e estabeleceu as bases para a construção de um mercado único assente nos princípios da iniciativa privada e da livre concorrência. Um projeto de negócios e grandes indústrias europeias, como lembra Lapavitsas. O processo de integração europeia foi pensado desde o início por autores liberais como Friedrich Hayek ou Lionel Robbins, que viam na construção de uma federação continental a possibilidade de desenvolvimento dos mercados, livres de constrangimentos sociais. Com a introdução do euro, o livre comércio dentro do espaço europeu e as regras de concorrência do mercado único contribuíram para acentuar a divergências entre países com estruturas produtivas fortes (países do centro da Europa) e fracas (países periféricos). Os mitos da “Europa Social”, enumerados por Martin Hopner num artigo recente, são a explicação para a crise que o projeto atravessa.

3. A relação do PS com o sistema financeiro também foi abordada durante a conversa: embora Marques tenha evitado comentar a carta da Comissão Europeia que pressionava o governo para vender o Banif no início da legislatura, preferindo responsabilizar o anterior governo por não ter enfrentado os problemas do banco e ter empurrado o processo de resolução para depois das eleições, a verdade é que atuação do PS em relação ao sistema financeiro não é diferente da dos partidos à direita. Nos exemplos recentes do Banif e do Novo Banco, assistimos à liquidação dos bancos a favor de entidades estrangeiras. Em ambos os casos, o PS seguiu a orientação europeia de nacionalizar os prejuízos financeiros (capitalizando os bancos em risco de insolvência com fundos públicos) e internacionalizar a sua propriedade (vendendo-os, respetivamente, ao Santander e à Lone Star, um fundo financeiro abutre), uma estratégia que acentua os riscos financeiros do país num eventual contexto recessivo, em que terá ainda menos capacidade de controlo e estabilização do setor. O PS não se afasta da lógica da UE, continuando empenhado na conclusão da União Bancária a nível europeu – não parece uma estratégia compatível com a defesa da “matriz social do projeto” e de "uma Europa de resultados para as pessoas".

4. Em linha com Centeno, Marques defende a urgência da consolidação orçamental – “trazer as contas públicas para uma situação de equilíbrio numa altura de boa situação económica é a melhor forma de estar preparado para a próxima crise”. Para justificar o cumprimento das metas de Bruxelas, o governo tem defendido que este é o melhor caminho para tornar o país mais resiliente. Esta é talvez a maior ilusão que o PS tem vendido nos últimos tempos. Embora Marques insista na necessidade de “trazer a dívida pública para patamares de sustentabilidade”, a verdade é que a dívida pública apenas se reduziu de 128,8% do PIB no final de 2015 para 121,5% em 2018, continuando a ser insustentável a longo prazo. Numa próxima crise, a quebra de confiança fará disparar os juros da dívida independentemente das opções políticas nacionais: este caminho de redução da dívida não defenderá o país dos impulsos do mercado e de ataques especulativos (como os que sofremos durante a última crise). O que determina a sustentabilidade das contas públicas de um país é a sua capacidade de gerar rendimentos e cumprir os compromissos assumidos. Preparar o país para a próxima crise não passa por atingir o défice zero, mas antes por reforçar o investimento nos serviços públicos, a aposta no aumento dos rendimentos e a renegociação da dívida com as instituições europeias.

5. O PS tem conseguido compatibilizar políticas de esquerda com o cumprimento das regras da UE? Marques não tem dúvidas, "foi possível e tem de continuar a ser possível." Embora assim pareça, isto deve-se em grande medida às condições externas favoráveis que o país encontra (recuperação do crescimento dos principais parceiros comerciais, taxas de juro muito baixas devido à atuação do BCE e aumento extraordinário do turismo). Um contexto desfavorável, como a desaceleração do crescimento na Europa que se prevê para os próximos tempos, voltará a expor as contradições entre políticas progressistas e as regras de Bruxelas, que impõem limites rígidos ao investimento público, às políticas de recuperação de rendimentos e a  nacionalizações de setores estratégicos. Não por acaso, a redução do défice para mínimos históricos tem sido conseguida em anos de fraco investimento nos serviços públicos, visivelmente desgastados.

