quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Vozes da austeridade (II)

«Quando não há comida, os meus pais fazem isto: deixam de comer para nos dar à gente»
Fernando, 14 anos (família numerosa, pai desempregado, minoria étnica, deficiência)

«A minha mãe trabalha na [nome da empresa] e depois também vai a um restaurante ajudar uma amiga, assim vai ganhando mais dinheiro (…). Depois, da parte da tarde volta para a [nome da empresa] e à noite vai para a universidade. (...) Ela também comprava daqueles suminhos pequeninos para levar para meio da manhã. Agora tenho levado umas sandes para meio da manhã sem nada para beber»
Leonor, 15 anos (família monoparental)

«A electricidade é assim, às vezes pagam os meus avós e o outro mês pagamos nós»
Daniel, 10 anos (pais desempregados)

«Ela [a mãe] tem as tensões muito elevadas, dá-lhe tonturas e anda sempre a queixar-se que não pode comprar os medicamentos»
Alexandre, 16 anos (família monoparental, mãe desempregada)

«Tenho medo de ficar pobre. Os meus pais ficaram os dois sem emprego e depois… e depois não terem dinheiro para pagar as coisas»
Carolina, 11 anos (família nuclear)

Um excelente trabalho jornalístico no Público de ontem, da autoria de Natália Faria, dá conta de dois estudos sobre os impactos da austeridade. Um, relativo ao aumento da pobreza infantil (UNICEF) e o outro sobre a devastação causada por cortes indiscriminados em diferentes prestações sociais, com significado particularmente grave no caso do Rendimento Social de Inserção (da OCDE, que sugere que a «poupança» resultante da fixação de um tecto nas prestações sociais deveria reverter para o reforço orçamental do RSI, tendo em vista reduzir a pobreza e não o défice). Tudo isto num país em que o fosso das desigualdades se acentua, o número de milionários aumenta cada ano de «ajustamento» que passa e onde uma maioria de direita prometeu, com irrevogável hipocrisia, «ética social na austeridade», assegurando que Portugal não era nem seria a Grécia.

A interpelação de testemunhos como os destas crianças, que se juntam a outros testemunhos, é demasiado profunda para que possa ser ignorada. Interroga-nos sobre o tipo de sociedade em que queremos viver. E obriga-nos a pensar e a decidir se aceitamos que a selvajaria se instale em definitivo e cave o abismo ou se exigimos patamares minimamente dignos, justos e decentes de vida colectiva.

17 comentários:

Unknown disse...

Vozes que doem nestes nossos dias, mas que não incomodam os que semeiam a fome, nem aos novos ricos que vivem destas politicas...

António Geraldo Dias disse...

Politica económica ao serviço do desenvolvimento humano,da diminuição das desigualdades e da redistribuição da riqueza com recurso a instrumentos e.g.renda básica e uinversal que garantam uma vida digna para todos-só por má-fé se pode hoje negar a a inclusão debate-se em davos o que diz bem da cegueira ideológica de quem nos governa.Esta gente tem os dias contados preparemos o render da guarda com os nossos soldados empenhados na defesa da saúde,da educação,da habitação,do emprego obrigando quem aí vem a mudar de rumo via a defesa do estado social de direito e de uma democracia porque valha a pena lutar até ao fim.

Anónimo disse...

Para o passos Linhas o problema deve estar nos jornalistas.. que não foram investigar sobre o quotidiano dos filhos dos novos milionários! Preguiçosos!

e-ko disse...

Tudo isto é inadmissível e razão suficiente para acabar com o mandato deste governo, por ser urgente novas políticas para acabar com a degradação da vida dos mais fracos e mais atingidos pelas políticas cegas dos mais troikistas que a troika...

Anónimo disse...

Este artigo aqui reproduzido dá uma pequena visão da situação de calamidade social em que o País se encontra. Parece que se pretende fazer un recuo de muitas décadas na História Social do País.

vernon disse...

Bom texto.

Realidade muito dura a destes 99.
O processo de degradação social desencadeado pela encomenda nacional à troyka de um programa de austeridade, e de desmantelamento da lista cada vez mais reduzida de bens e interesses públicos e comuns, resulta numa taxa de compressão económica para um número cada vez maior de pessoas. Não me recordo de tanta miséria imposta em tão pouco tempo.

As pessoas que não têm trabalho são pobres e as que têm pobres são.
Claro que é muito difícil, para a maioria das pessoas, pagar a conta de electricidade além de estar sempre a aumentar. E também sabemos quem são os responsáveis por isso e essa minoria ganhadora à conta da miséria da maioria.

