quarta-feira, 26 de agosto de 2015

China ao fundo?


Sinal dos “tempos financeiros” que vivemos, pouca informação económica tem mais relevância mediática do que a evolução das bolsas de valores. Pouco interessa que estas sirvam de pouco - muito pouco, no caso português - no financiamento da economia. Nos últimos dias fomos presenteados com o Armagedão do colapso bolsista chinês e subsequente contágio a outras praças financeiras internacionais. Contudo, poucas são as notícias que dão conta que a bolsa de valores de Xangai viveu uma valorização de 150% no último ano. O pânico mediático em torno do que acontece em Xangai deve ser por isso desvalorizado? Sim, mas não muito. É certo que esta correcção dos preços no mercado de acções chinês não parece mais do que isso. Um ajuste de uma fase extraordinariamente especulativa na bolsa. Ademais, a percentagem de famílias chinesas com poupanças na bolsa é marginal, o que limita impactos na capacidade de consumo destas como um todo, e as empresas, com menos acesso a financiamento via mercado de capitais, terão acesso a um sistema bancário comandado pelo Estado e, portanto, com pouca reactividade ao que acontece na bolsa. Pelo contrário, o mais provável, como a reacção política dos últimos dias mostra, é o acesso ao crédito ficar mais fácil e barato. Ainda assim, estes dias servem para chamar a atenção para três pontos essenciais para se perceber a fragilidade da economia chinesa e, de forma mais lata, da economia internacional pós-2008.

O primeiro diz respeito ao modelo de crescimento chinês desde a crise financeira de 2008. Com o colapso dos seus mercados externos aquando da crise internacional, as autoridades chinesas reagiram de forma a desviar as suas fontes de crescimento do exterior para o interior, estimulando o consumo e reduzindo as taxas de investimento. No entanto, este reajustamento da economia chinesa, formidavelmente bem-sucedido na capacidade de evitar os efeitos da crise, foi feito através da expansão do crédito e da progressiva liberalização financeira. Esta combinação tóxica resultou não tanto na desejável valorização salarial e consequente aumento do consumo, mas sim numa bolha de crédito dirigida aos sectores com maior potencial de valorização, como o sector imobiliário, onde só uma minoria beneficia no curto prazo, e que, entretanto, começou a soçobrar. A toxicidade desta combinação ficou manifestamente visível noutra bolha especulativa, a bolsista. A braços com níveis recorde de dívida, a economia chinesa mostra um padrão já visto noutras paragens.

Esta crise de dívida conduz-nos ao segundo ponto. A economia chinesa, ao contrário do que aconteceu, por exemplo com a bolha imobiliária espanhola, não necessitou de financiamento externo. A fuga de capitais é limitada e sem grande impacto. Por outro lado, o sistema financeiro é sobretudo controlado pelo Estado chinês, o que lhe dá espaço de manobra de intervenção directa sobre os fluxos de crédito, prevenindo assim o congelamento deste, como aconteceu nos EUA ou no Japão aquando das suas crises imobiliárias. Ainda assim, tal não quer dizer que o ajustamento necessário da economia chinesa não seja doloroso. Como bem assinala hoje Martin Wolf no Financial Times, taxas de investimento superiores a 40% do PIB necessitam de um crescimento económico difícil de atingir para tornar tal investimento rentável. O Estado chinês terá de reafectar recursos de modo a esvaziar de forma controlada o mercado imobiliário. Isto implica retirar recursos a elites poderosas e transferi-los para sectores mais produtivos, com salários mais altos, afectando também a distribuição primária de rendimento de forma a favorecer o trabalho e a capacidade de consumo das famílias chinesas. Em 2009, por exemplo, falava-se na construção de um serviço nacional de saúde que, além de contribuir para trabalhadores mais saudáveis, conduzisse à redução da poupança das famílias, que são hoje obrigadas a aforrar para fazer frente a um imprevisto de saúde, e assim, aumentar a proporção do consumo no produto interno bruto. Contudo, os contornos políticos deste reajustamento, à luz do que têm sido as respostas políticas mais recentes, não são os mais optimistas. Aparentemente, a solução, necessariamente de curto-prazo, será mais endividamento dirigido aos mesmos sectores.