6. A entrevista de Pedro Marques é o espelho do discurso ambíguo do PS para as eleições europeias, baseado em slogans com pouca substância e que não sobrevivem ao confronto com a realidade das instituições europeias. Não basta defender “um novo contrato social para a Europa”, é mesmo preciso apresentar ideias concretas.

22 comentários:

Paulo Marques disse...

Quando ouço falar no regresso aos "valores da construção europeia" só me posso rir. O que não falta é primazia dos mesmos, se calhar esta Eurolândia não é a verdadeira Eurolândia tal como o 737 Max não é o verdadeiro capitalismo.
Depois há que perguntar qual é o horrível que se passa com o Brexit, quando a libra continua sem implodir com o BOE a afirmar que isso é irrealista.
E, para terminar, volta o riso com os benefícios de o país estar mais bem preparado para uma crise, como se a destruição de estabilizadores automáticos e a manutenção de uma economia à base de dívida privada fossem sustentáveis. Deve estar à espera que o Euro Plus sirva para mais que o H2020, imagino.
Siga a peça, que o planeta acaba com a farsa daqui a pouco.

Jaime Santos disse...

Em primeiro lugar, o projeto europeu original, como bem diz, sempre conciliou dois aspetos, a abertura de mercados e o Estado Social. E isto porque esta já era a visão dos fundadores, não um qualquer acrescento neoliberal (o próprio Hayek, pelos vistos, defendia a existência de sistemas públicos de saúde). E mesmo a social-democracia abraçou estes princípios e abandonou o protecionismo. Basta pensar no abandono do estatismo pelo SPD nesse longínquo ano de 1959...

E, se hoje olharmos para as condições de trabalho na Alemanha e a capacidade dos trabalhadores participarem na gestão das empresas (para quando tal coisa cá?), vemos que a situação é bem melhor do que nos sítios onde programas de nacionalização foram tentados e falharam (RU, França).

E o que é que nos oferecem os programas do PCP e do BE? Pois, uma receita que foi tentada vezes sem conta (incluindo cá), mais recentemente na Venezuela, e que falhou sempre. Podíamos chamar a isto 'socialismo de catástrofe'... E nem vale a pena falar em 'capitalist encirclement', que existe sim senhor, só que ninguém explica como, tirando talvez num cenário de revolução mundial, lidar com ele...

Depois, também não se percebe muito bem como é que uma pequena Economia aberta como a nossa, que já o era antes de 1974, passe embora a treta salazarista da 'autarcia', iria agora passar sem o acesso aos mercados externos, seja para vender os seus produtos, seja para se abastecer de bens que não produz, em particular os de alta tecnologia.

Quanto à questão da consolidação orçamental, com ou sem Euro ou UE, não haverá renegociação da dívida sem o acordo dos credores ou sem que estes percebam que a situação é de tal modo grave que a dita renegociação se torna inevitável, como no caso da Grécia. Agora, o Vicente Ferreira acredita que isso se fará sem custos, leia-se novas medidas de austeridade? Claro que não e quem disser o contrário está a embarcar em pura demagogia.

Dir-me-á que basta que a situação económica mude para que a dívida se torne insustentável. Talvez, mas não me parece muito boa ideia que sejamos nós a criar tal situação, pelas razões apontadas acima. E é isso que o PS percebe e o resto da Esquerda não, e por isso é que Centeno quer reduzir a dívida o mais depressa possível, antes que o vento mude (já começou a mudar).

O discurso é naturalmente ambíguo porque Costa et al não querem agora provocar ninguém. O País encontra-se preso por fios e depende muito naturalmente da boa vontade dos credores e dos malvados mercados. O que quer que possa no futuro ser feito não se fará sem a colaboração da Alemanha, por muito longe que se possa estar de um regresso à 'Europa Social'.

