segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Lições de um plano mal enjorcado, mas muito plástico

Os quatro anos e tal de aplicação do Memorando são um mar de lições. Quem tenha de ler por atacado as opiniões escritas ao longo deste período, consegue sentir melhor as ideias que estavam por detrás das medidas adoptadas. Nomeadamente em relação ao mercado laboral.

1. Passos Coelho começou em 2011 por querer alterar a Constituição no que toca à justa causa de despedimento. "Causa atendível" em vez de "justa causa". Parece uma ideia vinda algures de um escritório de advogados, não parece? Na altura, pensámos: "Lá está a velha preocupação conservadora, supostamente atenta às dificuldades das empresas em contratar, supostamente para poder empregar". Digo "supostas dificuldades" que - frise-se - não tinham impedido que, nessa altura, Portugal estivesse a viver dos mais altos níveis de desemprego. Ou seja, a lei não impedia o despedimento. Então para quê?



2. O Governo estuda, em 2011, a possibilidade de redução de custos salariais, via descida da TSU. Nessa altura, o Governo via-se confrontado com a descoberta de encargos orçamentais desconhecidos e - apesar da sua matriz liberal e ao arrepio das promessas feitas - optou antecipar o aumentar de impostos e pegar em receitas extraordinárias. Apesar do impacto recessivo, ampliado pelo susto da vinda da troika, quis o Governo baixar custos salariais para - dizia - promover a competitividade externa das empresas. E digo "dizia" porque o peso médio dos salários é de 20% dos custos de produção, pelo que os salários teriam de descer de sobremaneira para ter um impacto visível nos preços finais. Mas a medida borregou por causa dos custos fiscais (aumento do IVA) e de um estudo oficial de vários ministérios em que se provou a sua ineficácia.

3. Alternativa: mexidas na legislação laboral, com redução forte da retribuição salarial. As alterações representaram uma enorme bateria de medidas - feriados, férias, trabalho extraordinário, descanso compensatório, banco de horas individual, retracção da contratação colectiva. Na altura, o Governo estimava uma redução dos custos de trabalho superior a 5%, que teria impacto numa subida do emprego de 2% em 2013 e de 10% a médio prazo.

4. Ainda não estavam em vigor essas alterações e face a uma subida exponencial do desemprego, voltou - em Setembro de 2012 - o governo com as mexidas na TSU que viriam sapar irremediavelmente o apoio político da população à coligação de direita, após as manifestações nacionais. O governo teve de recuar. Mas não sossegou.

Já tinha reduzido salários, mas não se criou emprego por causa disso. Nem 2 nem 10%!
Ah, o problema era que não se conseguia reduzir salários base. Baixara-se custos extraordinários, não se conseguiu baixar contribuições sociais: faltava reduzir os salários base.

5. Regressou em 2013 o Governo a mexer nas causas de despedimento. Para quê? Pois. Na ausência de um mecanismo legal que autorizasse a redução salarial - que na prática já se estava a verificar na sociedade - a única forma de conseguir baixar salários base era através do desemprego. Quem substituísse alguém numa dada função iria receber um menor salário. Surgem aquelas máximas: "A estabilidade no emprego cria desemprego. E a instabilidade cria emprego" (JVP, Expresso, 3/8/2013). Mas as alterações ao despedimento por extinção do posto de trabalho e por inadaptação foram chumbadas pelo TC.

6. Então, se não se consegue baixar salários, talvez se possa aumentar os lucros das empresas. Surge a reforma da tributação em IRC, uma reforma que beneficia de sobremaneira as empresas que mais contribuem para as receitas fiscais do imposto - as maiores. Reduz-se tendencialmente, as taxas praticadas (nada dizendo sobre a matéria colectável que já permite uma evasão considerável de lucros não tributados), aumenta-se exponencialmente o reporte de prejuízos, isenta-se benefícios. Supostamente - diga-se - para criar mais empregos, via captação de investimento... estrangeiro. Ainda acredita nisso?

