quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Menos Wilson e mais Lenine?


Rui Tavares lembrou e bem que se assinalou na segunda-feira os cem anos do famoso discurso dos 14 pontos feito pelo Presidente norte-americano Woodrow Wilson, onde este fixou o entendimento norte-americano para o pós-guerra, considerando que estes pontos “fundaram as bases do sistema internacional e do mundo em que ainda vivemos” e que no fundo Trump ameaçaria, sinalizando de resto o fim do século americano.

Curiosamente, facto omitido num exercício ainda demasiado devedor do idealista Wilson da paz em torno da Sociedade das Nações, estamos neste caso perante um presidente racista e segregacionista, na tradição então democrata do sul dos EUA da altura e que transportou consigo essa tradição para o plano internacional, negando a igualdade racial entre os povos (proposta, por exemplo, pelo Japão) e a universalização do direito à autodeterminação nacional (basta ver o ponto sobre as colónias…). Ho Chi Minh, admirador dos EUA e que Wilson recusou receber em Paris, e os vietnamitas que o digam. O apoio à luta pela libertação nacional e à forma de igualdade que lhe é inerente seria dado por outros. Minh participaria no congresso fundador do PCF nos anos vinte (na foto), sem deixar de ser nacionalista, claro. As dicotomias liberais simplistas hoje de novo em voga – isolacionistas versus cosmopolitas – nunca funcionaram. De resto, acho preferível usar a expressão internacionalista, porque sei que histórica e teoricamente combina com um certo nacionalismo de feição anti-imperialista, indissociável da esquerda que contou no passado e que quer contar no futuro.

Outro elemento ausente é o imperialismo norte-americano, uma expressão inconveniente em certos meios cada vez mais convencionais, realmente, bem como as pesadas responsabilidades que esta nova potência credora, que saiu reforçada da guerra, teve, por via de Wilson, na abordagem à magna questão das dívidas interaliadas e das reparações de guerra impostas à Alemanha a partir de 1919. Se Wilson tivesse sido mais brando financeiramente em relação aos aliados e menos moralista em relação à Alemanha, talvez se tivesse onerado menos esta última e talvez outras tivessem sido as “consequências económicas da paz”, tão bem denunciadas por Keynes logo em 1919 (um livro recomendado por Lenine). Depois de 1945, com os tanques soviéticos em Berlim, os incentivos para a principal potência credora seriam outros.

É, entretanto, preciso não esquecer que Wilson estava sobretudo a responder a Lenine e aos apelos dos bolcheviques (comparem, já agora, os 14 pontos com o Decreto sobre a Paz do novo poder soviético e tirem as vossas conclusões sobre quem era mais progressista). Felizmente, a chamada nova diplomacia não era monopólio do outro lado do Atlântico Norte: do Decreto da Paz à Declaração dos Povos do Oriente, em 1920, ou à fundação da Liga contra o imperialismo, em 1927. Esta última iniciativa, fundamentalmente organizada pela Terceira Internacional e em que participaram Nehru ou Sukarno, faz parte da história do nacionalismo internacionalista, de matriz anti-racista e anti-colonial. Esse, sim, lançou as bases de muito do que ainda há de menos indecente no sistema internacional em que vivemos. Já havia espectros bem reais a lutar por outros mundos. A Sociedade das Nações, enquanto projeto e realidade institucional, esteve marcada por demasiadas exclusões, típicas do liberalismo, económico e político, da época. Os liberalismos são excludentes, de formas historicamente sempre novas e estão sempre prenhes de crises, não o esqueçamos.

Por portas e travessas, hoje estamos longe do tipo de sistema internacional que figuras incompreensivelmente incensadas, ainda que cada vez menos, verdade seja dita, como Wilson planearam. Embora seja cedo para falar no declínio do imperialismo norte-americano, a verdade é que a nossa melhor esperança internacional é a de um mundo multipolar, o que pressupõe que haja estados fortes, que funcionem como freios e contrapesos ao Ocidente: lá para as bandas do Oriente e do Sul...

12 comentários:

Jose disse...

Quando se vai cavar tão longe dificilmente se pode crer que queiram conhecer a realidade de hoje que tem raízes bem mais próximas a serem ignoradas.

Pedro disse...

A China e a Rússia são tão imperialistas como o ocidente. Não dá para perceber esta embirração da esquerda com o ocidente, que só justifica a extrema direita.

R.B. NorTør disse...

Caro João,

Este artigo de facto acrescenta algo ao artigo do Rui, mas onde é que ele se encaixa na conclusão do Rui sobre a abertura dos EUA ao Mundo por Wilson, versus o nacionalismo de Trump? Porque o artigo do Rui foca-se, acho eu, no contraste entre Wilson e Trump. Será Trump o desejado cavaleiro para o Nacionalismo Internacionalista?

Geringonço disse...