O terceiro ponto, provavelmente o mais relevante, diz respeito à reacção generalizada de pânico um pouco por todo o mundo nos mercados bolsistas. As implicações directas da queda da bolsa chinesa no resto do mundo são razoavelmente pequenas numa economia onde os fluxos de capitais e a convertibilidade do yuan ainda são limitados. No entanto, esta reacção exacerbada diz mais do nervosismo que reina nos mercados, eles próprios com uma bolha accionista nas mãos. De facto, depois da crise financeira de 2008, os grandes problemas da economia mundial não foram resolvidos: os desequilíbrios externos mantêm-se, a esfera financeira continua a funcionar, grosso modo, na mesma, e o crescimento económico é anémico. Com os mercados financeiros “inundados” de liquidez e com taxas de juro reais muito baixas, não surpreende que os fluxos financeiros se tenham dirigido para o mercado de acções, cujas valorizações têm, em muito, ultrapassado o expectável numa economia medíocre. Ao dar-se um colapso nestes mercados - em praças financeiras onde os agentes embarcaram numa nova onda de endividamento de forma a alavancar os seus ganhos -, as consequências para o sistema financeiro podem ser devastadoras.

As primeiras vítimas desta nova onda de instabilidade são, como quase sempre, os países da periferia da economia mundial, hoje a braços com o colapso dos preços das matérias-primas e uma fuga de capitais que tem o centro da economia mundial como destino. Para as economias semiperiféricas, como Portugal, os efeitos são uma incógnita. A pressão para a fuga de capitais de uma economia sobreendividada como a nossa deveria conduzir a uma nova subida das taxas de juro, num ciclo já conhecido. Contudo, há um compromisso do BCE para manter a zona euro intacta, materializado nos instrumentos financeiros agora em prática. A sua eficácia será provavelmente posta à prova mais cedo do que tarde.

13 comentários:

Jose disse...

Eis como uma banca sob controlo do Estado contribui para uma bolsa/roleta!

Anónimo disse...

O projeto de promover um desenvolvimento mais baseado no mercado interno, em detrimento das exportações, foi uma linha decidida pela direção do partido comunista chinês (e do Estado chinês) no início do século e que integrou mesmo o núcleo do “aporte teórico” do anterior secretário-geral Hu Jintao, o “conceito científico de desenvolvimento” [que, tipicamente à chinesa, acrescentou uma linha à definição “teórica” do socialismo chinês, o marxismo-leninismo, o pensamento de Mao Zedong, a teoria de Deng Xiaoping e a ideia da tripla representatividade (do antecessor Jiang Zemin)]. Antecedeu a grande recessão mundial desencadeada em 2008.

Já havia a firme intenção, e a consequente aplicação, de promover o consumo popular, o “estado de bem-estar”, entre outros aspetos do desenvolvimento como, por exemplo, a proteção ambiental e a sustentabilidade energética.

É incorreto referir que o reajustamento foi posterior ou que se inseriu no combate aos efeitos da crise. Basta conferir o plano quinquenal 2006-10 então em execução.

Mas ainda mais incorreta é a afirmação de que as autoridades chinesas reagiram à crise “reduzindo as taxas de investimento”. Isto é muito errado e surpreende-me que alguém tão avisado como o Nuno Teles possa fazer uma afirmação destas. Sucedeu exatamente o contrário. Estou certo que muitos ainda se recordarão do estímulo massivo de 586 mil milhões de dólares (4 milhões de milhões de yuans), em dimensão semelhante ao dos EUA, mas numa economia então bastante mais pequena. Raras vezes a história registou uma intervenção singular tão gigantesca, sobretudo em infraestruturas (mas também em vertentes sociais do Estado, como a habitação social e a saúde pública).

Aliás, basta ver as estatísticas do Banco Mundial da formação bruta de capital fixo na China, em percentagem do PIB, que passou de 40% e 39%, em 2006 e 2007, 40% no ano de transição 2008, para 45%, em qualquer dos anos de 2009 a 2012, e 46% em 2013. O investimento não diminuiu com a crise, aumentou e muito.

O mesmo parágrafo contém também uma evidente desconsideração, ou subestimação, da inegável progressão, mesmo em termos reais, dos salários na China, em ritmo de tal modo vertiginoso, para o que estamos habituados neste cantinho à beira-mar plantado ou mais geralmente no mundo ocidental, que muitos, com a estreiteza de raciocínio habitual, não hesitam em lhe atribuir a principal responsabilidade das perdas de competitividade das produções chineses e do dinamismo do crescimento económico.

Anónimo disse...

«Há quem teime em fazer do capitalismo uma ideologia, um sistema. De seu real e concreto nada tem disso. E o que se tem verificado é que o capitalismo '''desregulado''' anda por aí não exactamente a criar paraísos, mas bolhas.