Lições:
1) o desemprego nunca foi um mal menor nesta estratégia de - erradamente - ganhar competitividade por via salarial;
2) o objectivo é conseguir legalmente reduzir salários base e esse objectivo ainda não foi esquecido;
3) o emprego tende a responder mal a descidas salariais. Se alguma coisa mostram os recentes valores é que a subida do emprego está a associada à subida do consumo. E do crédito ao consumo. E que, apesar de se manterem as condições de despedimento - supostamente bloqueadoras do emprego - o emprego cresce...;
4) fracasso e o falhanço de uma política tem esse mérito: devidamente "vestidas" ou "camufladas", permitem justificar a necessidade da próxima etapa da mesma medida.

Até que alguém os pare.
Era bom o PS pronunciar-se sobre estes pontos.

14 comentários:

Paulo Marques disse...

Esse sempre foi o plano da troika, gerar crescimento econômico através de salários mais baixos. O que nem no excel funciona, mas continuamos nisto.

Anónimo disse...

O PS vai ter o discurso das inevitabilidades que já vimos aquando dos "PECS", vão dizer que tudo o que estão a fazer é pelo país e pelas pessoas. Nesta "união" europeia não há espaço para a democracia nem para a autodeterminação dos povos, quem não tem intenção de reverter esta realidade pretende apenas tirar partido deste estado de coisas.

Jose disse...

A lei sempre foi muito permissiva para despedir, não 1 mas 2 ou mais.
Não dois quaisquer, mas sim os mais novos, e por aí fora de condições que assegurem sempre que tudo possa ir parar a tribunal com readmissões forçadas uns anos depois com gigantescas contas rectroactivas.
Conclusão: leis feitas para um país atrasado em que os patrões são supostos serem génios da gestão!
Leis que são a versão trabalhista da 'Agenda dos coitadinhos' com os sindicatos numa boa a tratarem da política.

Anónimo disse...

Então o Livre/Tempo de Avançar não foi outra vez à Universidade de Verão do PSD?

Anónimo disse...

As vezes dava comigo a cogitar como tiraria eu os ovos debaixo de uma cartaxa…depois de tanto cogitar dei neste resultado: se a cartaxa e´ o “capital” os ovos só podem ser Passos Coelho e António Costa e mini ovo Paulo Portas…
Ora se só com a cartaxa já e´ difícil, com ovos de casca dura como estes então adeus as vindimas…não vou as vindimas, não vou pra ilha,,, vou votar CDU e esta tudo dito. De o “Catraio” com respeito

João disse...

Pedir ao PS que tenha opinião sobre isto é que me parece um bocadinho redundante. Há quarenta anos que o PS vem diendo qual a sua opinião sobre este assunto: passo a passo, degrau a degrau, mas sempre a opinar na mesma direcção.

Unknown disse...

Analisando o desaparecimento de grandes empresas, sujeitas a greves sucessivas de semanas, em defesa dos postos de trabalho e contra a redução defendida pelas administrações, podemos se gostamos de pensar sem dogmas, ver como por se ter cegueira legalista ao estilo sindical da CGTP, sacrificado alguns postos de trabalho e sectores de empresa que podiam ter viabilidade.
Estranho é que com tanto exemplo concreto, ainda se consiga repetir as narrativas afastadas dos factos.

Anónimo disse...