Quando Carlos Costa passou a dívida do NB à BlackRock para o BES mau, esta deixou de investir em dívida pública da República. Pense-se o que se quiser, mas trata-se de um ato trivial de boa gestão, não emprestes a quem não te paga, não uma represália. Eu faria exatamente o mesmo...

Como nem o BE nem o PCP nos explicam aonde iriam pedir dinheiro emprestado (se pensam na Rússia ou na China, good luck with that, Tsipras tentou o mesmo e voltou de mãos a abanar) depois de abandonarem o Euro, eu tenho que concluir que o PS nem sequer é quem tem o discurso mais ambíguo...

A Esquerda que se queixa da TINA deveria lembrar-se que a principal responsável é ela própria, porque lhe falta um programa coerente, realista e com os sacrifícios que vai pedir ao povo bem delineados, para as pessoas saberem no que votam. Se a campanha é à volta da demagogia, a Extrema-Direita vence sempre, até porque o seu programa económico é bem mais convencional...

Não deixa a categoria de nêspera quem quer, Vicente Ferreira, mas quem pode. E é isso que Centeno está a tentar fazer...

Jaime Santos disse...

Ah, já agora, Paulo Marques, qual Brexit? O RU continua, depois de ter pedido (por duas vezes) mais tempo para sair, na UE (e esta muito inteligentemente o ter concedido, para que quando o Brexit acontecer os britânicos serem obrigados 'to own their decision').

Depois de Outubro, ou lá quando for, conversamos... Eu até acho que o RU se vai aguentar, o problema é que vai ser com um modelo imposto pelos Senhores Johnson, Rees-Mogg e Farage. Boa sorte para a classe operária britânica (e para o próprio Reino Unido enquanto Estado Multinacional) com eles...

O ódio ao liberalismo é tanto que acabam sempre a dar a mão a forças reacionárias... Va bene...

E quando o planeta acabar com a farsa, como você diz, quero ver o que os Estados individualmente vão fazer. Vão pôr-se todos a tentar alcançar as mais altas metas ambientais? Tretas... A ideia de que num cenário pós-UE isto vai ser tudo uma maravilha é uma treta, porque vamos voltar ao velho jogo do hobbesiano do todos contra todos. Como sempre foi e será...

E aí quem é mais pequeno é que sofre mesmo (Portugal foi uma colónia britânica durante uma boa parte do sec. XIX, lembram-se, ó anglófilos?).

Tenham cuidado com o que desejam, pode ser que o obtenham...

Anónimo disse...

Excelente post. Quem tenta mudar algo é esmagado e esquecido, quem diz que o vai fazer é considerado e aplaudido. Vivemos de facto numa altura muito estranha.

pvnam disse...

A ELITE DESTE SISTEMA É DA MESMA LAIA DOS ESCLAVAGISTAS: URGE O SEPARATISMO-50-50
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Ao mesmo tempo que reivindica para si regalias acima da média (trata-se de pessoal que está num patamar acima da mão-de-obra servil) a elite deste sistema quer ter ao seu dispor mão-de-obra servil ao desbarato.
-» Mais, pululam por aí muitos investidores da mesma laia dos construtores de caravelas: reclamam que os seus investimentos precisam de muita mão-de-obra servil para poderem ser rentabilizados.
-» Mais, a elite deste sistema em conluio com a alta finança (lucram milhares de milhões em especulação financeira) e em conluio com migrantes que se consideram seres superiores no caos... não falam na introdução da Taxa-Tobin como forma de ajudar os mais pobres... querem é que a ajuda aos mais pobres seja feita através da degradação das condições de trabalho da mão-de-obra servil.
-» Mais , a elite deste sistema em conluio com a alta finança e em conluio com migrantes que se consideram seres superiores no caos... destilam ódio/intolerância para com os povos autóctones que procuram sobreviver pacatamente no planeta.
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NAZIS não são os povos que procuram sobreviver pacatamente no planeta... mas sim... aqueles que andam por aí à procura de pretextos para negar o Direito à Sobrevivência de outros.
Adiante:
-» Por um planeta aonde povos autóctones possam viver e prosperar ao seu ritmo;
-» Por uma sociedade que premeie quem se esforce mais (socialismo, não obrigado)... mas que, todavia, no entanto... seja uma sociedade que respeite os Direitos da mão-de-obra servil;
---» Todos Diferentes, Todos Iguais... isto é: todas as Identidades Autóctones devem possuir o Direito de ter o SEU espaço no planeta --»» INCLUSIVE as de rendimento demográfico mais baixo, INCLUSIVE as economicamente menos rentáveis.
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Nota: Os 'globalization-lovers', UE-lovers. smartphone-lovers (i.e., os indiferentes para com as questões políticas), etc, que fiquem na sua... desde que respeitem os Direitos dos outros... e vice-versa.
-»»» blog http://separatismo--50--50.blogspot.com/.