Parece que, como sucede de vez em quando, alguém decidiu esvaziar um pouco a bolha financeira... não esvazia-la por completo, isso é impossível: apenas um pouco. O suficiente, por assim dizer.
É como encher uma banheira com água: enche hoje, enche amanhã, a banheira fica cheia. E se a água chegar ao limite da banheira, logo começa a cair para o chão, passa da casa de banho para a sala, depois para a cozinha, entra na varanda, cai na rua e as gaivotas perguntam "Mas o que é esta água toda? Pio pio!".
Para evitar que as gaivotas façam perguntas estúpidas (e pio pio também), de vez em quando alguém tem que remover a tampa na parte inferior da banheira e fazer fluir a água de modo que seja possível começar de novo a encher.»



Anónimo disse...

"Para as economias semiperiféricas, como Portugal, os efeitos são uma incógnita."

Há quem pense o contrário e se dedique a fazer estudos macro-económicos para os próximos 4 anos, certamente correctíssimos do ponto de vista matemático e feitos com a melhor das intenções, mas que não vão servir absolutamente para nada.

É tempo de admitir que a governação passou mesmo a ser uma arte de "navegar à vista" face ao que acontece todos os dias.

Nuno teles disse...

O anónimo das 03:32 tem razão na questão da não redução do investimento. Não fui claro. Pretendia dar conta das intenções declaradas do governo e não do que realmente aconteceu. O investimento não diminuiu. Como assinalo no texto, além de se ter dirigido sobretudo ao imobiliário, continua a níveis insustentávelmente altos.

Quanto à eventual viragem de modelo económico anterior à crise, mais uma vez as declarações políticas não coincidram com a realidade. O peso das exportações no PIB durante esses anos mostra isso.

Finalmente, o progresso salarial na China é notável e importante para se perceber o sucesso deste modelo económico. O problema é a manutenção das altas taxas de poupança.

Anónimo disse...

Quando escrevo, a minha simpatia política tenta sobrepor-se ao facto da razão de escrever. Acontece a toda a gente, se calhar…
Acontece que há responsabilidades para quem voluntariamente informa e comunica…
A China e´ um pais de culturas milenares.
E o que dói a muita gente e´ saberem que de facto a China e´ uma força inesgotável de saber!
Mas convém que os portugueses se cuidem dos poderosos rácios políticos e económicos desses países desenvolvidos.
A continuarmos com governantes deste calibre, Portugal e os portugueses vão acordar qualquer dia com uma divida muito maior e sem resgate e memorandos.
As bolsas de valores, só com um pequeno abanão, oscilaram como se viu… Atentem nisto! De Adelino Silva


Aleixo disse...

Outros,mais competentes do que eu, poderão avaliar e caracterizar a imensidão de produtos financeiros

que pululam por esses mercados mas, associar os mercados bolsistas,

a algo que não seja J O G O ...

só para os crédulos!

O Puma disse...

Quando entenderem urinar

será o dilúvio

Anónimo disse...

A China, os EEUU e a Rússia vão percorrendo o percurso que o génio e a natureza de seus povos determina.
Ao fim de alguns seculos tornaram-se todo-poderosos enquanto outros povos definhavam.
No domínio de territórios imensos, no domínio da ciência e da tecnologia, culturalmente preponderantes em todas as esferas da vida. Eles, forçosamente, haveriam de ter o domínio da economia global.
Com certeza que leram Ricardo, Adam Smith e Karl Marx,
Entre outros. Aprofundando-os em seus conhecimentos.
Aqui em Portugal, só lembram de quando em vez do Nobel, Maynard Keines, nem sequer procuram aprofundar os seus conhecimentos. Ate que este homem também foi político e escritor entre outros atributos de sua natureza de homem que cultivava as artes.
E se calhar, por ele ser tao culto, desapareceu quase sem deixar rasto… De Adelino Silva

Anónimo disse...