A pré-campanha em curso faz-me lembrar três estarolas à mesa do café saltando alegremente de assunto para assunto sem nunca chegarem ao fundo das questões. Se a dois desses estarolas (o Pedro e o Paulo) interessa muitíssimo, por óbvias razões, o registo ser o da desconversa, já ao terceiro deles(o António)é um pouco menos linear descobrir-lhe o interesse na conversa mole.
Concretizando: o actual Governo está-se borrifando para o maior ou menor número de portugueses sem trabalho, pois esse desemprego é para ele instrumental. Quantos mais desempregados houver, mais desce o nível salarial, tudo isso com o acrescido bónus de se contratar gente altamente qualificada (veja-se o recente concurso para auxiliares de educação) por um prato de sopa diário. Se o discurso e a acção do Governo são, manifestamente e interessadamente, hipócritas, já o não tratar os bois pelo nome por parte do PS causa certa perplexidade, pelo que a pergunta se impõe: estarão o descaso semântico e a falha e pífia argumentação do PS ligados à futura possibilidade de, uma vez chegado ao poder, surfar as mesmas manhosíssimas águas estatíscas que ora surfam o PSD e o CDS e alicerçar o "crescimento" económico a haver na bandalheira exploradora que, de momento, critica? A pergunta não me parece, de todo, descabida, uma vez que o PS já nos habituou às suas pragmáticas piruetas: critica agora a privatização da Saúde a que, num namoro contra-natura entre público e privado, deu o efectivo tiro de partida, e dizendo cobras e lagartos da privatização da Educação por parte do PSD e do CDS contrapõe-lhe uma imaginativa "municipalização", a qual mais não é do que a entrega de escolas, professores e alunos às privadas manobras amiguistas e nepotistas das diversas cliques autárquicas do "Centrão".

Anónimo disse...

Sim, é isso mesmo,caro António Cristóvão, foram mesmo as "greves sucessivas de semanas" e a "cegueira legalista" (curiosa esta sua agregação de palavras...)da CGTP que deram cabo do tecido produtivo português. Quando as sucessivas maiorias laranjas de Cavaco venderam a agricultura e as pescas deste país por um prato de parcas (mas muito proveitosas, eleitoralmente falando) lentilhas, quando o clarividente professor de Finanças de Poço de Boliqueime achou que o caminho do futuro risonho do país era o da sua reconversão numa zona de serviços económico-financeiros e num parque de turísticas diversões para "cámones", lá estava, afinal, o pérfido e permanentemente ocioso proletariado luso, convenientemente industriado pela CGTP mai-la sua "cegueira legalista", a cavar a sepultura da economia do país.Malandros!!!

Anónimo disse...

E se a sua virtuosa digressão oftalmológica o levou a diagnosticar uma inexorável e terminal insuficiência visual à CGTP, caro António Cristóvão, já os oftalmologistas do Tribunal Constitucional foram taxativos ao considerarem as sucessivas cabeçadas do nosso querido (des)Governo no muro da Lei Fundamental como fruto de "cegueira legislativa". Se bem que eu desconfio, meu caro António Cristóvão, que a ostensiva "cegueira" de Pedro e de Paulo é, como dizem os nossos irmãos de além-Atlântico, "de brincadeirinha": fazem o número do ceguinho desvalido, mas que enxerga que nem um falcão, a ver se a coisa pega e, uma vez passado, à força de teimosa insistência, o constitucional Rubicão, a fonte começa, finalmente, a despejar um torrencial caudal de "aéreos" para os bolsos dos seus magos da finança de estimação. Espertalhões...

Anónimo disse...

O Cristovao é bem o modelo intelectual do patrão analfabruto que faz com que os portugueses sejam dos povos que mais horas trabalham a nível europeu e que lhes organiza o trabalho de modo a serem dos que menos riqueza produzem.

Mas acha-se o máximo do terreiro.

Anónimo disse...

"podemos se gostamos de pensar sem dogmas" O que é que isto quer dizer? Pensar sem principios? Chutar para o lado para onde se está virado?

Anónimo disse...

o futuro é um prato de sopa e um muito obrigada

Anónimo disse...

1 de setembro de 2015 às 12:50, Giro é que o autor da frase está convencido que aquilo que escreve não são dogmas que lhe serviram na selha. É uma bacoquice dos que assim falam. Estarem convencidos da neutralidade do que engolem com o espírito crítico com que engolem a lavagem. Parafraseando um autor de direita que gostam muito de citar, Ideológicos são sempre os outros, mas eles são um pedaço mais ideológicos que os outros.