Anónimo disse...

Um muito excelente post

Pedro disse...

Francamente já deixei de acreditar na possibilidade de uma europa social.

E só a apoiei no passado porque pensei que era possível uma europa social.

Esta europa dos bancos alemães que se lixe.

Anónimo disse...

O pedro pimentel ferreira já deixou de acreditar na possibilidade,apesar de já ter acreditado. Agora dá para acreditar nos bancos alemães. É lixado,lol

Pois.

O importante mesmo é não nos deixarmos enredar na tralha da discursata neoliberal e das posições bem ambíguas do PS

Anónimo disse...

Centeno está a tentar fazer?

Lembra-se Jaime Santos quando o mesmo Centeno era catalogado como "o mais revolucionário", etc etc etc?

Só vi tal dislate na boca de JS. Não está arrependido de o ter proferido?

Anónimo disse...

Pergunto-me, sinceramente me pergunto, se Jaime Santos lê sequer os textos que comenta.

Diz ele: "Em primeiro lugar, o projeto europeu original, como bem diz, sempre conciliou dois aspetos, a abertura de mercados e o Estado Social."

Mas onde diabo o Jaime Santos vai descortinar tal conciliação no excelente texto de Vicente Ferreira?

Vamos aos factos?

" Mas a história da UE conta-nos algo diferente: a construção do projeto europeu foi feita desde o início com base em princípios liberais. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, primeiro passo da integração europeia, tinha como objetivo a proteção destas indústrias europeias e estabeleceu as bases para a construção de um mercado único assente nos princípios da iniciativa privada e da livre concorrência. Um projeto de negócios e grandes indústrias europeias, como lembra Lapavitsas. O processo de integração europeia foi pensado desde o início por autores liberais como Friedrich Hayek ou Lionel Robbins, que viam na construção de uma federação continental a possibilidade de desenvolvimento dos mercados, livres de constrangimentos sociais. Com a introdução do euro, o livre comércio dentro do espaço europeu e as regras de concorrência do mercado único contribuíram para acentuar a divergências entre países com estruturas produtivas fortes (países do centro da Europa) e fracas (países periféricos). Os mitos da “Europa Social”, enumerados por Martin Hopner num artigo recente, são a explicação para a crise que o projeto atravessa".

Isso não se faz, Jaime Santos

Anónimo disse...

As coisas todavia pioram um pouco com o que vem a seguir.

Retoma-se a "visão dos fundadores" (a que nos impingem e que também é denunciada no texto?).

E convoca-se Hayek.

Espantoso

Isto é para caucionar o quê? A preocupação social dos "fundadores"? A tese que Hayekk afinal não era um liberal adepto de Mises, mas um ser empenhado na defesa do "social", quiçá mesmo do socialismo?

Como é possível que as teses de Jaime Santos já cheguem a Hayek desta forma e neste tom? Faz lembrar remotamente aquele idiota colaboracionista que defendia Hitler pela construção do "estado social nazi".

