quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Utopias há mesmo muitas


A filosofia pessimista da história de Benjamim manifesta-se de maneira particularmente aguda na sua visão do futuro europeu: «Pessimismo em toda a linha. Sim, na verdade, e totalmente. Desconfiança quanto ao destino da literatura, desconfiança quanto ao destino da liberdade, desconfiança quanto ao destino do homem europeu, mas sobretudo desconfiança tripla diante de qualquer acomodação: entre as classes, entre os povos, entre os indivíduos. E confiança ilimitada apenas na I. G. Farben e no aperfeiçoamento pacífico da Lutfwaffe».

Essa visão crítica permite a Benjamim perceber – intuitivamente, mas com uma estranha acuidade – as catástrofes que esperavam a Europa, perfeitamente resumidas na frase irónica sobre a «confiança ilimitada». Evidentemente, mesmo ele, o mais pessimista de todos, não podia prever as destruições que a Lutfwaffe iria infligir às cidades e populações civis europeias; e ainda menos imaginar que a I. G. Farben, passados apenas doze anos, se destacaria pelo fabrico do gás Ziklon B utilizado para «racionalizar» o genocídio, e que as suas fábricas empregariam, na casa das centenas de milhares, a mão de obra de prisioneiros de campos de concentração. Entretanto, único entre os pensadores e dirigentes marxistas daqueles anos, Benjamim teve a premonição dos monstruosos desastres que podia engendrar a civilização industrial/burguesa em crise.

Excerto do ensaio de Michael Löwy sobre “a filosofia da história de Walter Benjamim”, um dos oito magníficos “ensaios sobre política, história e religião” deste investigador marxista franco-brasileiro, agora reunidos em livro Utopias. Parte importante do que houve, do que há, de mais interessante no marxismo passa pelos autores expostos nestas páginas: a valorização das suas correntes ditas quentes, o romantismo revolucionário, sem esquecer as articulações com as suas correntes ditas frias, mais cientistas, por assim dizer; as relações complexas com a “abundância utópica” das religiões, que não se resumem à frase descontextualizada sobre o “ópio do povo”; o resgate da memória dos perdedores, o respeito por todos os que lutaram, como base para uma história dos de baixo com futuro; a hipótese da emancipação de que não se desiste e que não está garantida por nada, até porque se tem consciência do espectro da regressão e da perda; a permanente imaginação de uma comunidade com escala humana, olhando para o passado em busca de pistas: não há assim nenhum paradoxo quando fala a certa altura numa “sociedade pós-capitalista enraizada em valores pré-capitalistas”.

Entretanto, o que é eu mais aprecio no trabalho de Löwy, o que faz dele um modelo para quem se interessa por história das ideias em movimento, é o seguinte: para lá da erudição e do radicalismo, para lá da escolha de temas difíceis, da religião à questão nacional, é a forma simples, tão acessível quanto pode ser possível, como expõe a complexidade das relações, tantas vezes inesperadas, entre várias tradições intelectuais, como nos ajuda a ter consciência, em textos enxutos e depurados, da riqueza e da diversidade da tradição marxista, sem ao mesmo tempo a diluir numa sopa onde cabe tudo. E não a dilui porque não perde o norte: a verdade há-de estar na totalidade sistémica, do capitalismo às suas alternativas no passado, no presente e no futuro.

Muito bem editado, com organização e enquadramento gerador de debate da autoria de José Neves, beneficiando da colaboração do próprio Löwy, que no próximo ano estará entre nós para assinalar os cem anos dos dias que mudaram o mundo, este é definitivamente um pequeno grande livro.

12 comentários:

Jose disse...

Tudo suficientemente confuso para passar por inteligente...e progressista.

Anónimo disse...

Um prazer ler textos inteligentes

Anónimo disse...

Sôr Jose
É assim. As dificculdades cognitivas são o que são. O seu estudo também andou pelas ruas da amargura. Os gráficos e os números são uma confusão para essa cabecinha. O seu roteiro são as tretas e os palhaços e os cucos e as tretas e os pslhaços e os cucos and so on.

Porque nao se candidatou quando era novo a um posto de perito ...sei lá... Tauromatico, circense, qualquer coisa do género. Assim escusava de mostrar a sua pesporrência intelectual e o caldo em que (não) medrou

Jose disse...