Os responsáveis pela miséria são os mesmos da esterilidade. Desratizar não é fácil. Mas é necessário e urgente.


peço desculpa se repeti o comentário

Jose disse...

«exigimos patamares minimamente dignos, justos e decentes de vida colectiva»

Exigimos a quem?
Aos credores?
À CEE?
Ao Totta?
Ou a todos a começar pela autora do choradinho da falta do suminhu?
Cambada de piegas qye se comprazem no lamento.

Anónimo disse...

Um bom texto,com bons comentários.

Permita-se replicar uma frase de vernon:
" Desratizar não é fácil. Mas é necessário e urgente."

Na mouche.

De

Nuno Serra disse...

Talvez o José ainda não se tenha apercebido, mas muitos dos seus comentários são uma espécie de autofagia: devoram-se a eles mesmos, dispensando réplica de terceiros.
É muito curioso, por exemplo, que o José pegue no exemplo do "suminho" e não no dos pais que deixam de comer para que os filhos não passem fome... Tudo pieguices, claro.
E talvez valesse a pena, José, admitir a hipótese de que o dinheiro não é apenas coisa que vem de bancos e de credores.. Talvez também venha de impostos, sei lá.. Eu já nem lhe peço para considerar que talvez o circuito até seja de certa forma ao contrario.. Isso seria muito à frente e não me atrevo a tanto.. É preferível mesmo pensar que as crianças é que são as culpadas disto tudo (ou os pais delas, não importa.. pagam e prontos)

Anónimo disse...

( desratizar não é mesmo fácil. Mas é necessário e urgente)

A exigência duma vida digna para todos é algo inquestionável.

Por isso a admiração e a repulsa como alguém pode demonstrar uma tão grande insensibilidade quando fala da forma como o faz acerca dos depoimentos citados.

Pode-se dizer que replica afinal passos coelho e o seu matraqueado ""piegas" . Pode-se também dizer que o "suminhu" é a marca erudita dum tipo que defende um pequeno traste mentiroso e cobarde de nome crato.

Mas pode-se dizer que sobretudo é a marca indelével destes nossos tempos, em que coisas com esta "sensibilidade" nos remontam a outros tempos com "sensibilidades idênticas".

O que dizer dum tipo que escreve da forma como o faz sobre uma garota de 15 anos que vê o seu mundo desabar?

Enquanto tece "pieguices" a respeito de coisas como coelhos , cavacos, relvas, soares dos santos ou ricardo salgados. Para não falarmos das loas a agentes da pide e aos seus venerados mestres.

É triste.Mas sobretudo revoltante.

De

Anónimo disse...


Temos miúdos cujos pais contam todos os cêntimos para verem se podem comprar , ao menos, pão. Absolutamente agoniantes estes tempos em que vivemos, absolutamente nojentos os políticos que temos !

Ivone Melo

Jose disse...

Nuno Serra, não se confirmou a ‘autofagia’ do meu comentário, devendo notar-se que ele não visou obter réplicas mas transmitir opinião.
A sua reacção levou-me a reler os princípios assumidos por este blog e, ainda que a economia seja tomada com a liberalidade de um «desporto de combate» não se vê a que lhe sirva tais declarações de ‘exigência’ fundada em exemplos de casos de dificuldade económica que se reconhece existirem, como se reconhecerá terem existido no passado e que, ainda que desportivamente avaliados, se pode antecipar que ocorrerão no futuro.
Quanto ao geral da questão, situar no irreal palco da fantasia, dos desejos, ou dos cenários tipo ‘se tudo fôra diferente’ a solução de dramas humanos reais e pungentes não é combate digno mas mera pieguice ofensiva do sofrimento alheio.

Anónimo disse...

É triste mas é de facto revoltante.

Mas clarificador.

Jose tenta esconder-se atrás dos princípios assumidos por este blog. A tentar sacudir a água do capote depois da tirada à coelho que sistematicamente usa e abusa.

Não serve de nada tal exercício. Porque a questão não está aí.Nem no " desportivismo" de dandy como tenta agora pegar nesta questão.Ou naquele tom bolorento que assume qaundo diz que isto já se passou no passado, vai-se passar no futuro e portanto...há que ser desportista.

A questão está exactamente no revoltante que o comentário evova, na opinião que o jose profere sobre as crianças que sofrem e que manifestam tal sofrimento

(Desportivismo uma ova. Há nomes que ficariam aqui a matar, mas que a educação mo proíbe de expressar.)

Depois jose socorre-se do meu comentário para esconjurar o apontado pelo Nuno Serra sobre a autofagia dos seus comentários.