Hayek, aquele que numa carta no The Times (1978), após uma visita ao Chile de pinochet, dizia isto: "Eu não fui capaz de encontrar uma única pessoa, mesmo no tão caluniado Chile, que não concordou que a liberdade pessoal estava muito maior sob Pinochet do que sob Allende"


Quanto à "social-democracia"...essa sabemos nós ( e infelizmente) o que abandonou

Anónimo disse...

Vicente Ferreira põe o dedo na ferida quando desmistifica essa "visão dos fundadores".

Desmonta as reescritas da História sobre o que originalmente era de facto um "projeto de negócios e grandes indústrias europeias"

Ouçamos uma excelente entrevista de Manuel Loff ( trazida aqui em tempos, ao LdB, por João Rodrigues):

"Numa parte considerável da sociedade (sobretudo nessa classe média que se imagina cidadã de uma Europa laica, democrática e respeitadora dos Direitos Humanos), defende-se o regresso a um projeto europeu perdido, como se Schäuble fosse (e não é) a antítese de tecnocratas como Schuman (o partidário de Pétain em 1940) e Monnet (horrorizado com o controlo parlamentar da política económica). Há que fazer uma reavaliação muito crítica dessa génese profundamente elitista da construção europeia, feita de despotismo esclarecido, e desta conceção e gestão das políticas europeias sempre cheia de preconceito tecnocrático que entende como populista toda a crítica ao europeísmo rançoso e dogmático, que reivindica a soberania democrática onde ela, mal ou bem, ainda se se tem a sensação de se exercer: à escala nacional".

Anónimo disse...

Delors por exemplo "foi uma figura central da inscrição do austeritarismo no horizonte francês e europeu, parte do esforço das elites francesas para disciplinar as suas classes trabalhadoras através de um vínculo supranacional liberal no campo monetário, financeiro e não só, quer como Ministro das Finanças na abdicação socialista de 1983, quer como Presidente da Comissão na altura de Maastricht." ( João Rodrigues)


"...a integração realmente existente é desde a sua origem, desde a economia política do Tratado de Roma: um projecto tecnocrático neoliberal (sim, o neoliberalismo emerge, enquanto projecto intelectual, entre os anos trinta e quarenta e tem em 1957 um dos seus precoces triunfos políticos), pós-democrático e anti-socialista. A diferença está na intensidade da integração, embora aqui quantidade também seja qualidade. Enfim, os comunistas, muitos, mas mesmo muitos, socialistas e outros democratas da altura sabiam destas realidades e destes perigos. Vale por todos o ex-primeiro-ministro francês Pierre Mendés-France, no início de 1957, numa justamente célebre intervenção na Assembleia Nacional francesa:

“O projecto do mercado comum, tal como nos foi apresentado, é baseado no liberalismo clássico do século XIX, segundo o qual a concorrência pura e simples resolve todos os problemas. A abdicação de uma democracia pode assumir duas formas: o recurso a uma ditadura interna, transferindo todos os poderes para um homem providencial, ou a delegação de poderes para uma autoridade externa, que, em nome da técnica, exercerá na realidade o poder político, uma vez que, sob pretexto de uma economia sã, acabará por ditar a política monetária, orçamental, social e, em última instância, a política no sentido mais alargado do termo, nacional e internacional.”

Anónimo disse...

Há por aí muitos textos de Jaime Santos a elogiar o RU e os seus "padrões democráticos", a sua evolução em continuidade, a sua ausência asséptica de processos revolucionários ( a História também nunca foi o seu forte) face à França que ousou derrubar a Bastilha e inaugurar assim a época contemporânea

Isto antes do Brexit, claro. (Brexit aliás, que JS considerava à partida uma pura perda de tempo, já que seria totalmente esmagado nas urnas).

Muda agora de táctica JS. Agora elogia a Alemanha e os trabalhadores alemães e a sua muito melhor situação do que a dos malandros que ousaram programas de nacionalização tentados e falhados

O que é isto? Francamente o que resta da social-democracia neste bate-papo de colaboracionismo inqualificável? De promotor de mais rendas para os negócios privados?

Anónimo disse...

Temos assim esta profissão de fé de JS nos "mercados".