Sim, pois, como queiras, Cuco, yesman de toda a piroseira esquerdalha.

Anónimo disse...

Errata: Tauromáquico é o correcto.

Anónimo disse...

A piroseira e o jose.
Mais os cucos.

E mais os pedidos de explicações aí num colegio privado a ver se percebe o que lhe põem à frente do adunco apêncide nasal

Mas e que tal este jose debruçar-se sobre o tema do post em vez deste penoso queixume piegas sobre os seus dotes intelectuais? Ainda por cima acoitado debaixo do qualificativo em uso pelos/pelas dondocas do bas fond: "piroseiras!" dizem ,revirando os olhos e trejeitando com as mãos

Jaime Santos disse...

Eu gostava apenas que enunciasse uma utopia feliz, eis tudo. Que não falasse de coisas boas e más no que diz respeito ao regime castrista e fosse capaz de falar dos seus crimes. A suposta superioridade moral da Esquerda anti-capitalista acaba no momento em que é instada em falar do Passado em vez de se perder em discursos vagos sobre o sempre hipotético futuro (que justifica todos os sacrifícios, incluindo o de vidas destroçadas, tal qual defende o capitalismo, pois claro). É que como alguém já disse aqui, a Memória é mesmo uma coisa lixada, em particular para quem se refugia nos princípios para não ter que enunciar políticas e dizer ao que vem... Não admira por isso que as pessoas apoiem maioritariamente uma solução governativa que não lhes podendo oferecer tudo, lhes dá garantias de poder oferecer alguma coisa... E isso já é imenso...

Anónimo disse...

jaime Santos retoma, sabe-se lá a que propósito, o seu ódio boçal ao que chama o "regime castrista",
Uma leitura mais atenta dá no entanto para perceber que afinal vem ao mesmo.
Despeja de forma assaz desonesta usma série de tolices sobre a recusa em falar no passado.
Escreve, duma forma que não se percebe bem, sobre os "sacrifícios" e sobre "vidas destroçadas". Tentará llmitar o direito a lutar por uma outra forma de viver? É que entretanto esconde os sacrifícios do presente e as vias destroçadas do agora.

Mas cmo a memória é uma coisa lixada e estamos fartos deste faduncho até à enésima casa, em que nada se diz que seja firmemente positivo desta UE pós-democrática, vamos retomar esta mesma memória sobre o terrível regime castrista . Alguns factos anedóticos que dão para ver a anedota que constitui o argumentário deste Jaime Santos que já não têem coragem para defender esta europa germânica. Só estes esgares profundamente anti-cubanos e abjectos

Anónimo disse...

"Segunda-feira, 5 de dezembro, poucos dias depois das exéquias de Fidel Castro.
Vou falar de Danielle Mitterrand, Ségolène Royal, Zoe Valdes, Jacobo Machover, de falsos dissidentes, dos media, da Amnistia Internacional e dos métodos de produção das campanhas anti-Cuba.

A morte de Danielle Mitterrand, em novembro de 2011 abriu a dança dos hipócritas que tinham admirado esta mulher admirável, comprometida em causas humanitárias, mas que, mancha indelével, tinha abraçado Fidel Castro no alto da escadaria do Palácio do Eliseu. Os media recriminá-la-ão sempre.

As recentes declarações de Ségolène Royal em Cuba abriram um cenário de ataques. Ela saudou a memória de Fidel Castro, como "um monumento da história", rejeitando as acusações contra ele de violações dos direitos humanos e contestando as detenções políticas.

A Amnistia Internacional então engasgou-se e resolveu mencionar numerosos casos de prisão

EL SEXTO

Esta ONG seleciona este exemplo para a Europa 1: " algumas horas após a morte de Fidel Castro, o artista El sexto [um grafiteiro] foi preso novamente. Ele teria escrito numa parede um grafiti dizendo simplesmente: "Se fue…", ou seja: "Ele foi-se…", irónica alusão à morte de Fidel... Reli: "... ele teria escrito numa parede um grafiti dizendo simplesmente : "Se fue..."