Já vários me têm dito para abandonar o "diãlogo" com jose.Chaman-no troll e dizem que coisas assim não são para.
Infelizmente(?) respondo quando acho que as coisas vão longe de mais. Embora seja parco quando comparado com algumas aitudes que já tomaram com jose.Algumas que motivaram vir-se queixar, qual piegas insuportável, da sua expulsão por aqui e por ali.Deixou de fazer de forma aberta o que é proibido pela constituição e assim vai-se mantendo neste tom balanceante

Finalmente o combate digno. Parece que para jose o colocar crianças em discurso directo a assumir os horrores da governança neoliberal é "irreal palco da fantasia, dos desejos, ou dos cenários tipo ‘se tudo fôra diferente"

A que propósito jose parte para tal "conclusão"?
Porque o relatado, os factos, fazem geralmente fugir os que se persignam com os dogmas neoliberais.

Vejamos: o transcrito pelo Nuno Serra é "irreal", é fantasia?
Releia-se os testemunhos e verifique-se o que se diz e o que se debate.E como continua a ser revoltante uma "defesa do indefensável" deste tipo e deste calibre:
"Quando não há comida, os meus pais fazem isto: deixam de comer para nos dar à gente"
"A electricidade é assim, às vezes pagam os meus avós e o outro mês pagamos nós»
"Ela [a mãe] tem as tensões muito elevadas, dá-lhe tonturas e anda sempre a queixar-se que não pode comprar os medicamentos"

São estas as irrealidades, as fantasias que este jose vê e aponta? São "desejos"?

Isto tem um nome.Tem vários nomes. E nenhum é muito bonito

E volta-se ao termo "pieguice",vocabulário que tem o seu quê de patibular e que é de uso e abuso por alguns dos responsáveis pela presente situação. Assumem-se "novas roupagens" para velhos ostracismos em uso pela classe dirigente.Tenta-se impingir que a distribuição diferente dos rendimentos surge porque há os que não são piegas e há os piegas. Acredita-se na deigualdade social como inevitável,porque a xenofobia, a superioridade rácica está inscrita nos genos do neoliberalismo.

Porque o agastamento inicial do jose com este post do Nuno tem uma razão.Sistematicamente jose age assim quando perante factos concretos , testemunhos directos.Porque jose, ao contrário do que faz crer, ao contrário do que quer vender, sabe que a realidade nua e crua é uma poderos arma de combate contra o que jose defende e assume.

Eis o motivo simples, o simples motivo que obriga jose a manifestar desta forma tão "arrepiante" o seu verdadeiro pulsar .

De

Jose disse...

DE, não sei de que raça és.
Mas que dizes asneiras em catadupa é uma certeza.
E por muito que te desconforte, as pieguices não me irritam, tenho-as na mesma conta das ladaínhas, responsos e exorcismos da gente de catecismo a que pertences.

Anónimo disse...

As pieguices não irritam o sr jose...Pois claro que não.

O que o irrita mesmo e muito e que o leva a sair do seu amuo com que por vezes pontua o seu discurso (face ao sereno desmascarar do seu argumentário) é mesmo isto:

" o agastamento inicial do jose com este post do Nuno tem uma razão.Sistematicamente jose age assim quando perante factos concretos , testemunhos directos.Porque jose, ao contrário do que faz crer, ao contrário do que quer vender, sabe que a realidade nua e crua é uma poderos arma de combate contra o que jose defende e assume.

Eis o motivo simples, o simples motivo que obriga jose a manifestar desta forma tão "arrepiante" o seu verdadeiro pulsar "

A prova?
"Esquecido" das suas atoardas sobre a "cambada de piegas que se comprazem no lamento" e sobre o "irreal palco da fantasia e dos desejos" com que tenta ocultar os factos, jose sai à liça para proferir uma espécie de missa.
Sem nada acrescentar, sem nada aduzir, sem nada rebater.

No tom coloquial que adorna os seus comentários quando.

No tom coloquial desajustado, de certa forma leviano e de certo modo pegajoso com que se descarta do que é sério para tentar uma conversa de salão mais própria dos seus amigos flamengos.

Nada interessado em tal,obrigado.

Por vários e ponderosos motivos

De

Anónimo disse...

("Ou a todos a começar pela autora do choradinho da falta do suminhu?
Cambada de piegas qye se comprazem no lamento."

Isto não é o jose agastado.É apenas um "lamento" do sr jose.

...ou se se quiser uma ladainha,responso ou exorcismo

...do mesmo )

De

Anónimo disse...

Independentemente de outras considerações é verificável que a situação económica actual em Portugal é caracterizada por um capitalismo na sua forma mais preversa , o que parece uma situação de paradoxo quando existe um Governo composto por gente que se reclama da Social Democracia e da Democracia Cristã.provavelmente terão havido mutações no vocabulario político.