Temos assim confirmada a sua repugnância por programas de nacionalização

Porque motivo tudo isto me faz lembrar Warren Buffet quando disse que "A luta de classes existe e a minha classe está a ganhá-la"?


Talvez também porque a seguir vemos a penosa ( porque habitual e repetitiva) oração de Jaime Santos sobre o TINA.

Não propriamente o TINA papagueado pelos neoliberais mais crus do passismo. Mas a todos os títulos um TINA. Com a habitual marca de classe de Jaime Santos ao convocar a Venezuela para justificar a política ( de classe ) que defende e a política ( de traição) que nos tenta impingir

E mais uma vez a repetição absurda dos seus mantras, insensível ao que já se lhe disse há muito

Por exemplo a "treta salazarista da 'autarcia' aplicada à viva força na Islândia.

Ou o caso da renegociação da dívida e dos seus custos blablabla...ocultando-se sistematicamente os custos de se prosseguir por um caminho que é de facto insustentável a longo prazo

Anónimo disse...

Mais fadinho de JS em torno do PS e da "inteligência do PS que é aliás o único que percebe e que o Centeno quer reduzir a dívida o mais depressa possível

(O PS e uma grande parte da direita mais ou menos neoliberal)

"Embora Marques insista na necessidade de “trazer a dívida pública para patamares de sustentabilidade”, a verdade é que a dívida pública apenas se reduziu de 128,8% do PIB no final de 2015 para 121,5% em 2018, continuando a ser insustentável a longo prazo. Numa próxima crise, a quebra de confiança fará disparar os juros da dívida independentemente das opções políticas nacionais: este caminho de redução da dívida não defenderá o país dos impulsos do mercado e de ataques especulativos (como os que sofremos durante a última crise). O que determina a sustentabilidade das contas públicas de um país é a sua capacidade de gerar rendimentos e cumprir os compromissos assumidos. Preparar o país para a próxima crise não passa por atingir o défice zero, mas antes por reforçar o investimento nos serviços públicos, a aposta no aumento dos rendimentos e a renegociação da dívida com as instituições europeias".

Elementar meu caro JS.

E o que temos em troca como argumento?

O PS é que sabe. E que no futuro o que "no futuro possa ser feito não se fará sem a colaboração da Alemanha"

Anónimo disse...

Primeiro tempo:
"O discurso é naturalmente ambíguo porque Costa et al não querem agora provocar ninguém."

Segundo tempo:
"eu tenho que concluir que o PS nem sequer é quem tem o discurso mais ambíguo..."

Primeiro tempo:
"Quando Carlos Costa passou a dívida do NB à BlackRock para o BES mau... Eu ( JS) faria exatamente o mesmo..."

Segundo tempo:
O PSD também.

Mas há aqui uma tentativa de vender gato por lebre:

O ministro das Finanças Mário Centeno mentiu quando disse a propósito da venda do Novo Banco (NB) à Lone Star, que os contribuintes não iriam pagar mais nada

Todos os portugueses têm razões para se sentirem enganados não apenas por Mário Centeno, mas também pelo Governo anterior. O Governo anterior decidiu a resolução de um banco que implicou 4 mil milhões de euros de custos para os contribuintes. Fruto da solução que foi encontrada por este Governo e que vinha na continuidade da solução que o Governo anterior preconizava, estamos confrontados com uma venda que pode levar os contribuintes a despender até 8 mil milhões de euros e eventualmente ainda mais.

São 8 mil milhões despejados em cima de um grupo privado estrangeiro para nós ficarmos sem uma coisa que era nossa. Normalmente, quando se vende alguma coisa, damos essa coisa e recebemos dinheiro em troca. Neste caso, dá-se esta bizarria de prescindirmos de um banco e ainda pagarmos 8 mil milhões de euros, pelo menos. Este Governo que devia ter posto em causa a decisão que o Governo anterior tinha tomado não o fez. Usou como desculpa o acordo que o Governo anterior tinha feito com a UE para fazer um negócio ruinoso para o Estado"

Anónimo disse...