Gastei algum tempo a verificar (ou seja, perdi o meu tempo): o executante do grafiti tinha decorado com tags (e não apenas simplesmente as duas palavras: "Se fue"), a parede em frente de um dos mais belos hotéis em Havana, e fez o mesmo em edifícios públicos.

Foi interrompido e retirado do local, algo que não teria acontecido em Paris se tivesse rabiscado o Ritz, o Crillon, o Palais Bourbon, o Palácio do Eliseu ou a Catedral de Notre Dame"

A imagem do vandalismo pode-se ver aqui:
http://resistir.info/cuba/cuba_e_a_amnistia_internacional.html

Anónimo disse...

"Contarei agora as histórias divertidas de três outros dissidentes pelos quais a Amnistia Internacional e a nossa classe política se inflamaram.

1 - Raul Rivero

Em março de 2003, cansado da multiplicação de balelas lançadas por agências de imprensa cubanas pretensamente independentes, na realidade financiadas pelos EUA (forneço provas detalhadas no meu livro "La face cachée de Reporters sans frontières" ), o governo cubano lançou um isco e apanhou um bando de mercenários (ou dissidentes, como eles dizem).

Entre eles, estava o poeta Raúl Rivero. Foi então desencadeada uma campanha internacional: Rivero estaria a ser submetido a condições de encarceramento terríveis, teria perdido 20 ou 30 kg, sua vida estava em perigo, etc.

Apanhando os mentirosos em velocidade, as autoridades cubanas libertam-no. Aparece então um homem grande e gordo, obeso, confessando ter livre acesso à leitura e ter devorado o último livro de Gabriel Garcia Márquez, "Historias de mis putas tristes" , mas que tinha sofrido à noite com o cantar de um grilo. A Amnistia Internacional reviu então o seu texto. "

Anónimo disse...

"2 - Outro exemplo, mais divertido ainda: Armando Valladares

Trata-se de um ex-polícia do ditador Batista, preso logo após a vitória da revolução quando transportava explosivos para realizar atentados. Ele beneficiou-se de uma campanha internacional pela sua libertação. A imprensa dizia-o poeta e paralítico. Quando o governo cubano decidiu deportá-lo para Madrid em 1982, o presidente François Mitterrand enviou Régis Debray para saudá-lo à sua chegada de avião. A multidão de fotógrafos então viu um homem rindo a descer a passarela com ambas as pernas.

A Amnistia Internacional retirou-se, discretamente escondendo a cadeira de rodas prevista para o "poeta deficiente", os funcionários eclipsaram-se. Hoje, sabemos que o único poema de que Valladares se aproveitou era um plágio. Agora vive nos Estados Unidos, onde Reagan o nomeou embaixador dos EUA junto da Comissão de Direitos Humanos da ONU (sic).

E Régis Debray escreveu: "o homem não era um poeta, o poeta não era paralítico e o cubano agora é americano. Este ativista simulava hemiplegia há anos numa cadeira de rodas"

Anónimo disse...

"3 - O terceiro exemplo cómico é o de Nestor Baguer

Também contei há algum tempo as suas façanhas no meu livro sobre RSF (Repórteres sem fronteiras), ele era a fonte cubana de RSF. Robert Ménard tinha ido recrutá-lo a Havana.

Nestor Baguer era um jornalista dissidente. Diziam que fora preso, atingido pela polícia, que lhe partiram um pulso, o seu material fora confiscado, fora perseguido, ameaçado, etc. A Amnistia Internacional lançava gritos de escândalo em tom ameaçador.

E, por fim, Nestor Baguer finalmente revelou que na verdade era um agente de segurança cubano infiltrado em círculos contrar-evolucionários financiados pelos EUA. Ele nunca tinha sofrido (e por uma boa razão) qualquer prejuízo. Ele inventou tudo, incluindo o conteúdo dos artigos que escreveu, porém as informações contra Cuba nunca são verificadas. Pessoas de boa-fé poderiam passar horas, meses, anos a ver o que os nossos media propalam sobre Cuba e a descobrir as suas mentiras.

Indignada com a política dos EUA contra Cuba, Danielle Mitterrand disse ao marido: '"François, tu não podes deixar que isso aconteça! Ele respondeu: "Mas Danielle, não sou eu que mando, é o FMI, etc" (cito de memória)"

(Maxime Vivas)