O "europeísmo" obriga (supostos) progressistas a serem neoliberais e apologistas das bombas humanitárias.

Rui Tavares nada contribui para combater o miserável estado do mundo, Rui Tavares faz o oposto, se tem ou não consciência disso não sei mas suspeito sempre de indivíduos que fazem de partidos projectos pessoais...

Não sei se alguma vez Rui Tavares foi progressista mas seguramente não o é actualmente.

Anónimo disse...

Excelente posta

António Pedro Pereira disse...

Ó olharapo José:
«Quando se vai cavar tão longe dificilmente se pode crer que queiram conhecer a realidade de hoje que tem raízes bem mais próximas a serem ignoradas.»^
Tu então cavas tão perto que só vês as miudezas e deixas passar os paquidermes.
Além de tapares os pés com lama até aos olhos e deixares de ver.
Cegueta.
Sobra-te em fanatismo o que te falta em inteligência.

Jaime Santos disse...

E que estados serão esses, João Rodrigues? A China, que é uma autocracia capitalista governada por um Partido que se diz comunista? A Rússia, que é outra autocracia governada por uma clique de oligarcas? A Índia e o Japão que regressam a um nacionalismo de carácter quase religioso, e que não tem uma ponta desse internacionalismo de que fala?

É absolutamente extraordinário o esforço (e a falta de vergonha) de quem pretende branquear o leninismo. Julgo que foi Estaline que disse que era apenas unm filho de Vladimir Ulianov, ou algo assim. Quer saber quem eu escolheria entre Wilson e Lenine? Olhe, entre os dois, venha o diabo e escolha...

Mas pelo menos o primeiro foi eleito, o que quer dizer que o sistema a que presidiu foi capaz de se reformar e é hoje, mesmo com Trump, francamente melhor do que na época. Quanto ao sistema que o segundo liderou, faliu de alto a baixo, não sem antes ter produzido uns bons milhões de mortos. Para quem queria fundar a 'terra sem amos', não está nada mal...

Mas isso, você não é capaz nem de admitir e muito menos de engolir, portanto iremos continuar a assistir aqui ao elogio de um espectro esquálido, imagina-se. E não se pode exterminá-lo?

Anónimo disse...

Jaime Santos está fora de si.

Desta forma desconexa, quiçá mesmo involuntária, mostra o seu fino recorte de democrata de pacotilha.

Quer entre outras coisas cercear o direito que se fale de outras coisas que não o autorizado. Por ele e pelos que lhe compartilham os privilégios e os tiques.

Um "espectro esquálido" é a expressão rasca do seu argumentário

O "não se pode exterminá-lo" será a expressão do seu sonho incontido.


Desta forma desconexa mas profundamente reveladora

Anónimo disse...

"Que estados serão esses, João Rodrigues", pergunta angustiado Jaime Santos. E dá exemplos, China, Rússia,mais a India e o Japão

Faz esta pergunta como resposta a uma afirmação limpida e clara, verdadeira e humana de João Rodrigues:

"A verdade é que a nossa melhor esperança internacional é a de um mundo multipolar, o que pressupõe que haja estados fortes, que funcionem como freios e contrapesos ao Ocidente: lá para as bandas do Oriente e do Sul..."

Um mundo multipolar não será do agrado de JS. Prefere o mundo unipolar feito à imagem e semelhança duns EUA que não cansados de terem à sua conta muitos milhões de mortos, foram o único país do mundo a usar em humanos as suas armas nucleares. Prefere o mundo unipolar dos EUA que invadiram ou bombardearam entre 1890 e 2012, 149 países.

Prefere o mundo com um tal "dono"

Mais palavras para quê?


Anónimo disse...

Extraordinário como alguém tem o desplante de invocar um "nacionalismo de carácter quase religioso" em contraponto a um país que invoca o carácter divino como justificação para reivindicar a sua condição de excepcionalidade?

Anónimo disse...

É absolutamente extraordinário o esforço (e a falta de vergonha) de quem pretende insultar assim Lenine,identificando-o até desta forma com Estaline:

"Julgo que foi Estaline que disse que era apenas unm filho de Vladimir Ulianov, ou algo assim".

Anotemos mais este pormaior duma desonestidade intelectual (que se julgava não ser possível) dum sujeito como Jaime Santos. Que se farta de pregar essa moralidade duvidosa que singra de acordo com o que pretende na altura

Anónimo disse...

Oh sôr Jaime Santos! Não sei o que está escrito nas notas de rupia ou de yenes e se tem caractér religioso mas, sei que nas notas de dóllars está escrito que o capitalismo estadunidense confia em Deus e eles lá sabem porque é que confiam e também desse modo o chantageiam.

Ah e não tem coragem para escolher, fica no meio, é um morno. Sabe o que é que Deus faz a esses? Vomita-os da sua boca.



P.S. Sou ateu convicto.