E depois vem mais o TINA. E vem mais o choradinho sobre aonde ir pedir dinheiro emprestado. E vem a Rússia e a China ao barulho ( o agitar sempre este espantalho do medo). E mais a falta de um "programa coerente, realista e com os sacrifícios que vai pedir ao povo bem delineados, para as pessoas saberem no que votam".

Isto é uma farsa não é? É "isto" a resposta à demonstração do "discurso ambíguo do PS para as eleições europeias, baseado em slogans com pouca substância e que não sobrevivem ao confronto com a realidade das instituições europeias"?

Repare-se como persiste o silêncio sobre os sacrifícios que vão pedir ao povo português, quando o garrote do euro nos afundar.

E repare-se como se repete mais uma vez o discurso do espantalho do medo, agora sobre a extrema-direita and so on

Anónimo disse...

Uma quase derradeira nota

Já se falou aqui sobre um excerto de um poema de Mário Henrique Leiria:

"Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece"

Parece que o texto é claro.

Mas essa de JS afirmar que "Não deixa a categoria de nêspera quem quer, Vicente Ferreira, mas quem pode. E é isso que Centeno está a tentar fazer..."

É a uma espécie de ode de JS à categoria de nêspera? Uma espécie de confissão do ajuizado que é o permanecer como nêspera? Uma espécie de convite a ser nêspera? Uma espécie de TINA em forma de nêspera, porque a condição de nêspera é uma categoria sem alternativa? Uma propagandazita mal amanhada à condição de Centeno como libertador de nêsperas? Um recado para se continuar como nêspera, até Centeno nos libertar de tão triste condição?

Francamente caro Jaime Santos. Já pensou no material novo que Mário Henrique Leiria teria,se porventura tivesse tido acesso a essas suas interessantes reflexões sobre a nêspera?

Que novíssimos contos do Gin tonic sairiam então da pena de MHL?

S.T. disse...

Para os francófonos um excelente video de Régis Debray - Médiapart sobre a Europa.

https://www.youtube.com/watch?v=p0kBIIY9MsU

Régis Debray déconstruit à merveille les sophismes européistes et la rhétorique macroniste... "Je refuse ce faux dilemme entre 'le repli ou l"Europe','contre les fascistes votez banquier!', car en réalité c'est le banquier qui fait le fascisme !"

Via Critique de la Raison Européenne

S.T.

Margarida Chagas Lopes disse...

Muitos Parabéns Alexandre, post muito interessante e bem estruturado como sempre. Talvez só não o acompanhe no ponto 5. - Não têm sido cumpridas muitas das políticas de esquerda inicialmente anunciadas, mesmo em "conjuntura forte".Quebra do Investimento público,sim, mas também total ausência de estratégia no E. Sup, na Educação em geral, nas diversas políticas sociais a começar pela Seg. Social...

Paulo Marques disse...

Jaime, continuo a perguntar, qual Brexit? A city não quer, o resto do capital também não, e os "Senhores Johnson, Rees-Mogg e Farage" só dizem o que lhes mandam para continuarem a aplicar a mesma TINA.
Quando estivermos todos mortos, não estou tão preocupado como o Jaime com a guerra entre os insectos que sobrevivam, mas ao menos sabemos que não têm armas de destruição massiva. Mas achar que a actualidade nada tem a ver com a mesma luta entre impérios que dura à séculos não presta atenção nenhuma às regras impostas e como são impostas.

Já quanto ao país, o que é evidente é que Centeno falhou tanto como os seus antecessores, e tanto como qualquer outro contabilista útil. Apesar da dose de austeridade, da destruição de serviços, abandono de propriedade e precarização, continua à mercê de que apeteça ao BCE fazer o seu papel - coisa que não faz, nem sequer cumpre o papel reduzido que assume para si de manter a inflação.
O programa coerente e realista já foi escrito e repetido vezes sem conta por Bill Mitchell, vá ali ao link e veja-o.