Quem leia a imprensa "mainstream" ocidental notará, certamente, que, com uma regularidade espantosa, nela se passam atestados de óbito à economia chinesa. Eu, assumindo-me um simples interessado em assuntos económicos, sinceramente penso que tais notícias partilham das características do anunciado passamento do velho Mark Twain: a prematuridade.
Poderíamos falar de "bolha imobiliária" chinesa se, e só se, essa construção monumental de edifícios se não destinasse a uma procura existente, e sim a servir de objecto a negociatas manhosas e a lavagens de dinheiro (o que aconteceu nos EUA e na Europa). Ora acontece que, na RPC, essa procura de habitação é real: até 2020 (e cito de memória a data, com o risco óbvio de a mesma me trair) serão necessárias acomodações para os 300 milhões de chineses que se mudarão dos campos para as cidades.Vamos pôr as coisas em perspectiva: é como se os EUA tivessem de construir casas para quase todos os seus habitantes.
Quanto à crise dos mercados, há que recordar que a última crise financeira dita "mundial" foi a primeira das crises financeiras que, arrastando a Europa e os EUA, deixou relativamente incólumes os BRICS. Tal facto deveria ter ensinado algo à Europa e aos EUA, mas parece que eles nada aprenderam com o mesmo.
Falar de "crise chinesa" e "estagnação económica chinesa" retirando da equação os colossais investimentos naquilo a que os chineses chamaram de "a nova rota da seda"(um conjunto de linhas férreas, estradas, gasodutos, aeroportos e portos que unirão a costa chinesa, via Ásia Central, ao coração da Europa), investimentos esses que trarão, a médio e longo prazo, um não menos colossal retorno, é o mesmo que dizer que um elefante é pequeno porque só se lhe enxergou a ponta da cauda.
Algo pasmoso em toda esta questão é o facto de a histeria do mundo financeiro ocidental radicalmente contrastar com a impassível calma das autoridades chinesas. Tal contraste só espantará aqueles que não conhecem minimamente a milenar tradição política e burocrática do antigo Império do Meio: aquilo é gente que pensa a longuíssimo prazo, gizando sempre, para o que der e vier, múltiplos planos de acção para atingir um mesmo objectivo. E nisso, convenhamos, estão a anos-luz do pensamento único europeu.

Anónimo disse...

E é claro que Herr "José", mais uma vez, entendeu o filme todo ao contrário. Aos seus queridos capitalistas trota-mundos, eminentíssimo Herr "José", é que lhes aconteceu, ao vivo e a cores, um velhíssimo ditado aqui do rincão: foram à procura de lã, e voltaram tosquiados. À cata de lucros chorudíssimos, os seus nómadas da finança fecharam as suas fábricas na Europa e nos EUA e reabriram-nas na RPC. Compreende-se: a mão-de-obra era ao preço da chuva, a malta trabalhava até cair para o lado e, ó cereja no topo do bolo!, eram tantos, mas tantos, que até faziam bíblicas (ou seriam confucianas?) filas para serem explorados. Fiaram-se os seus queridos ídolos financeiros nas balelas do Fukuyama, e pensaram que a História tinha acabado, mas, ó surpresa das surpresas!, teimou ela em manter-se viva: com as fábricas foi o "know How" e esse "saber fazer para os outros" rapidamente se transformou em "saber fazer para nós próprios". Não é roleta, Herr "José", o nome da coisa é o do valor que advém do trabalho e o de uma inteligente visão estratégica de longuíssimo prazo . Quem jogou na roleta, e perdeu, foram os seus adorados ídolos financeiros ocidentais: quem tem hoje "liquidez" é a RPC, e eles, os seus ídolos, dedicam-se a vender os seus países a retalho aos investidores chineses. E veja lá a ironia das coisa, Herr "José": não deve haver hoje no Mundo gente que acenda mais velinhas a São Mao do que os seus queridos ídolos financeiros ocidentais, ao mesmo tempo que rezam fervorosamente pela firmeza e sabedoria do PCC no bom encarreiramento das finanças para que a economia chinesa não dê para o torto, o que, a acontecer, lhes faria desaparecer na voragem da roleta bolsista as remanescentes fortunas. É uma situação deveras curiosa, não é?

Anónimo disse...

Ao José, esse monstro do expertize...

http://resistir.info/financas/colapso_25ago15.html


P.S.: Abraços aos duartes limas e restante bandidagem do PSD

Anónimo disse...

Jose

como sempre, sabujo imundo, demonstras ser um ignorante desmesurado mas sempre com a K7 displicente em cima da mesa
o que eu me rio das tuas artoadas
és mesmo um zero à esquerda o que para um fascizoide como tu deve ser muito inconveniente teres algo de "esquerdalho"

lembro ainda que se fala da derrocada chinesa há quase uma década
das preocupações ora porque há uma bolha ora porque há um freio
os gurus e os futurologistas têm sempre a mesma arma
vai ser agora, vai ser agora...e um dia acertam
leis das probabilidades